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III – AS NOVAS FORMAS DE CONTROLE EM ONE DIMENSIONAL MAN

One-Dimensional Man expressa exatamente o projeto hegeliano- marxiano cujo desenvolvimento Marcuse iniciou na década de 1930 durante seu trabalho com a Escola de Frankfurt. De maneira particular na primeira parte do livro – “Pensamento Unidimensional” – e na segunda – “A Oportunidade das Alternativas” – Marcuse desenvolve, de maneira mais completa, as formas de pensamento crítico e de ideologia crítica, características da Escola de Frankfurt. Suas análises nestas partes exemplificam a filosofia dialética hegeliana-marxiana tanto em sua crítica inexorável das formas existentes do que ele considera um pensamento não crítico, como também de seu trabalho sobre s categorias de pensamento crítico e dialético.

Na primeira parte – que abrange os quatro primeiros capítulos: “As Novas Formas de Controle”, “O Fechamento do Universo Político”, “A Conquista da Consciência Infeliz: Dessublimação Repressiva” e “O Fechamento do Universo da Locução” – One-Dimensional Man apresenta

nítida relação com o projeto da Escola de Frankfurt iniciado na década de 1930, visando o desenvolvimento de uma Teoria Crítica da sociedade contemporânea. Marcuse procura analisar as novas configurações do Estado e da economia nas sociedades capitalistas contemporâneas, a criticar os principais papéis da cultura e da comunicação de massas, a analisar novos tipos de tecnologia e de formas de controle, a discutir novos modos de socialização e declínio do indivíduo na sociedade de massa e – vis-à-vis - com o marxismo clássico – a analisar e confrontar as conseqüências da integração das classes trabalhadoras e a estabilização do capitalismo para o projeto de mudanças sociais radicais. Embora possam ser identificadas por todo o texto, as novas formas de controle, objeto da presente dissertação, é nesta primeira parte de One-Dimensional Man que elas estão presentes de forma mais explícita e direta. O principal objeto do presente trabalho é a identificação dessas novas formas de controle. A origem, a gênese, e, na medida do possível, o quanto cada uma dessas novas formas está imbricada com os próprios objetivos do capitalismo. A análise deverá estar norteada para um objetivo mais amplo – a ser desenvolvido em eventual trabalho futuro – visando outro aspecto, com freqüência abordado, quanto à possibilidade de superação das referidas novas formas de controle abordadas por Marcuse, especialmente em One-Dimensional Man.

A identificação e a apresentação das novas formas de controle poderia seguir tanto a ordem cronológica com que essas formas de controle aparecem na obra mais abrangente de Marcuse ou mesmo a ordem decorrente de uma espécie de decomposição do conceito mais amplo de controle .A opção para a presente dissertação foi a de seguir, sempre que possível, a disposição e a seqüência com que Marcuse as menciona na primeira parte de One-Dimensional Man e, mais diretamente ainda, no capítulo primeiro dessa secção. A ressalva no sentido de que a ordem vai ser seguida, dentro da possibilidade, decorre do alto grau de relacionamento e sinergia apresentado pelas diferentes formas de controle social discutidas por Marcuse através sua análise crítica da sociedade capitalista.

Nas primeiras palavras do capítulo referente às “Novas Formas de Controle” Marcuse apresenta, propositadamente, um texto em estilo de aparente ambigüidade para, didaticamente, deixar claro, de início, o método dialético e o poder da “negatividade” presentes em sua análise crítica da sociedade industrial desenvolvida: “Uma falta de liberdade, confortável, suave, razoável e democrática prevalece na civilização industrial

desenvolvida, um testemunho de progresso técnico”.36 Procura antecipar também que neste livro busca apresentar uma perspectiva analítica mais global em relação a análises esparsas dos mecanismos internos da sociedade industrial moderna apresentadas em seus textos anteriores, especialmente em “Razão e Revolução” (1954), “Eros e Civilização” e “Marxismo Soviético”(1958) - em que diversos pontos focais do problema das sociedades modernas são abordados - como também em trabalhos analíticos de outros membros da Escola de Frankfurt. Porém, a busca de Marcuse por essa perspectiva mais ampla, reunindo os diferentes pontos fundamentais do problema da sociedade moderna exige, acima de tudo, o desenvolvimento de uma teoria unificada para essa sociedade, precisa também descobrir o ponto central que possibilita o desenvolvimento da moderna sociedade pós- industrial. Além de identificar essa orientação central, da qual vão depender os diferentes aspectos da vida cotidiana, a teoria unificada para essa sociedade deverá - conforme Marcuse em One-Dimensional man - possibilitar a solução dos problemas identificados nessa sociedade. Não é objetivo desta dissertação analisar essas alternativas de aberturas que poderiam possibilitar a solução dos problemas identificados dentro da sociedade, em outras palavras, não é objetivo deste trabalho analisar as possibilidades de superação dos

