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II CASOS DE ESTUDO

No documento Habitar Alcácer Do Sal: a outra margem (páginas 31-75)

NOTA: entende-se a influência da obra de artistas como yves Klein, Donnald Judd ou Don Flavin, que procuravam através de síntese cromática e geométri- ca impor a supremacia da razão sobre as coisas. Sobre o minimalismo Flavin escreveu: “ we are pressing downward toward no art – a mutual sense of psico- logically indifferent decoration – a neutral pleasure of seeing known to everyone.”. Don Flavim, 1967

(da esq. para a dir.)

(em cima) 06. Catálogo da revista “WHOLe eARTH” 1968-69-70 (em baixo) 07. Michael Heizer Double negative, 1969

(à dir.) 08. yves Klein, “CARTA”, 1960

“I will raze everything at the surface of the entire earth, until it is flat. I will fill the valleys with mountains, then I will pour concrete over the surface of all the continents”

027 além das instituições de arte, ocupando as vastas pais-

agens, tornando-se parte delas. (fig.10)

A emergência da estética e do pensamento da arte contemporânea da década de 1960 vem abrir o caminho da exploração espacial a artistas como Michael Heizer, Walter de Maria e Robert Smithson. O trabalho destes artistas era realizado em terreno natural, tendo em con- ta as características geográficas e geopolíticas dos lug- ares, normalmente isolados e de difícil acesso. Procura- vam criar obras à escala da paisagem; obras pensadas para a efemeridade inevitável própria da natureza, relembrando a sociedade de que nem só de homem vive o homem25 , mas sobretudo da relação entre a natureza

e a cultura, arte e a paisagem. LAND ART E A MEDIAçãO COM A PAISAGEM “(...)A arquitectura e as artes livres têm uma raiz comum, uma

raiz que é abstracta de alguma forma mas, no entanto, baseada no conhecimento e análise armazenadas no nosso subconsciente 23

Alvar Aalto, 1948

Desde o início da era moderna, o conceito de escul- tura tem vindo a distanciar-se da lógica tradicional que a categoriza, tornando-se infinitamente maleável. Este afastamento foi, segundo Rosalind Krauss, exercido de maneira gradual, justificando de certa maneira a sua aceitação, no que diz respeito à elasticidade do conceito da escultura.

A partir dos anos 50, no entanto, esta ideia havia sido levada à exaustão tornando-se cada vez mais nega- tiva. Representava o “buraco negro da consciência” do artista, algo que era apenas compreensível procurando descrever o que “não era”. Neste momento a escultura passa a pertencer à categoria de “no-man’s land: é o que

estava dentro ou em frente de um edifício e que no entanto não fazia parte dele, ou estava na paisagem e não era paisagem.24” Pode- se dizer que a escultura perdeu o seu lugar, tornou-se abstracta e nómada, situando-se pela primeira vez entre não-arquitectura e não-paisagem.

O mapa estruturalista de Rosalind Krauss promove a recepção da Land Art como um novo paradigma da escultura pós moderna, que se expande para um campo

23 AALTO Alvar, 1997. p.108. 24 KRAUSS, Rosalind, 1979. p.36

25 Adaptação da frase bíblica “nem só de

pão vive o homem”.

Segundo Rosalind Krauss, a primeira grande mudança paradigmática da es- cultura deu-se quando esta deixou de ser percebida e habitada. Deixou de ser o monumento historicista que comemorava um evento ou que procurava descrever de maneira simbólica o significado ou uso de um determinado lugar. esta mudança dá-se concretamente nas obras de Auguste Rodin, como a estátua de Balzac(fig. 09), que a autora considera como sendo a primeira instancia da “condição nega- tiva do monumento”.

(em cima) 09. Auguste Rodin estátua de Balzac, 1892-1897

(à esq.) 10. Diagrama de Rosalind Krauss no artigo “sculpture in the ex- panded field” (1979)

( da esq. para a dir. )

11. exposição “earth works, Virginia Dwan Gallery, 1968

12. “Poster for Gerry Schum’s visionary television broadcast “Land Art” 1969

029 Estes trabalhos pioneiros, que usavam a terra como

matéria e o espaço como media, foram pela primei- ra vez expostos pela galeria Virginia Dawn numa ex- posição intitulada “earthworks”(1968). O termo foi, no entanto, fixado pelo galerista alemão Gerry Schum no vídeo que produziu com o título Land Art, transmiti- do pela primeira vez na televisão pública de Berlim em 1969. O vídeo revela, desde logo, algumas das quali- dades mais pertinentes associadas à Land Art; a escala, as localizações remotas, dificuldades de realização e a associação à natureza.

