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4. PENSAMENTO POR IMAGEM

4.3 IMAGEM TÉCNICA, TÉCNICA DA IMAGEM

Se as teorias da complexidade já demonstraram que a ideia de realidade é bem mais difusa do que a proposição aristotélica primeira do acesso ao mundo pelos dados do sentido, então, de acordo com Barros72, é também possível parar de

colocá-la como antítese ao imaginário. Este é, nas palavras da autora73, por sua vez,

“[...] não é uma coleção de imagens somadas, mas uma rede onde o sentido se encontra na relação”. Ainda, de acordo com Thomas, o imaginário é mesmo um

71 Gilbert Durand. O imaginário. Op. Cit.,

72 Ana Taís Martins Portanova Barros. Imaginário: da desvalorização estéril à heurística fértil. In: Rosário; Silva

(Orgs.). Pesquisa, comunicação, informação. Porto Alegre: Sulina, 2016.

sistema, um ”dinamismo organizador de imagens”74. Por isso fica impossível

separar as imagens na sua unidade constituinte – como uma reprodução x a ser analisada para descrever o imaginário de uma época – sem considerar as outras imagens ao seu redor e a dinâmica entre elas.

De acordo com Bachelard75, conseguimos fazer conexões entre a nossa vida

cotidiana e histórias muito antigas como a barca de Caronte – para ficar no seu exemplo de herança helenística – porque nossa imaginação é capaz de traçar um caminho a partir de uma imagem formal em direção a uma imagem material. Em outras palavras, poderíamos dizer: ir do sensível ao sentido. Bachelard76 chamou

essa ponte de complexo de Caronte. É esse complexo que descreve nossa capacidade de ver as características simbólicas da água sempre que “uma cabeleira desatada caia [...] sobre os ombros nus” 77. Contudo, ressalta78, “[...] não é a forma

da cabeleira que faz pensar na água corrente, mas o seu movimento”. É do ondular que se percebe a imagem material da água. Hoje, no entanto, esse complexo estaria enfraquecido, devido ao fato de que, para muitos, a imagem é tratada como mais uma referência, tão numerosa quanto as literárias, não passando, então, de um símbolo79. A nós resta adicionar que esse enfraquecimento do potencial simbólico

da imagem (de passar de forma-significado para matéria-experiência) está estreitamente relacionado a um indício popular: hoje imagem é sinônimo de figura, de imagem técnica visual.

É a proposta do complexo de Caronte que inspira a proposição durandiana do trajeto de sentido. Ele me parece uma noção útil a ser retomada, por explicitar diferentes tipos de imagens. Adiciono o esquema da árvore das imagens mostrado anterioremente algumas outras expressões: arquétipo, mito, símbolo,

74 Jöel Thomas. Introduction. In: Introduction aux méthodologies de l’imaginaire. Paris: Ellipses, 1998, p. 16

apud Ana Taís Martins Portanova Barros. Imaginário: da desvalorização estéril à heurística fértil. Op. Cit., p. 223, tradução da autora.

75 Gaston Bachelard. A água e os sonhos: Ensaio sobre a imaginação da matéria. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes,

2013, p. 88.

76 Gaston Bachelard. A água e os sonhos. Op. Cit. 77 Gaston Bachelard. A água e os sonhos. Op.Cit., p. 87. 78 Gaston Bachelard. A água e os sonhos. Op.Cit., p. 88. 79 Gaston Bachelard. A água e os sonhos. Op.Cit., p. 79.

representação, estereótipo – como bem esquematizou Barros80 adicionando

nominalmente as diferentes formas que a imagem adquire para levar o sentido de um lado ao outro desse trajeto. A capacidade de elaborar esse trajeto de sentido é de importância tal que Durand81. chegou mesmo a chamá-lo de trajeto

antropológico, ressaltando em sua aposta antropológico-filosófica que estaria aí o

diferencial do antropos: a capacidade de fazer a conexão entre os pontos mais distantes da consciência e da inconsciência, do social e do pessoal.

Figura 4: Esquema representativo da árvore de imagens de Wunenburger, adicionando os graus de imagem de Durand e o processo de desmitologização de Barros82

80 Ana Taís Martins Portanova Barros. A saia de Marilyn: do arquétipo ao estereótipo nas imagens midiáticas. E-Compós, Brasília, v. 12, p. 1-17, 2009.