36 MARCUSE Herbert. One-Dimensional Man/ A ideologia da sociedade industrial: o homem

mecanismos de controle que Marcuse identificou como “as novas formas de controle” mas, sim, buscar identifica-las, analisar sua genética, para viabilizar, em eventual trabalho futuro, uma abordagem analítica, mais fundamentada, sobre as efetivas possibilidades de superação das novas formas de controle dentro das chamadas sociedades industriais avançadas.

III. 1. A libertação do indivíduo e a sociedade industrial avançada

Marcuse dedica especial cuidado na identificação do ponto central de sua teoria para a sociedade industrial, isto é, o que, segundo ele, fundamenta tal sociedade que disponibiliza a uma larga faixa de sua população uma vasta gama de produtos, mercadorias, comodidades, como nunca existiram. Caracteriza-se, portanto, como um estado de bem-estar social (“welfare state”). Porém, ocorre, simultaneamente, um “medo de guerra” - que substituiu o fenômeno análogo de “medo de catástrofe atômica” – decorrente do fato de que esse estado mantém-se em guerra constante com outras nações em diferentes partes do mundo, lutando por motivos nem sempre muito claros e definidos. O “welfare state” estaria convertendo-se, então, num “warfare state”, conforme expressões do próprio Marcuse.

Aparentemente, seriam essas outras nações os verdadeiros inimigos das sociedades industriais avançadas. Ou aqueles que os líderes dessas sociedades apontam como o “comunismo internacional” ou o “revisionismo capitalista”. Marcuse nega e destaca que o inimigo contra o qual essas sociedades lutam é um inimigo ideológico. Luta-se contra a “subversão”, luta-se para defender a “pátria” das “ideologias espúrias” – ideologia como manifestação do pensamento alienado. Em verdade, luta-se contra um fantasma verbal, contra uma abstração.

Marcuse, contudo, confirma que a moderna sociedade industrial tem um verdadeiro inimigo. E destaca que “as instituições livres competem com as autoritárias em transformar o Inimigo em força mortífera ‘dentro’ do sistema”.37 Observa, ainda, que “o Inimigo é permanente” e “integrado ao sistema”. Após tantas referências, Marcuse explicita no sentido de que “o Inimigo é o denominador comum do que é feito e desfeito. E o Inimigo não é o mesmo que comunismo ou capitalismo atual, - é, em ambos os casos, o espectro real da libertação.”38 Nesse aspecto, é oportuno destacar a observação feita por Marcuse no início do capítulo 1 da Primeira Parte de One Dimensional Man no sentido de que “a mais eficaz e resistente forma de

37 MARCUSE, Herbert. One-Dimensional Man. Op. cit. p. 65. 38 MARCUSE, Herbert. One-Dimensional Man. Op. cit. p. 65.

guerra contra a libertação é a implantação das necessidades materiais e intelectuais que perpetuam formas obsoletas da luta pela existência”.39

Para Marcuse, se, de um lado, o verdadeiro inimigo do “establishment” é “o espectro da real libertação”, de outro, ele entende que a implantação de necessidades manipuladas, falseadas que ao serem atendidas, estariam funcionando como uma espécie de defesa do próprio sistema. Assim sendo, essa sociedade em que o sistema pode oferecer ao indivíduo o atendimento de todas as suas necessidades – a ponto de causar um verdadeiro adormecimento da potencialidade crítica – não estaria no caminho de propiciar condições da própria liberdade do indivíduo, apesar de Marcuse, em One- Dimensional Man, ter sustentado repetidamente que a liberdade “deveria ser interpretada em função da satisfação de necessidades”.40 Então, quais seriam os motivos pelos quais essa sociedade – que atendia as necessidades individuais como nunca havia ocorrido na história – estaria comprometendo a libertação do individuo e perpetuando formas obsoletas na luta pela existência?