Recorrendo ao lugar-natural, esta nova tendência, que se desenvolve a par com a proliferação dos debates ecológicos, não se manifesta , no entanto, somente de modo a contestar a relação do homem com a natureza.

A Land Art surge na convergência de opiniões que partilham a dissolução da noção de objecto artístico – as respectivas obras revelam formas finitas, e problemati- zam os métodos de conservação ou a tradicional relação com as instituições de arte.

A relação entre o homem e a paisagem tem algo de primitivo. Essa interdependência é explorada pelos ar- tistas da land art de diversas maneiras.

Para o interesse desta dissertação, serão analisados os trabalhos de dois artistas; Richard Long e Mary Miss, que, pensa-se, demonstram duas formas diferentes de mediação entre o homem e a paisagem, explorando e transformando a percepção do lugar através das suas intervenções.

031 A experiência académica permite a Richard Long

estabelecer desde muito cedo os parâmetros formais que viriam a ser englobados na sua obra à posteriori. Um dos primeiros trabalhos que produz, intitulado snowball track (1964) fig.13, consistia na simples marca produzi- da por uma bola de neve em movimento, naturalmente condenada a desaparecer rápidamente. Nesta obra, o artista, com apenas dezoito anos, revela a vontade de um contacto directo com a paisagem, utilizando a na- tureza como matéria prima. Desde esse momento, Long debate-se com a conotação de artista de Land Art, pois considera que a sua obra é radical, mas não monumen- tal como a dos artistas de land art americanos27.

“The medium of my work is walking (element of time) and natural materials (sculpture). For me, the label `Land Art ́ rep- resents North American monumental earthworks, and my work has nothing to do with that. I could say it perhaps has more in common with Italian Arte Povera (simple, modest means and procedures) or Conceptual Art (the importance of ideas).”28

“[…] I have met with but one or two persons in the course of my life who understood the art of Walking, that is, of taking walks, who had a genius, so to speak, for sauntering; which word is beautifully derived from idle people who roved about the country, in the middle ages, and asked charity, under pretense of going à la ‘sainteterre’ – to the holy land, till the children exclaimed, ‘there goes a saunterrer’, a saunterer – a holylander. (…)

When we walk we naturally go to the fields and woods; hat would become of us if we walked only in a garden or mall? even some sects of philosophers have felt the necessity of importing the woods to themselves since they did not go to the woods, ‘They plant- ed groves and walks of platans’ where they took subdiales ambula- tion’s in porticoes open to the air.” 26

Henry David Thoreau

Nascido a 1945 em Bristol, Inglaterra, lugar de al- guns dos monumentos mais conhecidos da idade do bronze, Richard Long estuda juntamente com artistas como Hamish Fulton na Martin’s School of art em Lon- dres. Aí tem como professor Peter Atkins, chefe do curso avançado de escultura, cuja metodologia incentivava os seus alunos a considerar o contexto filosófico, psicológi- co e social aquando da realização da obra artística. Esta metodologia considerava a escultura como objecto não terminado, levando os estudantes a enfrentar as noções preconcebidas da categoria.

RICHARD LONG [ A line made by walking ] Iniciada em 1967

26 THOReAU, Henry David, 1851.

pp.657-674.

27 Para William Malplas, autor do liv-

ro “the art of Richard Long: complete works”, o trabalho de Long é uma con- tinuação tardia do paisagismo romântico Inglês, resultado da fusão entre o panteís- mo do séc. XIX e o conceptualismo dos anos sessenta. O seu pensamento assenta na ideia de que tudo está interligado, que o universo é um todo, e esse todo é energia. esta ideia está presente na relação que estabelece com o lugar, um sitio especial eleito pelo artista para a realização da sua obra.

(da esq. para a dir.) 13. Richard Long Snowball Track, 1964 14. Richard Long “line made by walking” 1967

033 num determinado tempo. Por vezes Long fala-nos da

sua obra em termos poéticos e religiosos, afirmando mesmo que “ a arte deveria ser uma experiência religiosa 31” . Religiosa, no sentido de ir mais além do objecto artísti- co, procurando a experiência física e emocional.