81 Que é, efetivamente, a tese defendida por Durand em seu doutorado publicado sob o nome de As estruturas antropológicas do imaginário.

82 Fonte: Elaborado pela autora (2020) partir de Jean-Jacques Wunenburger. L’arbre aux images. Op. Cit.,

Gilbert Durand. A imaginação simbólica, Op. Cit. e Ana Taís Martins Portanova Barros. A saia de Marilyn, Op. Cit. sobre ilustração de Guillermo Hall. Poco a Poco: An Elementary Direct Method for Learning Spanish. Hudson, NY: World Book Company, 1922. (Disponível em : Banco de dados ClipArt ETC/ Florida Center for Instructional Technology, College of Education, University of South Florida Disponível em: https://etc.usf.edu/clipart/63300/63332/63332_tree.htm).

Como se pode ver no esquema, dada a relação de interdependência entre a imageria e o imaginal, vê-se o motivo pelo qual a imagem de ganhar inúmeros possíveis sinônimos. Uma “imagem plena” pode estar mais ou menos “degradada”83 dependendo do espaço da árvore que esteja ocupando. Assim, um

mito degradado pode tomar a forma de um estereótipo – como pode-se perceber em variadas produções culturais e midiáticas de personagens das culturas tradicionais ágrafas. Ainda, por mais que essa seja a tendência majoritária, a denúncia da degradação das imagens, não se deve perder de vista o caminho contrário. É previsto que mesmo as representações mais amorfas possam se “remitologizar”, ganhando mais uma vez “profundidade”, através do mesmo

trabalho das imagens. Isto é, uma imagem simbólica ainda muito pulsante pode

perder sua pregnância simbólica no caminho que a leva para tornar-se simples representação de outra coisa tanto quanto uma imagem técnica qualquer como uma fotografia tem contida em si a potência de disparar um gatilho que nos leve de volta à experiência do simbólico.

Isto é, estou sugerindo que é possível partir mesmo dos símbolos achatados em sua pluralidade, e ir ao encontro de elementos mais ricos, que estariam do outro lado da esteira, assim disparando um trajeto do sentido – e dessa forma acabo fazendo uma espécie de defesa do estereótipo. Mas, atenção, essa não é uma defesa da vida autônoma dos estereótipos, pois não é preciso retomar os inúmeros processos de violência física e epistemicídio que geram. A proposta aqui é considerá-los também aliados no processo de sua própria ruína, no sentido de que, se estão alinhados de alguma maneira a uma imagem mais complexa, pode-se tratar de procurá-la a partir deles, do seu âmago, e não à custa do seu desprezo. A estratégia comum de combate aos estereótipos tem sido absolutamente bélica, como quer o regime de imagens próprio do seu habitat, a imageria. No entanto, se quisermos ativar o trajeto antropológico a partir dele, encontrar complexidade no superficial, cabe fazer valer outra estratégia de pensamento que não somente a razão diurna. Essa proposta pode parecer inconsequente à primeira vista, mas ela me parece tão perigosa quanto a surpreendentemente comum defesa dos arquétipos, que estariam na outra ponta do trajeto. As imagens são desprovidas de

ética, o que equivale dizer que tanto estereótipos quanto arquétipos “pecam” pelo mesmo erro. São seus “usuários” que respondem moralmente por seus usos. Não é delas que se deve esperar uma conduta louvável, mas de seus operadores.

O processo de ligação de sentidos entre a cabeleira e as águas – como no exemplo de Bachelard84 – dá a ver que não é só a imagem que não pertence ao

âmbito da técnica (no sentido flusseriano), mas, pelo contrário, a imagem contém em si uma técnica de aparição. Se a técnica resolve uma questão existencial do homem, qual seja, uma dificuldade de funcionamento85 e a imaginação ativa

(aquela alimentada pelo imaginário) é justamente uma resposta às angústias existenciais do homem86, poderíamos pensar a imagem como uma técnica do

pensamento – e o que distanciaria, então, as duas esferas de imagem e imagem técnica poderia ser a sua característica funcional.

Explorei com Wunenburger87 anteriormente a possibilidade de um

pensamento terceiro, que coadunasse duas tendências distintas, por assim dizer, do pensamento “cultivado” e “selvagem”. Essas diferentes organizações do pensamento são, em sua construção teórica, derivadas de imagens: do uno e do duplo88 - o que me leva a compreender que cada tipo de pensamento é alimentado

por uma organização específica do imaginário.