39

MARCUSE, Herbert. One-Dimensional Man. Op. cit. p. 26.

40 GIDDENS, Antony. Política, sociologia e teoria social: encontros com o pensamento social clássico e

contemporâneo. Tradução de Cibele Saliba Rizek. – São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998 – (Biblioteca básica). pp. 279-280.

Marcuse responde, didática e criticamente, observando, de início, que a “intensidade, a satisfação e até o caráter das necessidades humanas, acima do nível biológico, sempre foram pré-condicionados”. E mais: “o fato de a possibilidade de se fazer ou deixar de lado, gozar ou destruir, possuir ou rejeitar algo, ser ou não tomada por ‘ necessidade’ depende de poder ou não ser ela vista como desejável e necessária aos interesses e instituições sociais comuns. Neste sentido, as necessidades humanas são necessidades históricas e, no quanto a sociedade exija o desenvolvimento repressivo do indivíduo, as próprias necessidades individuais e o direito destas à satisfação ficam sujeitos a padrões críticos predominantes.”41

III. 2. As falsas necessidades e a “euforia na infelicidade”

Ao destacar o caráter histórico e pré-condicionado das necessidades humanas (além do nível biológico), a possibilidade de manipulação e falseamento dessas necessidades Marcuse procura distinguir essas necessidades “falsas” das necessidades reais, verídicas: “’Falsas’ são aquelas superimpostas ao indivíduo por interesses sociais particulares ao reprimi-lo: as necessidades que perpetuam a labuta, a agressividade, a

miséria e a injustiça. Sua satisfação pode ser assaz agradável ao indivíduo, a felicidade deste não é uma condição que tem de ser mantida e protegida caso sirva para coibir o desenvolvimento da aptidão (dele e de outros) para reconhecer a moléstia do todo e aproveitar as oportunidades de cura. Então, o resultado é a euforia na infelicidade. A maioria das necessidades comuns de descansar, amar, e odiar o que os outros amam e odeiam, pertence a essa categoria de falsas necessidades”.42

Após destacar a possibilidade de falseamento das necessidades humanas e distinguir as necessidades reais das necessidades “falsas” Marcuse aponta a principal conseqüência da substituição das primeiras pelas “falsas”: “a euforia na infelicidade” gerada pelo continuo atendimento das necessidades falsas também criadas e condicionadas pela sociedade industrial avançada. Marcuse observa ainda o interesse dominante na sociedade industrial avançada em promover essa substituição - como uma das principais formas de controle - através do desenvolvimento de necessidades materiais e intelectuais que, sendo atendidas, perpetuam formas obsoletas da luta pela existência: “Tais necessidades (falsas) têm um conteúdo e uma função sociais determinados por forças externas sobre as quais o indivíduo não tem controle

algum; o desenvolvimento e a satisfação dessas necessidades são heterônomos. Independentemente do quanto tais necessidades se possam ter tornado do próprio indivíduo, reproduzidas e fortalecidas pelas condições de sua existência; independentemente de quanto ele se identifique com elas e se encontre em sua satisfação, elas continuam a ser o que eram de início – produtos de uma sociedade cujo interesse dominante exige repressão.43

O atendimento das necessidades, que na obras de Marcuse tem uma íntima relação com a busca da felicidade, estaria aqui sendo utilizado justamente com um efeito contrário, como instrumento repressivo gerando a “euforia na infelicidade”. Isso porque as necessidades que estão sendo atendidas são as “falsas” necessidades, criadas pelos dirigentes da sociedade pós-industrial não apenas no limite de não expor a sociedade a riscos de mudanças sociais contrárias ao “establishment” como também, e principalmente, atuando como um mecanismo inibidor dessas eventuais mudanças. Nesse sentido, Marcuse vai além e destaca, inclusive, como um traço característico da sociedade industrial avançada essa capacidade de evitar as necessidades que careçam da verdadeira liberdade: “A particularidade

distintiva da sociedade industrial desenvolvida é a sufocação das necessidades que exigem libertação...”44

O processo descrito, como também inúmeros instrumentos e mecanismos repressivos explicitados por Marcuse como viabilizadores desse fim, foram identificados pelo autor de “One Dimensional Man” como sendo “As Novas Formas de Controle ” por causarem a repressão de todos os valores, aspirações e idéias que não podem ser definidos em termos de operações e atitudes validadas pelas formas prevalecentes de racionalidade. A conseqüência é o enfraquecimento e mesmo o desaparecimento de toda crítica radical autêntica e a interação de todas as oposições ao sistema estabelecido.