“ Walking is a way of engaging and interacting with the Wor- ld, providing the jeans of exposing oneself to new, changing per- ceptions and experiences, and of acquiring an expanded awareness of our surroundings perceptions and experiences, and through a beeper understanding of the places we occupy, we acquire a better understanding of our own position in the world 32

A obra de Richard Long assenta na ideia de tem- po, e na poética do movimento articulada com a ideia de percepção de um determinado lugar, seja ele espaço arquitectónico ou território/paisagem. A sua obra re- mete-nos não tanto para qualidades perfeccionista de execução, mas para a descoberta, a procura e o enten- dimento do lugar.

Para Long, “caminhar é também uma oportunidade de des-

cobrir lugares para criar esculturas em lugares remotos, locais de grande poder, propícios à contemplação 29” . Na obra a line made by walking (iniciada em 1967) , Long estabelece o simples acto de caminhar na paisagem como gesto pri- mordial. No contexto da arte conceptual dos anos 60 , a acção do artista pode ser vista como uma subversão do gesto expressivo tradicional, central na pintura.

Caminhar é “não expressivo”, é um movimento mecânico que permite ao corpo movimentar-se de um ponto para o outro, da mesma maneira que uma linha é fundamentalmente a ligação entre dois pontos.

Uma linha imposta sobre um território particular é normalmente o resultado de um processo de medição cartográfica imposta sobre uma superfície bidimensio- nal; no entanto, ao contrário das estradas desenhadas nos mapas, a obra de Richard Long existe numa quar- ta dimensão, física e perceptível, tornando-se escultura real.

O registo da acção pelo artista é, por natureza, par- cial, e condicionador de uma acção com uma determi- nada duração no tempo e extensão no espaço. É um acumular das experiências vividas pelo artista. 30

Para o artista Inglês, as suas obras são uma espécie de celebração da experiência de um determinado lugar,

29 LOBACHeFF, G., 1994. p. 5

31 MALPAS, William, 2001. p. 349 32 LONG, Richard e BONeLLI, S.,

2000. p. 33

30 NOTA: Ao longo dos últimos quarenta

anos Richard Long tem vindo a reprodu- zir as suas caminhadas nos mais diver- sos locais. Começando naturalmente em Inglaterra, o artista viajou para lugares como os desertos do Peru, equador, Japão, Himalaias, Índia e África, entre outros, sentindo cada lugar de maneira diferente e documentando sempre a sua experiência em primeira mão.

15. Richard Long Walking a line in Peru, 1972

035

16. Richard Long

037 MARy MISS

[ Perimeters / Pavilions / Decoys ] 1977-78

“Na arquitectura (...) existe o mesmo elemento “tempo”: além disso, este elemento é indispensável à actividade construtora: da primeira cabana, da primeira caverna do homem primitivo à nossa casa, à igreja, à escola, ao escritório onde trabalhamos, todas as obras de arquitectura para serem compreendidas e vividas, requerem o tempo da nossa caminhada, quarta dimensão.33

Bruno Zevi

Mary Miss é uma artista norte americana radicada em Nova Iorque. Nascida em 1944, filha de pai militar, passa grande parte da sua infância a mudar constante- mente de cidade até que obtém o diploma da universi- dade de Santa Bárbara, Califórnia, em 1966. Durante este período Mary Miss desenvolve a sua personalidade artística seguindo a possibilidade da obra de arte ser uma expressão de ideias e não apenas um foco formalis- ta de qualidades visuais.

Sendo também ela uma das pioneiras do movimento land art, a sua obra foca-se essencialmente na experiên- cia do individuo que se move por entre a paisagem. Os seus projectos incorporam materiais como a madeira, metal e betão, explorando a ideia de criar situações que enfatizem a história do local, a sua ecologia e outros as- pectos inerentes, levando à descoberta de novas relações com o lugar.

(de cima para baixo.) 17. Mary Miss Decoys,1977-78 18. Mary Miss Pavilions,1977-78 19. Mary Miss Decoys,1977-78

039

Perimeters/pavilions/decoys foi um dos projectos que

inspirou a investigadora Rosalind Krauss a escrever o artigo sculpture in the expanded field 34 , no qual se baseou o capítulo anterior. A obra consiste em cinco instalações temporárias espalhadas por quatro hectares em Long Island, Nova Iorque; três estruturas verticais (torres), um aterro (monte de terra), um pátio enterrado (buraco). Cada estrutura evoca formas já existentes no local, for- mando uma sequência narrativa. As peças, misteriosas e ambíguas, provocam a curiosidade dos visitantes que se envolvem na sua exploração, deambulando e mediando entre as instalações e o parque que as envolve.