E como se percebe a manifestação de um ou outro pensamento? A existência da contradição é um rastro para perceber a existência de uma imagem. Como, por exemplo, na fruição de uma obra de arte, de uma pintura ou de uma fotografia: não se sabe ao certo qual é o significado exato daquilo que está à nossa disposição. Tanto quanto não se pode circular com certeza o sentido de um sonho ou de um uma nota musical. Não se sabe com certeza a razão de uma sensação eufórica despertada por uma melodia, mas sabe-se com as emoções do corpo que a melodia despertou uma sensação eufórica, que o cheiro conectou-se com uma

84 Gaston Bachelard. A água e os sonhos. Op. Cit.

85 Gilbert Simondon. Du mode d'existence des objets techniques. Paris: Aubier, 1989. 86 Gilbert Durand. As estruturas antropológicas do imaginário, Op. Cit.

87 Jean-Jacques Wunenburger. A razão contraditória. Ciências e filosofias modernas: o pensamento complexo.

Trad.: Fernando Tomaz. Lisboa: Instituto Piaget, 1990.

88 Ana Taís Martins Portanova Barros; Jean-Jacques Wunenburger. A fotografia como catalisador simbólico –

Notas para uma hermenêutica da fantástica em imagens técnicas. Intercom – RBCC, São Paulo, v. 38, n.2, p. 39- 59, jul./dez. 2015.

memória da infância, que a fotografia fez acontecer novamente uma lembrança esquecida, um riso há muito ouvido, um lugar antigamente habitado. A existência desse gatilho denuncia a presença de uma imagem em funcionamento, de algo que pôs em movimento o trajeto de sentido. É contraditório porque a sensação experimentada por uma ou outra pessoa será diferente. Pode-se, a partir da mesma fotografia, não chegar às mesmas sensações. Tanto quanto a mesma fotografia pode gerar diferentes interpretações. O mesmo não ocorre com uma fotografia acompanhada de legenda, pois ela dota o cenário de coerência e apaga as contradições que a informação visual poderia despertar.

A interdependência de um dispositivo cognitivo a outro nos leva a compreender, então, que o trabalho da imagem não prescinde nem do místico muito menos do racional, como já visto, através do trajeto de sentido. A imaginação interliga memórias dos dados criados pelos sentidos, mas também memórias da nossa vida material com sentidos que não encontram origem em alguma experiência consciente passível de descrição. Por vezes, um poema nos lembra de um sonho. Ainda, também é papel da imagem ligar um sonho ao sonho – ou permitir que um sentido construído totalmente à revelia dos nossos sentidos físicos proporciona a uma experiência estética igualmente potente. É esse o sentido da imagem, não aquele simplesmente efeito dos sentidos do tato, do paladar, da audição etc. O sentido construído pela imagem, ou pelo pensamento por imagem, abarca o produto das sensações corpóreas – como a visão – nessa amálgama de corpo-sujeito que é já habitado por uma série de imagens. O sentido é o efeito que essa movimentação da imagem produz. Para acessar o sentido da imagem, no entanto, é necessário localizá-la em algum momento do trajeto de sentido, parar o seu movimento por um momento. Em outras palavras, é preciso espacializar o tempo total do mito, transformar o sentido em significado. Mas a tarefa de

espacializar o tempo não acontece senão com muita presença do corpo.

Lidar com a passagem do tempo e com suas faces simbólicas assustadoras é a motivação principal, no argumento de Durand89, para o desenvolvimento do

sistema imaginário humano. A consciência da morte manifesta-se na perecibilidade da matéria, da qual a princípio deveríamos fugir. Logo, o tempo

conectado pela imagem parece ser mais esse tempo existencial, simbólico, do que o intervalo cronológico que separa uma memória material de outra.

A experiência provocada por uma imagem que salta a partir de um contato com uma fotografia, por exemplo, revolvendo as nossas tripas, permanecendo na nossa memória, intrometendo-se nos nossos sentidos para além do registro de dado informativo, estaria mais próxima de um fenômeno comunicacional – se pensarmos, com Sodré90, a comunicação como instauração de uma diferença que

causa transformação.

