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III A Finalidade Antoniana: A Salvação do Homem

"Mas quando vier aquele Espírito de verdade, ensinar-vos-á toda a verdade. (...) Pelo que, diz S. Tiago, renunciando a toda a impureza e abundância de malícia, recebei com mansidão a palavra enxertada em vós, a qual pode salvar as vossas almas. Por isso, a fim de merecerdes receber o Espírito de verdade, renunciando a toda a impureza de alma e de corpo e à abundância de malícia, que é o pensamento dum espírito malvado, com mansidão, porque os mansos herdarão a terra, recebei a palavra enxertada, conferida por Deus só aos mansos e aos acostumados à mansidão columbina. "

O Conhecimento da Verdade como Valorização da Plenitude Humana

O que temos procurado mostrar ao longo deste estudo, além do percurso ascensional que Santo António propõe, é que a descoberta da Verdade, ou seja, a descoberta de Deus, é a realização plena do homem enquanto ser criado à imagem-de- Deus. É Deus a sua finalidade. Nas palavras de Santo António: "Pese-me Deus em sua balança justa e conheça a minha simplicidade se andei na vaidade e se o meu pé se apressava para o engano. Diz-se que o conhecer de Deus é ele conhecer as nossas acções. Pelo nome de balança se designa o mediador de Deus e dos homens. Nele, em prato igual, são pesados os nossos méritos. "" Deus, omnipresente, omnisciente e omnipotente, é sempre o juiz presente que julgará os passos errados do homem. É a

S. I, 435: "Sed, cum venerit Me Spiritus veritatis, docebit vos omnem veritatem. (...) Propter quod, inquit Iacobus, abicientes omnem immunditiam et abundantiam malitiae, in mansuetudine suscipite insitum verbum, quod potest salvare animas vestras. Propter hoc, scilicet ut Spiritum veritatis suscipere mereamini, abicientes omnem immunditiam, «animae et corporis», et abundantiam malitiae, 'quae est cogitatio pravae mentis ', in mansuetudine, quia 'mansueti hereditabunt terram ', suscipite insitum verbum, quodsolis mansuetis, et columbinae mansuetudini assuetis, a Deo datur. " S. II, 65: "Si ambulavi in vanitati, etfestinavit in dolo pes meus, appendat me in statera iusta, et sciât

Deus simplicitatem meam. «Scire Dei dicitur scire nos facere». «Staterae nomine mediator Dei et hominum designatur, in quo aequa lance mérita nostra pensantur.» "

imagem por reconquistar e reconhecer por parte do homem e será, assim, o seu objectivo e a realização nesta vida. Foi esta busca da verdade que ilustrámos, agora resta assumi-la e justificá-la.299

Como mostrámos, a ascensão espiritual, que Santo António propõe, provém dum acto voluntário em busca de Deus, mostra uma entrega activa do homem a Deus e, ao mesmo tempo, mostra também a colaboração divina, pela dádiva da Graça. Podemos perceber que, na vida humana, há um momento em que surge no homem uma necessidade de se salvar, podemos até dizer, de salvar a sua circunstância, e, assim, dar sentido à sua existência. Sentido este que levará à realização total da plenitude humana, mostrará a verdade, mostrará Deus.

Como dissemos no Capítulo anterior, o toque místico300 traz consigo uma

espécie de visão de Deus, mostra que Dele provém um gozo indizível e que vem abrir as portas a uma futura glória celeste. Conhecido, assim, o que espera após a passagem por esta vida, o homem vai continuar a contemplação e a entrega a Deus mergulhando num recolhimento interior, em que a nossa alma é unicamente conduzida pela graça divina. Nas palavras do Santo, é preciso ter Deus em nós, pois só assim seremos fiéis ao nosso caminho: "Queres ter sempre Deus no coração? Tem-te sempre diante de ti. Onde está o olho, aí está o coração. Tem sempre o olho em ti. Vejamos as três palavras: coração, olho e a ti. Deus está no coração, o coração está no olho, o olho está em ti: se, portanto, te vês, tens Deus em ti. Queres ter sempre Deus no coração? Possui-te tal qual te criou. Não queiras ir à procura de outro tu. Não te queiras fazer outro, diferente daquele que ele mesmo criou e, desta forma, terás sempre Deus no coração. " É o reassumir da imagem perdida pelo homem, e, agora, o ter que viver com essa "responsabilidade", a responsabilidade de ser como Deus criou e de agir de acordo com os seus propósitos.