O percurso parece ser indefinido. É necessário per- correr todo o complexo, comparar e estruturar a infor- mação, para entender a sua plenitude,. Ao atravessar as árvores em direcção ao campo deparamo-nos com uma torre de dois metros e meio de altura construída em ma- deira e envolta em metal. À distância, no limite do local, encontram-se outras duas torres, cuja verdadeira escala só é apreendida mediante a exploração.

Atravessando entre os aterros, que subtilmente en- cerram a parte superior do parque, um buraco quadra- do de 5mx5m torna-se subitamente visível. Uma escada permite a descida ao espaço enterrado, que é circunda- do por uma parede, com portas em cada um dos lados ligando a uma corredor em volta do pátio central. O movimento torna-se parte integrante da obra, distin-

guindo espaços de luz e sombra.

A instalação consiste essencialmente numa percep- ção física e emocional do lugar. À semelhança do tra- balho de Richard Long, a obra de Mary Miss parece assentar na procura de uma relação com o lugar onde se situa, privilegiando as suas especificidades sobre a preocupação tradicional do monumento público. No entanto, o seu trabalho parece cruzar os limites entre a paisagem, a arquitectura e o desenho urbano.

34 O artigo de Rosalind Krauss – sculp-

ture in the expanded field começa com da seguinte maneira:

“Toward the center of the field there is a slight mound, a swelling in the earth, which is the only warning given for the presence of the work. Closer to it, the large square face of the pit can be seen, as can the ends of the ladder that is needed to descend into the excavation. The work itself is thus entirely below grade: half atrium, half tunnel, the boundary be- tween outside and in, a delicate structure of wooden posts and beams. The work, Perimeters, Pavilions, Decoys, 1978, by Mary Miss, is of course a sculpture or, more precisely, an earthwork.” Rosalind Krauss – sculpture in the ex- panded field. cit. p. 01

041 LE CORBUSIER

[ Convent Sainte-Marie de La Tourette ] 1956-60

A encomenda do projecto de La Tourette, perto de Lyon, França, surge durante a fase final de construção da capela de Ronchamp, 1953. O frade da ordem Do- minicana, Marie-Alain Couturier, também ele um estu- dioso de arte e pintor, procura maneiras de promover a renovação da arte sacra recorrendo pela segunda vez ao arquitecto suíço não só por considera-lo “o maior arquitec-

to da época, mas também pelo facto da sua percepção espontânea do mundo eclesiástico ser a mais forte e autentica que jamais co- nhecera” 35

Exemplo da sincronia entre os dois homens no que diz respeito ao futuro projecto de La Tourette, está presente num artigo de 1950 na revista “L’Art Sacré 36 intitulado “The magnificence of poverty”. Nele Couturier expõe os princípios de pureza e simplicidade defendi- dos por Le Corbusier, revelando a interpretação ideal do futuro convento. As palavras que dirigiu ao arqui- tecto como espécie de briefing exemplificam também a confiança que nele depositava: “create a silent dwelling for

one hundred bodies and one hundred souls 37”. O programa consistia numa igreja, claustro, capela, biblioteca, zona de estudo, refeitório, cozinhas e cerca de cem celas in- dividuais.

As questões tipológicas associadas a edifícios religio- sos interessavam particularmente a Le Corbusier desde a sua ida a Itália em 1911, onde visita o Mosteiro da Certosa de Galluzzo, ou Charterhouse of Ema, nos ar-

redores de Florença. Neste mosteiro, sugerido quer no manual de Baedeker quer no guia de Ruskin, o arqui- tecto observa pela primeira vez a harmonia plena entre paisagem e arquitectura, numa delicada interpretação do binómio púbico/privado por parte de um único vo- lume edificado.

“Set in the heart of Tuscany, the Charterhouse of ema sits

atop a Hill, revealing the renelations formed by each of the monks’ cells placed at the peak of a huge stonghold wall 38

Le Corbusier é também incentivado por Couturier a visitar as ruínas do mosteiro de Le Thoronet, perto de Toulon no sul de França, argumentando que este continha a expressão essencial do ideal monástico. O local deixou Le Corbusier imensamente impressionado, designando-o posteriormente por “arquitectura da verdade

cisteriana 39”.