Barros91 propõe que, para fugirmos das sensações perturbadoras causadas

pelas imagens simbólicas – que nos exigem nada menos do que as nossas tripas para materializar sua epifania, fazer acessarmos seu sentido – damos prioridade ao contato com as imagens visuais. Essas, que vou chamar de imagens técnicas visuais, se apresentam geralmente acercadas de outras esferas de representação, tais como legendas e referentes bem circunscritos. Ou seja, para considerar de que imagens estou falando, como disse anteriormente, é preciso atentar à sua forma de aparição. Essa materialização, essa tela, para usar os termos de Carbone92, modela

que tipo de imagem que teremos na nossa frente – tanto quanto as telas disponíveis dizem respeito ao nosso regime de visibilidade e à nossa sensibilidade correntes. Segundo Barros, a aparição da uma imagem visual lado a lado com outros dispositivos comunicativos acaba por limitar o acontecimento da imagem, transformando a experiência estética em acontecimento informacional. No dizer de Barros93,

[...] a inspiração racionalista leva à concentração do esforço interpretativo sobre o polo das coerções externas, que são sempre mais visíveis, mais mapeáveis. A separação artificial desses dois polos, promovida pelo hábito racional, elimina o trajeto de sentido e, junto com ele, a imagem simbólica.

90 Muniz Sodré. A ciência do comum. Op. Cit.

91 Ana Taís Martins Portanova Barros. Símbolos do inferno: imagens de lugar nenhum e de algum lugar. Discursos Fotográficos, Londrina, v. 9, n. 14, 2013.

92 Mauro Carbone. Ver segundo o quadro, ver segundo a tela. Caxias do Sul: Educs, 2019. 93 Ana Taís Martins Portanova Barros. Símbolos do inferno. Op. Cit., p. 341-342.

Ao reduzir a imagem ao seu significante estamos diante de uma pós- imagem, como nomeou Barros94, uma imagem que já não cumpre mais o seu papel

transformador, seu poder de conduzir à experiência estética, seu poder de sugerir um curto-circuito do sentido a partir de sua esfera perceptível – no caso da fotografia, visual – de permitir perceber a comunicação como um pensamento por imagem.

A imagem simbólica é fundamentalmente uma imagem vivida95. Dado que

reagimos, “lemos” imediatamente a informação visual, a visualidade atua como

gatilho da experiência. Mas ela pode se limitar à esfera da inflamação do sentido da

visão, sem permitir o acesso a um pacote perceptivo, se seu contexto de fruição não for um contexto simbólico. Isso é, se tratamos a imagem fotográfica como uma informação visual, reduzimos seu potencial catártico. Essa catarse de sentido pode ser compreendida de duas maneiras: ou o contato com uma informação que desencadeia a compreensão de diversas outras, gerando um fluxo comunicativo e, aí sim, transformador no sentido de recapturar os fatos e reorganizá-los; ou, ainda, catarse de uma segunda maneira: no que ela evidencia da pregnância simbólica de uma imagem. Na definição original de Cassirer96, o termo foi utilizado para

descrever a incapacidade de a consciência entrar em contato com uma imagem particular sem estar manchada de experiência perceptivas outras, ou seja, a impossibilidade do isolamento de certas imagens para uma unidade de sentido. Nos estudos do imaginário, o termo tem sido recorrentemente utilizado para falar de quando uma imagem tem pujança suficiente para chamar outras da mesma constelação, de partir da unidade para ativar o sistema imaginário a que ela responde.

O que acabei de chamar de gatilho da experiência tem inspiração direta na proposta de Boni97 de tomar a fotografia como um gatilho de memória. Ele dá

origem a uma metodologia tem duas etapas: após uma primeira entrevista, o

94 Ana Taís Martins Portanova Barros. Símbolos do inferno. Op. Cit. 95Ana Taís Martins Portanova Barros. Símbolos do inferno. Op. Cit., p. 108.

96 Cf. capítulo V de A filosofia das formas simbólicas, III – Fenomenologia do conhecimento. Trad. Eurides

Avance de Souza. São Paulo : Martins Fontes, 2011.