Se esta pergunta pela busca da verdade fosse feita a Santo Agostinho, este, provavelmente, diria que a verdade é algo inerente no homem, e que para termos provas disso basta perscrutar os recônditos da memória. "Nada encontrei, referido a Vós, que não me lembrasse, pois desde que Vos conheci, nunca me esqueci de Vós. Onde encontrei a verdade, aí encontrei o meu Deus, a mesma Verdade. Desde que a conheci, nunca mais a deixei esquecer. Por isso, desde que Vos conheci, permaneceis na minha memória, onde Vos encontro sempre que de Vós me lembro e em Vós me deleito. " S. Agostinho, Confissões, Livro X, p. 240.

0 É de realçar que a expressão "toque mistico" não é usada por Santo António, mas subentende-se ao

longo da sua obra. Em especial nos sermões do "Sétimo Domingo Depois de Pentecostes" e do "XXII Domingo Depois de Pentecostes".

S. II, 110: "Nota quod dicit semper. Vis Deum semper habere in mente? Habe semper te coram te. Ubi oculus, ibi mens; habe semper oculum in te. Tria pono: mentem, oculum et te. Deus est in mente, mens in óculo, oculus in te. Si ergo vides te, habes Deum in te. Vis Deum semper habere in mente? Habeto te talem qualem fecit te. Noli ire ad quaerendum alium te. Noli tefacere alium ab illo, quem ipse fecit, et sic Deum semper in mente habebis. "

Uma das conclusões que, decerto, tiramos é que Santo António mostrou, não só através dos seus Sermões, mas também através da sua própria vida, que a vida contemplativa e a via activa são uma só302 e que, assim, o propósito do homem não é

aceitar a sua condição de pecador, mas elevar-se bem mais acima dela. A vida do homem tem um aspecto estritamente ascensional e, quando chegado ao mais alto nível dessa ascensão, é altura de manter a sua condição e, discretamente, continuar a contemplar o Criador, aguardando o chamamento que lhe permitirá ficar face-a-face com Ele.

O fio condutor, que eleva o homem a Deus, que ajuda o homem a manter a sua condição de "contemplante", só se percebe quando relacionado com a alma, pois, segundo Santo António, a criação da alma tem como finalidade conhecer Deus e, assim, amá-lo. Como diz Maria C. Pacheco, "Santo António, ao definir a alma como «substância incorpórea, racional, invisível, de origem desconhecida, sem mistura alguma de terreno», quer visar, sobretudo, a sua capacidade de cogitação e aspiração à contemplação do Absoluto. " E isto se percebe quando o Santo chama à alma "sangue superior" e conclui: "Ama, portanto, o Senhor teu Deus com toda a tua alma, para que refiras ao seu amor o teu movimento, o teu conhecimento, a tua vida. " Movimento este que move as coisas corpóreas e que anima o corpo. Anteriormente falámos no refreamento que a razão exercia sobre os sentidos, agora apenas o realçamos para enaltecer a finalidade que é reconhecer os caminhos divinos. Percebe-se a necessidade do controlo dos sentidos corpóreos, pois só o resfriamento destes levará ao caminho de Deus e, mais tarde, à sua presença. É uma acção racional que leva a um "discernimento", como que uma escolha, entre os sentidos carnais e os sentidos espirituais, entre os caminhos mundanos e os caminhos de Deus.

Nas palavras de Carlos Silva, "o dom do discernimento constitui uma disposição adquirida e cumpre esse deixar-se medir, e esse ser ponderado de acordo com o peso, ou estatura de referência que é o próprio Cristo. É esse «termo médio», é essa estrutura referencial que constitui a presença crucial de discernimento que permite «adorar a Deus em espírito e verdade», já sem mistura de ídolo, e que também permite a necessária discrição na mortificação do corpo, evitando excesso e orgulho ascético

302 Ver atrás a introdução do Capítulo II - Itinerários do Pensamento Antoniano: Perspectivas, p. 40. 303 PACHECO, Maria Pacheco. "Santo António de Lisboa", in História do Pensamento Filosófico

Português, Vol. I - Idade Média, dir. Pedro Calafate, Editorial Caminho, S A, Lisboa: 1999, pp. 209- 210.