36 Desde 1936, o frade Marie-Alain

Couturier é um dos editores da revista Art Sacré – uma publicação que defendia o renascimento da arte sacra “cujo ideal seria a existência de gênios que também fossem santos. “No entanto, nas circun- stâncias atuais, se tal homem não existe, acreditamos que para provocar tal rena- scimento, é preferível procurar gênios sem fé, que crentes sem talento”.

Philippe Potié, 2001. p.60.

35 COUTURIeR, M. A., 1954. pp.

9-10

37 POTIÉ, Philipp. 2001. p.60.

39 JeNKS, Charles, “Le Corbusier and

the continual Revolution in Architecture” 2000, pp. 327-28

38 Le CORBUSIeR, 2001. p.92

20. Marie-Alain Couturier com Henry Matisse, 1950

A primeira visita do arquitecto ao local deu-se em Maio de 1953. Desde os primeiros esquiços, o esquema da volumetria e a escolha da implantação no ponto mais alto do terreno, parece esclarecida. O edifício deve ser visto à distância.

“O mosteiro ergue-se heroicamente separado da natureza como

um templo grego, proclamando a solidão humana independente do universo.40

A alegada escolha da implantação por Le Corbusier é imprescindível para a compreensão do projecto. Em La Tourette “o lugar é ao mesmo tempo tudo e nada 41” ; como nos diz Colin Rowe, acrescentado que “arquitectura e pai-

sagem, experiências lúcidas e separadas, são como protagonistas ri- vais de um debate que progressivamente se contradizem e clarificam o significado de cada uma.42” A dialéctica da mediação com

deado de floresta, sugerindo desde logo a apropriação da paisagem como parte integrante do projecto. Poderá o caminho entre as árvores circundantes constituir uma arcada em volta do claustro de La Tourette? O percur- so que leva ao edifício por entre o bosque, torna-se assim obrigatório para a compreensão da totalidade da obra.

A libertação do terreno através do uso de pilotis constitui um dos cinco princípios fundamentais da ar- quitectura moderna44 estabelecidos pelo arquitecto Suí-

ço. Neste caso concreto, a floresta de pilares, de diferen- tes tamanhos e feitios, combina a funcionalidade com a qualidade escultural. A sua ambiguidade é ainda mais contrastante quando, ao atravessar estes elementos, se transita para os espaços interiores, puristas e funcionais. Verifica-se mais uma vez a vontade de integrar concep- tualmente a paisagem no universo do projecto.

num espaço de reclusão.

NOTA: A transparência é talvez a maior conquista da arquitectura moderna. No entanto, como nos explica Colin Rowe, esta qualidade não tem necessariamente uma aplicação literal. em La Tourette verificamos como a complexidade espacial em contraste com o mundo exterior resulta no que o Rowe chama de “transparência fenomenológica”.

40 JeNCKS, Charles, 2000. p.328 41 ROWe, Colin, 1976. Cit. p.194 42 ROWe, Colin, 1976. Cit. p.194 43 Le CORBUSIeR, “talks with stu-

dents”, New york: Princeton Architectur- al Press, 1999. p. 44

44 Os cincos princípios da Arquitectura

foram publicados em 1926 na revista L’esprit Noveau.

45 Termo utilizado por Colin Rowe

para descrever a escala da fachada, em comparação com a villa projectada por Corbusier em Chateux-de-Fonds, 1916.

043

21. Le Corbusier com os frades Domini- canos numa visita à obra acabada. 1960

NOTA: “Promenade architecturale” era uma ideia chave na elaboração do espaço e movimento nos projectos de Le Corbus- ier, que se referia muita vezes à sequen- cia espacial e direcção do movimento na Acropolis em Atenas e na arquitectura Árabe. “A arquitectura árabe oferece-nos um ensinamento precioso. “É apreciada no percurso a pé; é caminhando, em mov- imento que se vê desenvolverem as orde- nações da arquitectura. Trata-se de um princípio contrário à arquitectura barroca que é concebida sobre o papel, ao redor de

No documento Habitar Alcácer Do Sal: a outra margem (páginas 31-75)

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