97 Paulo César Boni; Juliana de Oliveira Teixeira. A proposta metodológica do uso da fotografia como

disparadora do gatilho da memória. In: Boni, Paulo César (Org.) Fotografia: usos, repercussões e reflexões. Londrina: Midiograf, 2014, p. 43-65.

pesquisador apresenta fotografias ao informante com o objetivo de despertar novas memórias e, assim, detalhar ou acrescentar mais informações sobre o tema pesquisado. A contribuição, baseada na epistemologia empírica da comunicação, procura utilizar a fotografia como item do aparato metodológico. Sua vantagem está no fato de que as fotos “[...] situam o sujeito como protagonista do processo”98

e, assim, fazem com que venham à tona não só uma, mas várias histórias99,

inclusive outras que compartilhavam na experiência vivida o mesmo espaço da coisa fotografada, e não na realidade fotografada – como aconteceu com o caso citado pelos autores100 em que os entrevistados lembraram-se de histórias sobre

os balseiros ao verem uma foto de uma ponte sem nenhuma balsa.

A presente discussão me leva a questionar a recorrente visão no âmbito da crítica cultural de que a nossa civilização ‘poluída’ de imagens contribuiria para o embotamento da imaginação. Por que motivo assusta tanto os estudiosos da mídia a aceleração da produção de imagens visuais e seu consequente excesso em termos numéricos? Na dita civilização da imagem, na sociedade midiatizada, viveríamos num “fast food de imagens”, que não encoraja contemplações mais prolongadas, segundo Mitchell101. Lembramos que a aceleração descreve um fenômeno

relacionado ao tempo e ao espaço e, com efeito, por adjetivar o problema em questão (a aceleração), adjetivamos também as consequências desse problema (as imagens em excesso). Para o excesso existir como possibilidade, precisamos imaginar uma quantidade específica e um espaço limitado – além de, claro, um critério arbitrário do que seria uma “boa medida”. Logo, as imagens das quais essa aceleração fala são as imagens reprodutíveis, as técnicas por excelência. São as que se caracterizam por terem uma matriz e uma superfície reprodutíveis e, por conseguinte, espalharem-se no formato de cópias. Ora, as imagens fruto desse fenômeno o qual se teme são, então, imagens dessa natureza: imagens materiais, imagens técnicas.

98 Maria Luísa Hoffmann. A fotografia aliada à história oral para a recuperação e preservação da memória. In:

Boni, Paulo César (Org.). Fotografia: múltiplos olhares. Londrina: Midiograf, 2011, p. 204.

99 Maria Luísa Hoffmann. Fotografia, gatilho de memórias. In: Boni, Paulo César (Org.) Fotografia: usos,

repercussões e reflexões. Londrina: Midiograf, 2014, p. 67-96.

100 Paulo César Boni; Juliana de Oliveira Teixeira. A proposta metodológica do uso da fotografia como

disparadora do gatilho da memória. Op. Cit.

101 W.J.T. Mitchell. What Do Pictures Want? The Lives and Loves of Images. Chicago/London: The University of

O pessimismo generalizado com a técnica surge somente depois de um otimismo do século XVIII dos enciclopedistas, cujo projeto entrou em “flagrante falência”, segundo Chateau102. Um olhar desconfiado em relação à superprodução

de imagens [técnicas visuais], característica da tecnocultura visual, revela uma crença profunda. O contato em intensidade demasiada com uma grande quantidade de imagens "pré-fabricadas", no dizer de Calvino,103 seria pernicioso

para a nossa imaginação, se partirmos da premissa de que ela é alimentada por duas fontes principais: a memória e a representação. As fontes de "dados" para pensarmos, segundo esse ponto de vista (um tanto aristotélico), seriam as experiências sensíveis, advindas de representações visuais com as quais as pessoas tiveram contato anteriormente ou de lembranças. Numa balança que só pode existir se tomarmos nossa imaginação com uma plasticidade limitada, quanto mais pesa a bagagem de imagens vistas, menos espaço e capacidade cognitiva temos disponível para a criação de imagens internas.

A perspectiva que apresenta de maneira pessimista as consequências para a imaginação do cenário lotado de imagens visuais faz uma comparação entre o sistema que produz imagens das mais variadas naturezas (imaginação) e outro sistema (imagens técnicas visuais, em excesso, produzidas e propagadas pelas tecnologias digitais de comunicação). Há, portanto, na comparação dessas duas esferas imponderáveis, um erro de proposição do problema. Propor uma relação entre a aceleração de produção e consequente excesso de imagens e a ordem da imaginação é um "erro categorial", ou seja, a comparação de dois problemas de naturezas diferentes. Foi propondo a existência de um erro categorial que Ryle104