S. II, 26: "Dilige ergo Dominum Deum tuum ex tota anima tua, ut motum tuum, cogitationem tuam, vitam tuam ad ipsius dilectionem referas. "

pela própria medida dessa virtude de discernimento que é pulsátil e humilde sem rigidez. "305 Isto mesmo diz Santo António no sermão "Sétimo Domingo Depois de

Pentecostes", quando pretende explicar que deixadas as blasfémias, os pecadores contemplarão Deus: "Moab interpreta-se o que procede do pai e simboliza o movimento carnal, contraído dos nossos pais. Este Moab todas as vezes que se levanta imediatamente o devemos ferir ou reprimir. Com um cordel, figura da aspereza da penitência, mas sob a medida da discrição, devemos fazê-lo deitar por terra, isto é,

humilhar-se; (...) Devemos ainda medir dois cordéis, isto é, dois géneros de compunção: um pelos pecados, para matar, isto é, para mortificar o movimento carnal; o outro pelo desejo de glória para vivificar o nosso espírito. "

Podemos concluir do exposto, que a contemplação da verdade é uma entrega total a Deus, uma entrega incondicional que, enquanto realizada ainda neste mundo, mostra uma alma iluminada e deleitada pela luz da graça divina, e que se abre à luz constante do reino da salvação eterna.

Ao longo dos Sermões percebe-se que a alma do homem se deve orientar para a recuperação da imagem perdida, tal como no acto da sua criação 7, o homem, limpo de

pecados, e erros, procura reconhecer-se na semelhança de Deus. É como um recuperar constante da imagem perdida, e para tal é preciso ao homem orientar a alma para o amor ao próximo e a Deus e assim perceber e saborear um pouco da beleza divina, ser ela mesma "divinizada". Ao contemplar e receber o amor como prova da existência de Deus percebe e sente então o verdadeiro prazer: aquele que frui das boas obras.

Se tentarmos responder, segundo Santo António, à pergunta "Quem é o homem?", remontamos a uma antropologia marcada pelo desejo e aspiração da visão beatífica. O homem é uma criatura, criada por Deus e sempre dependente Dele, é constituído de corpo e alma (como uma só realidade); a sua auto-realização é a 305 SILVA, Carlos Henrique. "Experiência Mística e Discernimento Espiritual em Santo António de

Lisboa", in Actas do Congresso Internacional Pensamento e Testemunho, 8" Centenário do Nascimento de Santo António, Vol. II, Universidade Católica Portuguesa - Família Franciscana Portuguesa, Braga: 1996, p. 749.

S. II, 243: " «Moab interpretatur ex patre», et significai motum carnis, quem a patribus nostris contrahimus. Iste Moab quotiescumque consurgit statim debemus percutere, idest reprimere, et funiculo, idest asperitate poenitentiae, sub mensura tamen discretionis, debemus terrae coaequare, idest humiliare. (...) Metiri etiam debemus duos funiculus, duo genera compunctionis, unum quod est pro peccatis, et hoc ad occidendum, idest motum carnis mortificandum, et unum quod est pro

desiderio gloriae, et hoc est ad vivificandum spiritum nostrum. "

7 Cf. S. II, 368: '"Factus est homo ad imaginem et similitudinem Dei: imago in cognitione veritatis,

similitudo in amore virtutis'. Lumen ergo vultus Dei est gratia iustificationis, qua imago creata insignificatur. "

liberdade dada pela descoberta do homem como imagem-de-Deus; e, a partir desta descoberta, a procura da Verdade é a sua finalidade. O corpo, proporcionando o conhecimento sensitivo, mostra o alcance da verdade através da sensação; a alma é a vontade de conhecer; de entre as suas partes destaca-se o espírito, que, segundo Santo António, é o que há de melhor na alma, pois é ele que mostra o homem como imagem de Deus. "O espírito é uma parte da alma por meio da qual se percebe toda a razão e toda a inteligência. (...) O espírito não é a alma, mas o que há de melhor na alma, a parte mais importante da alma, de que procede a inteligência. E segundo o espírito que

o homem se diz imagem de Deus. "