III. 3. Novas formas de controle: capítulo 1 de One- Dimensional Man

Ao menos dois aspectos merecem ser, preliminarmente, destacados em relação às referidas formas de controle. Primeiramente, por que seriam “novas” essas formas de controle identificadas nas sociedades pós- industriais? Exatamente porque esse controle está baseado nas também

“novas” necessidades criadas nesse tipo de sociedade: “As criaturas se reconhecem em suas mercadorias, encontram sua alma em seu automóvel, ‘hi-fi’, casa em patamares, utensílios de cozinha. O próprio mecanismo que ata o indivíduo à sua sociedade mudou, e o controle social está ancorado nas novas necessidades que ela produziu”.45 O segundo aspecto em relação a essas novas formas de controle que merece uma rápida consideração preliminar é o fato de esses mecanismos apresentarem uma intensa sinergia em si, especialmente, quanto aos seus efeitos repressivos. Por mais que se busque uma identificação mais estanque das novas formas de controle social, vai-se deparar com um intenso relacionamento entre elas no processo repressivo identificado por Marcuse. Um exemplo deste segundo aspecto destacado em relação às novas formas de controle – sua acentuada sinergia – basta a observação de que ao mencionar a “liberdade”, freqüentemente lembrada como um poderoso instrumento de dominação, depara-se com a questão da satisfação das necessidades, no caso, de “falsas necessidades” criadas pela sociedade pós-industrial também como um mecanismo repressivo. Observa-se, então, que no processo de geração e persuasão com respeito à aceitação das falsas necessidades, os “meios de comunicação de massa”, freqüentemente lembrados por Marcuse como peça integrante do

arsenal de controle. São, portanto, esses mesmos meios de comunicação de massa que também viabilizam à sociedade industrial avançada oferecer um igual “status” econômico à extensa faixa da população. Daqui decorre, então, um “compartilhamento de necessidades e satisfações” entre patrões e empregados, tido como mais uma nova forma de controle. E desse compartilhamento, em grande parte decorrente de medidas manipuladoras e persuasivas dos meios de comunicação em massa, depara-se com “um dos aspectos mais perturbadores da civilização industrial desenvolvida: o caráter racional de sua irracionalidade”,46

nova forma de controle a que Marcuse dedica especial atenção. Embora tenham aqui apresentadas algumas das principais formas de controle social analisadas em One-Dimensional Man”, a intenção expressa em relação a este parágrafo não foi a de apresentar uma relação exaustiva dessas novas formas controle social mas, antes de tudo, reiterar a íntima relação observada entre elas. A propósito esse profundo relacionamento entre as novas formas de controle reveste-se de especial importância para qualquer análise mais acurada a respeito da efetiva possibilidade de superação dessas forças repressivas identificadas por Marcuse.

Na abordagem da liberdade – “poderoso instrumento de dominação” – identificam-se as falsas necessidades, não apenas desenvolvidas pela sociedade industrial avançada, mas também tidas como traço característico da sociedade. Porém, por que razões atender falsas necessidades e não as verdadeiras, reais necessidades dos indivíduos? A resposta imediata é no sentido de que reais necessidades poderiam exigir a libertação do indivíduo e comprometer a segurança do próprio “establishment”. A pergunta seguinte seria, então, “quais” falsas necessidades deveriam ser atendidas? Ou melhor “quais” falsas necessidades poderiam ser atendidas? Nas simples respostas a estas singelas perguntas pode-se identificar inúmeras outras novas formas de controle. A própria identificação das necessidades que deveriam ser atendidas, isto é, daquelas necessidades que não apenas não exigem libertação, como também aquelas passíveis de serem atendidas com menor dispêndio de recursos, de serem produzidas de forma mais eficiente, de acordo com padrões de uma “racionalidade técnica” que, para Marcuse, destaca um dos aspectos mais perturbadores da sociedade industrial desenvolvida, que é o caráter racional de sua irracionalidade. E, ainda em referência à racionalidade técnica, a sociedade industrial avançada prioriza os processos de produção fundamentados na “divisão do trabalho”, outro mecanismo analisado por Marcuse como força de repressão. No

