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Imagem: uma difícil definição

Se o conceito de imagem pode parecer, numa primeira impressão, de simples compreensão, esta impressão rapidamente é substituída pela percepção de que, ao contrário, sua delimitação é uma difícil tarefa. Os sentidos da palavra têm se multiplicado, abarcando diversos assuntos, de maneira que é possível falar de imagem material, imaterial, bidimensional, tridimensional, real, virtual, imagens estáticas ou móveis, imagem pessoal ou de categoria social, imagem verbal, sonora – para citar alguns exemplos.

Mas o que há de semelhante entre todas as classificações e usos do termo? Qual o ponto em comum entre uma pintura, escultura, filme, desenho animado, fotografia, grafite, cartazes, logotipos, metáforas, uma imagem mental ou o chamado “pensar por imagens”? De acordo com Martine Joly, em todos os usos, a palavra requer a presença de um sujeito que a produz ou reconhece (2007, p. 13).

Uma possível definição seria “semelhança ou sinal das coisas, que pode conservar-se independentemente das coisas” (ABBAGNANO, 2007, p. 537). Este é, portanto, um significado que associa o termo às aparências, num reconhecimento que ocorre através da forma. Já imaginação, palavra de origem comum, é definida pelo Dicionário de Filosofia como “possibilidade de evocar ou produzir imagens, independentemente da presença do objeto a que se referem” (ABBAGNANO, 2007, p. 538). Em resumo, se poderia afirmar que a imagem costuma transitar entre o material e o imaterial.

Tentando encontrar uma definição que abarque seus múltiplos desdobramentos, Joly destaca ainda o fato de que a imagem, embora nem sempre remeta diretamente ao visível, costuma tomar alguns pontos emprestados do visual. Dessa maneira, ela tende a se projetar de maneira visível, ainda que não seja uma imagem concreta. As imagens verbais, fantasiosas ou sonoras, são elaboradas “de maneira quase alucinatória, e parecem tomar emprestadas suas características da visão” (2007, p. 19). De fato, o entendimento da imagem como representação visual costuma ser uma das conexões mais imediatas, tendo nos olhos sua principal fonte de reconhecimento, ainda que sejam os “olhos do espírito”. Porém, é o aspecto representacional que aparece como sendo decisivo para a definição do termo:

O ponto comum entre as significações diferentes da palavra ‘imagem’ (imagens visuais/imagens mentais/imagens virtuais) parece ser, antes de mais nada, o da

84 analogia. Material ou imaterial, visual ou não, natural ou fabricada, uma “imagem” é antes de mais nada algo que se assemelha a outra coisa.

Mesmo quando não se trata de imagem concreta, mas mental, unicamente o critério de semelhança a define: ora se parece com a visão natural das coisas (o sonho, a fantasia), ora se constrói a partir de um paralelismo qualitativo (metáfora verbal, imagem de si, imagem de marca).

A primeira consequência dessa observação é constatar que esse denominador comum da analogia, ou da semelhança, coloca de imediato a imagem na categoria das representações. Se ela parece é porque ela não é a própria coisa: sua função é, portanto, evocar, querer dizer outra coisa que não ela própria, utilizando o processo de semelhança. (JOLY, 2007, p. 38-39)

Em 1926, René Magritte elaborou a primeira versão do que seria um dos seus quadros mais emblemáticos. Trata-se da pintura de um cachimbo com uma legenda escrita sobre a tela na qual se lê: “Isso não é um cachimbo”.

O quadro divertidamente alerta sobre o caráter representativo das imagens e das palavras, de maneira que se estabelece um jogo entre o desenho e seu enunciado, que pode ser percebido em diferentes camadas:

"Isto não é um cachimbo, mas o desenho de um cachimbo", "isto não é um cachimbo, mas uma frase dizendo que é um cachimbo", "a frase: 'isto não é um cachimbo', não é um cachimbo"; "na frase: 'isto não é um cachimbo', isto não é um cachimbo: este quadro, esta frase escrita, este desenho de um cachimbo, tudo isto não é um cachimbo". (FOUCAULT, 1988, p. 35)

Ou ainda:

"Nada de tudo isso é um cachimbo; mas um texto que simula um texto; um desenho de um cachimbo que simula o desenho de um cachimbo; um cachimbo (desenhado como se não fosse um desenho) que é o simulacro de um cachimbo (desenhado à maneira de um cachimbo que não seria, ele próprio, um desenho)". Sete discursos num só enunciado. (FOUCAULT, 1988, p. 67- 68)

Ao afastar a representação do elemento ao qual ela deveria se assemelhar, ou ao denunciar que a correspondência entre um objeto e seu retrato é apenas ilusória, os significados da pintura se multiplicam para além das definições banais que os prendem a seu objeto de referência. Não importa o quão realista seja o desenho de um cachimbo, nunca será um cachimbo.

O valor de uma imagem, acredito, não se encontra necessariamente na pseudoequivalência a um determinado elemento, como origem, e sim no que ela pode vir a aludir – como projeção –; e ao que ela pode vir a ser tornar – como construção.

Em Dorotéia, fizemos o uso de imagens iconográficas, das quais extraímos composições corpóreas que foram associadas às personagens do espetáculo. As posturas observadas nas obras de Degas (1881; 1876-78; 1885-86; 1886; 1897; 1898-99) e Lautrec (1893; 1891; 1895; 1897), serviram de referência para a caracterização dos papéis. Apesar de haver um processo de reprodução das posições presentes nas imagens, acredito que não se

85 trata de uma cópia, no sentido estrito, pois o processo retirou as composições corporais de seu contexto original (a pintura), transferindo-as para o teatro. Nesse processo, as posturas passam a dialogar com outros conteúdos, em sua maioria, relacionados ao espetáculo e ao discurso que ele desenvolve.

Além das pinturas e esculturas, o processo foi contaminado pelas imagens mentais propostas pela equipe de ensaio, além de representações de corpos e movimentos observados durante as atividades cotidianas. Para tornar mais claro de que forma se deu a utilização das imagens no processo de Dorotéia, recorro à separação do assunto em três categorias: imagens iconográficas, mentais e retiradas da experiência.

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