Ainda referente à alma, o Santo prossegue o seu discurso lembrando que a alma tem muitas funções, mas é só uma substância, o que importa é que ela ame Deus e se lembre de Deus.309 Podemos falar, então, duma intuição da verdade, que está subjacente

no conhecimento sensitivo, mas que se revelará no conhecimento racional, que contempla a própria verdade, mas que não a percebe através do corpo. É mais uma faculdade da alma, muito importante, pois permite distinguir o bem do mal.310 Podemos

ainda falar num terceiro tipo de conhecimento, o conhecimento místico, onde conhecemos pela fé e pela contemplação. E, embora nos tenhamos já demorado a interpretar estas duas formas de conhecer3", é sempre bom recordar que a fé, acreditar

como verdadeiro algo que nunca poderemos ver nesta vida, e que a contemplação, a entrega aos preceitos e caminhos de Deus, serão sempre as realidades que estão na base de todo o conhecimento (místico). Em resposta mais directa e objectiva a todas as questões que podem surgir em relação ao conhecimento da verdade, tomemos Cristo como exemplo, pois é Ele mesmo a Verdade. Tema que retomaremos mais adiante, pois agora interessa-nos interpretar o que é conhecer a verdade e quais as forças de que o homem precisa para tal. Sem dúvida que o papel da Graça Divina é de extrema importância, pois além do auxílio que presta ao homem na descoberta dos caminhos para Deus, é ela mesma quem recupera no homem a própria imagem de Deus. Em Santo António, a graça é sempre sinónimo de cura e tem, sem dúvida, uma acção equilibradora na própria conduta moral do homem, numa função que a própria Sagrada

S. II, 28: " «Mens est pars animae quaedam, per quam omnis ratio intelligentiaque percipitur.» (...) Mens enim est non anima, sed quod excedit in anima, pars animae praestantior, a qua procedit intelligentia. Unde et ipse secundum mentem imago Dei dicitur. "

309 Cf. S. II, 38-29.

310 S. II, 26: "Nota quod «très sunt vires animae, scilicet rationabilis, concupiscibilis, irascibilis».

Rationabili bona a malis discernimus; concupiscibili ipsa bona desideramus; irascibili mala detestamur. "

Escritura testemunha. A graça é sempre um "bem" dado por Deus, é ela própria símbolo da luz que mostra o conhecimento da Verdade e, assim, o conhecimento de Deus, como um conhecimento adquirido reciprocamente, numa relação entre Pai e Filho; onde, o homem percebe que deve voltar a Deus porque Deus lhe deu a capacidade de O conhecer e de chegar até Ele.312

Ao longo da vida, o homem aprende, a própria natureza ensina-o, revelando-lhe o seu caminho.313 O homem conhece, constantemente, as realidades, quer as divinas

quer as carnais, e ao longo da sua vida, tem a possibilidade de conhecer e de se orientar pela verdade divina, pois, como diz Maria C. Pacheco: "Fazendo parte integrante do mundo, ele apresenta-se-lhe como instrumento de comunicação e realização. Aí, nos limites da sua situação terrena, nos limites da vida e da morte, pode definir-se e modelar-se gradualmente na especificidade de situações concretas e individualizadas, num percurso que vai da experiência ao conhecimento pleno, do pecado à virtude, da acção à contemplação. "

Sem dúvida que o objectivo da exegese antoniana é procurar conhecer a verdade, mesmo estando ela oculta. Percebe-se que Santo António a procura desvendar, mesmo incorrendo por caminhos misteriosos, por caminhos místicos. Deus é o objectivo da teologia antoniana. Talvez o mais significativo da mística antoniana seja o facto de quando o homem dirige a sua vontade de conhecer para Deus jamais duvide da verdade descoberta. E um saborear constante, duma verdade que vai muito para lá do que o nosso entendimento humano e finito possa captar. Como já afirmámos: Quanto mais se conhece Deus mais se deseja conhecê-lo.

312 Cf. S. 1,819.

Cf. S. II, 578: "Ipsa enim natura docet et compellit ipsum hoc idem facere. "

1 - A Paz

"A casa de cedro é a consciência do justo: alta pelo amor de Deus, de cheiro agradável pela vida honesta, muito duradoira pela perseverança; o perfume da sua pureza ou devota oração afugenta as serpentes, os movimentos carnais ou os demónios, e tanto no Inverno da adversidade como no estio da prosperidade produz fruto de salvação eterna. Quem se estabelece em tal casa, está por toda a parte e seguro de todos os inimigos: o diabo, o mundo e a carne; tem paz porque se reveste da virtude do alto, não de baixo, do mundo. "