processo de identificação das necessidades que poderiam ser atendidas, das mercadorias (e serviços) com mais interesse, isto é, com maior demanda, conforme expressão técnica das sociedades industriais desenvolvidas, surge outro instrumento aterrador de controle, a “pesquisa motivacional”. É através desse instrumento que as sociedades industriais avançadas identificam quais são as necessidades (falsas) que podem ser atendidas, quais os canais de distribuição mais eficientes para atender essas necessidades, quais os meios de comunicação de massa deverão ser utilizados, como também identificam imagens, valores e expectativas que servem para compor o arsenal de conteúdo da comunicação publicitária, do qual decorre outra nova forma de controle: “o fechamento do universo da locução”.

O conjunto de atividades e de instrumentos visando resultados, eficiência, produtividade sob a égide de uma racionalidade técnica molda mais uma nova forma de controle – “a administração repressiva” – sobre a qual Marcuse assim se refere: “Quanto mais racional, produtiva, técnica e total se torna a administração repressiva da sociedade, tanto mais inimagináveis se tornam os modos e os meios pelos quais os indivíduos administrados poderão romper sua servidão e conquistar sua própria libertação”.47 E, mais adiante

reitera que “sob o jugo de um todo repressivo, a liberdade pode ser transformada em poderoso instrumento de dominação”.

Ao observar a insistência em destacar a profundidade e eficácia dos controles, Marcuse reconhece a possibilidade de receber objeção quanto a uma eventual superestimação do poder de doutrinação dos “meios de informação” e também “de que as pessoas sentiriam e satisfariam por si as necessidades que lhes são agora impostas”. Ele contesta no sentido de que essa objeção fugiria ao âmago da questão, uma vez que o “pré- condicionamento não começa com a produção em massa de rádio e televisão e com a centralização de seu controle.”48 Esse processo de doutrinação efetivado pelos meios de comunicação seria facilitado por esse pré- condicionamento dos indivíduos, ou melhor das “criaturas” conforme Marcuse: “As criaturas entram nessa fase já sendo de há muito receptáculos pré-condicionados; a diferença decisiva está no aplanamento do contraste (ou conflito) entre as necessidades dadas e as possíveis, entre as satisfeitas e as insatisfeitas.”49 Estaria, então, a “igualação das distinções de classe” revelando sua função ideológica e revestindo-se de mais uma faceta das novas formas de controle. Assim sendo, se, por volta de 1960, o trabalhador e o seu

48 MERCUSE, Herbert. One-Dimensional Man. Op. cit. p.29. 49 MARCUSE, Herbert. One-Dimensional Man. Op. cit. p. 29.

patrão assistiam ao mesmo programa de televisão e visitavam os mesmos pontos pitorescos ou se a secretária se apresentava tão atraentemente pintada como a filha do patrão ou ainda, se o negro possuia um Cadillac, se todos liam o mesmo jornal, “essa assimilação não indica o desaparecimento de classes, mas a extensão com que as necessidades e satisfações que servem à preservação do Estabelecimento é compartilhada pela população subjacente”.50

Neste ponto, Marcuse destaca, mais uma vez, o “caráter racional da irracionalidade” da civilização industrial avançada, e reitera ser esse um dos aspectos mais perturbadores dessa sociedade. Aqui estariam presentes não apenas formas de controle com base na “tecnologia” como também questionamentos em relação ao próprio conceito de “alienação”. O grau da capacidade da sociedade industrial avançada em transformar o mundo objetivo numa extensão do corpo e da mente humanos torna questionável a própria noção de alienação.

Quanto ao caráter tecnológico das novas formas prevalecentes de controle Marcuse observa que também esse caráter tem um novo sentido. Pois,

se por um lado, durante todo o período moderno a estrutura e eficiência técnica do aparato produtivo – além de outros meios de compulsão mais

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