• Nenhum resultado encontrado

Capítulo III – Ação Afirmativa – Educação

3.2 Igualdade Substancial ou Eqüidade

A igualdade formal não garante o sentido democrático de uma sociedade que é formada por desigualdades.15 O princípio da igualdade coloca, de forma

abstrata, no mesmo patamar indivíduos que em determinadas situações precisam de um tratamento diferente. Em vista disso, para a consolidação de uma sociedade justa e democrática, passou-se a utilizar, além do princípio da igualdade formal, a igualdade substancial ou eqüidade. De acordo com Sidney Pessoa Madruga da Silva, a igualdade substancial insere-se na dimensão dos direitos de segunda geração, que buscam a igualdade substantiva ou efetiva entre os cidadãos.16 Está relacionada com o

contexto dos direitos sociais, econômicos e culturais.

Para Joaquim Barbosa Gomes, a noção de igualdade substancial é inversa à concepção abstrata da isonomia formal. A igualdade substancial recomenda uma noção “‘dinâmica’, ‘militante’ de igualdade, na qual, são devidamente pesadas e avaliadas as desigualdades concretas”.17 Como jurista, Gomes chama a atenção para o

fato de que aplicadores do Direito e legisladores devem ficar atentos “à variedade de situações individuais e de grupo, de modo a impedir que o dogma liberal da igualdade formal impeça ou dificulte a proteção e defesa dos interesses das pessoas socialmente fragilizadas e desfavorecidas”.18 O princípio de que a justiça deve ser guiada pelo véu

da ignorância rawlsiano ou da igualdade de todos perante a lei é fundamental para

14 Dworkin, Ronald. A discriminação Compensatória. In: Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Pág. 350.

15 Ressaltando que desigualdades não significam apenas diferenças, mas diferenças que representam desvantagens.

16 Silva, Sidney Pessoa Madruga da. Discriminação Positiva: Ações Afirmativas na Realidade Brasileira. Brasília: Brasília Jurídica, 2005. Pág. 44.

17 Gomes, Joaquim Barbosa. O debate constitucional sobre as ações afirmativas. In: Ações Afirmativas: políticas públicas contra as desigualdades raciais. Santos, Renato Emerson dos; Lobato Fátima. Rio de janeiro: DP&A, 2003. Pág. 19.

18 Gomes, Joaquim Barbosa. O debate constitucional sobre as ações afirmativas. In: Ações Afirmativas: políticas públicas contra as desigualdades raciais. Santos, Renato Emerson dos; Lobato Fátima. Rio de janeiro: DP&A, 2003. Pp. 19-20.

uma concepção de cidadania e democracia.19 Contudo, não é uma antítese ter um

Sistema Judiciário que entenda o exercício dos direitos não apenas como igualdade, mas também como eqüidade.

Essa preocupação também é discutida por Dworkin quando define que há o direito individual ao igual tratamento e o direito constitucional de ser tratado como igual. O Estado, ao não considerar esse último direito, abstraindo e universalizando as políticas e considerando apenas a forma de igual tratamento no acesso ao ensino superior, nega esse direito aos menos favorecidos ou talentosos.20 O direito ao

tratamento como igual pretende estabelecer uma forma de tratamento digno aos em desvantagem. A discussão de Dworkin passa pelas ações afirmativas em universidades estadunidenses, onde a discriminação contra os negros até a década de 1960 era uma forma de mantê-los longe das melhores universidades. Após a década de 1960, algumas universidades passaram a adotar a discriminação, ou ações afirmativas, a favor dos negros como forma de ir contra a segregação racial.21

A igualdade substancial tenta alcançar o sentido mais amplo de igualdade, colocando os indivíduos em situação efetivamente igual. Para isso, admite o tratamento desigual para equalização das condições de competitividade, de oportunidade, ou de ponto de partida para o acesso aos direitos e políticas públicas. Segundo Sidney Madruga, a igualdade substancial “busca a igualdade de fato, da efetivação, da concretização dos postulados da igualdade perante a lei (igualdade formal)”.22 Dessa forma agindo como uma estratégia complementar fundamental para

o alcance da justiça social.

A igualdade substancial, descrita por Joaquim Gomes e Sidney Madruga, ou o tratamento como igual, de Ronald Dworkin, podem ser entendidos como a

19 Rawls, John. Justiça como Eqüidade: uma reformulação. São Paulo: Martins Fontes 2003. O “véu da ignorância” de Rawls é uma das condições para o estabelecimento de uma sociedade eqüitativa. Os princípios de justiça são discutidos por cidadãos iguais em suas posições, onde desconhecem elementos que possam representar vantagens pessoais na discussão sobre justiça.

20 Rawls, John. Justiça como Eqüidade: uma reformulação. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Dworkin, Ronald. Cap 11 Ação Afirmativa: funciona? Cap 12 Ação Afirmativa: é justa? In: A virtude Soberana: a teoria e a prática da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Pp. 543-607.

21 Dworkin, Ronald. Cap 11 Ação Afirmativa: funciona? Cap 12 Ação Afirmativa: é justa? In: A virtude Soberana: a teoria e a prática da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Pp. 543-607.

22 Silva, Sidney Pessoa Madruga da. Discriminação Positiva: Ações Afirmativas na Realidade Brasileira. Brasília: Brasília Jurídica, 2005. Pág. 43.

61

tradução do princípio da justiça como eqüidade ou ainda do princípio da diferença, descritos na concepção de justiça de John Rawls. Partem exatamente do mesmo pressuposto de que um tratamento desigual deve ser empregado para aqueles que se encontram em situação de desigualdade com o objetivo de diminuir essas desigualdades. Vale ressaltar que o princípio da isonomia formal não proíbe o tratamento desigual, “vedando apenas aquelas diferenciações arbitrárias”.23 O

princípio da igualdade, por fim, para ser completo está relacionado tanto ao tratamento igual quanto ao tratamento desigual nas situações em que se faz necessário para cumprir um sentido de justiça.24

Os princípios de direitos iguais e de igualdade de direitos podem ser relacionados, respectivamente, às políticas sociais em suas modalidades universal e focalizada ou de prioridade.25 A política social universal prioriza a igualdade formal,

ao passo que a política social focalizada ou de prioridades se pauta pela eqüidade. É possível afirmar que ambas se complementam. Sendo a ação afirmativa uma modalidade da política social de prioridade, a eqüidade estaria, ainda, estreitamente relacionada à formulação de políticas de ação afirmativa.

Documentos relacionados