Poder-se-á dizer que a paz será a recompensa terrena da dedicação do homem a Deus. É no sermão do "Domingo da Oitava da Quaresma", que Santo António o explica. Fala-nos da "recomendação da tripla paz" e o exemplo é dado recorrendo à imagem de Cristo: "A paz seja convosco, por causa da tripla paz que Jesus Cristo restabeleceu entre Deus e o homem, reconciliando-o com Deus Pai através do seu sangue; entre o anjo e o homem, assumindo a natureza humana e elevando-a acima dos coros dos anjos; entre o homem e o homem, unindo em si, pedra angular, o povo judeu e o gentio. " 6 Pelo intermédio de Cristo distinguimos a paz entre o homem e Deus;

percebemos uma elevação da natureza do homem pela dignificação que Cristo lhe concede; e assiste-se a uma paz exterior, que se percebe na própria sociedade, isto é, pede-se que exista uma só comunidade, forte e unida, onde todos os diferentes povos sejam um só. Podemos retomar os temas acerca do amor a Deus e do amor ao

S. II, 920-921: "Domus cedrina est viri iusti conscientia: alta per Dei amorem, iucundi odoris per honestam conversationem, diu durans per perseverantiam; odore suae munditiae vel orationis devotae serpentes, idest motus carnales vel daemones, fugat, et tarn in hieme adversitatis quam in aestate prosperitatis facit fructum aeternae salutis. Qui in tali domo sedet, undique securus ab universis inimicis, idest diabolo, mundo et carne, requirem habet, quia induitur virtute ex alto, non ex imo, idest mundo. "

S. I, 311-312: "Pax vobis, propter triplicem pacem, quam Christus reformavit: inter Deum et hominem, ipsum Deo Patri in sanguine suo reconsiliando; inter angelum et hominem, naturam humanam, assumendo et ipsam super choros angelorum elevando; inter hominem et hominem, iudaicum scilicet et gentilem populum, in se, lapide angulari, copulando. "

17 Rom. 13, 16-18: "Tende entre vós os mesmos sentimentos; não aspireis a coisas altas, mas acomodai-

vos às humildes. Não queirais ser sábios aos vossos próprios olhos. Não tomeis a ninguém mal por mal, procurai fazer o bem diante dos olhos de todos os homens. Se é possível, viver em paz, quanto de vós depende, com todos os homens. "

próximo, pois o que se pede aqui é mesmo isso, um bom entendimento entre os povos, um amor de onde resulte o verdadeiro bem que gere a felicidade e, assim, proporcione a paz, uma paz plena, total (mostrando as criaturas a voltarem ao propósito original da criação: o bem e o amor). Como afirmámos, a paz será uma recompensa para o homem, será justiça: "A paz será obra da justiça, e o fruto da justiça será a tranquilidade e a segurança para sempre. "318 E a justiça será feita àqueles que, já em paz de Espírito,

realizem boas obras. Está sempre presente a necessária boa conduta moral do homem, isto é, mais uma vez, é preciso fazer sobressair no homem a sua força espiritual, em detrimento da carnal, para que, justamente, o homem (bom/ justo) alcance a graça divina e usufrua da verdadeira paz de Espírito. Nas palavras de F. Caeiro: "A paz antoniana é assim assumida como decisão da vontade e de esforço actuante da inteligência, como uma prática de ascese ou de adesão superior a uma lei ou preceitos divinos. Ao nível da consciência, esse processo supõe uma luta que, no plano moral, domina o «movimento dos maus pensamentos que se dividem entre si e, dividindo-se, dispersam o coração» — de modo a «que seja celebrado o Sábado do espírito», e se restabeleça «a paz no nosso entendimento». "

A dualidade "carnalidade/ espiritualidade"320 está sempre presente nos sermões

antonianos, como que recordando que há sempre dois sentidos possíveis para o homem seguir, sendo um deles a queda no pecado e o outro o bom, o correcto, o caminho de Deus.

No que respeita à paz, e à tranquilidade que ela representa, esta dualidade mostra a grande diferença entre quietude e inquietude, representando esta última o estado instável em que o homem pecador se encontra. A justiça será sempre sinónima da paz e, assim, sinónimo da harmonia presente no homem bom, que está em paz, em tranquilidade, consigo próprio.

Diz Santo António no Sermão do "Quarto Domingo do Advento": "Lembrei-me