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A IMAGEM E O VOTO IDEOLÓGICO: O VOTO ÉTNICO

Houve uma época em que se um negro quisesse ser aceito na sociedade precisava se adequar aos traços característicos da raça branca. E não foi por pouco tempo. Houve um avanço nessas questões, haja visto que, hoje, há candidatos negros que só con- seguem reforçar seus argumentos em busca do voto ideológico se sua imagem estiver adequada ao resgate do padrão original de sua etnia. Algo muito cobrado sim, porém, a depender do meio

ao qual ele compreende como seu reduto eleitoral. Em 2016, por exemplo, uma candidata a vereadora reformulou todo seu material de campanha devido à cobrança dos espaços virtuais destinados para sua divulgação. A exigência girava em torno da adequação do estilo da candidata aos critérios de formação de alguns possíveis eleitores. Muitos questionaram a primeira imagem divulgada quanto ao visual afastado das lutas e reivin- dicações da negritude. Cabelos sempre tiveram essa atenção nas lutas pela valorização da raça negra, principalmente, por serem os mais atendidos na indústria cosmética para os efeitos de desca- racterização da raça. As letras de músicas sobre cabelos crespos do passado e do presente estão aí para confirmar. Todavia, nunca se deve ter a ilusão de que só (ou todos), os candidatos negros identificados com a causa usam cabelos em sua originalidade racial. Militantes nem todos são. Podem ser até no discurso, mas não na prática. E não vai ser uma transição capilar que vai eficaz- mente parametrizar o candidato a ponto de nivelá-lo com as prá- ticas ideológicas de seu grupo étnico. Afinal, como diz o adágio popular, o hábito não faz o monge.

Todavia, hoje os movimentos negros estão bem atentos a essa questão e, dificilmente, candidatos que não atendam aos requisitos que possam defini-lo como seus representantes con- seguem enganá-los. Não importa qual seja o discurso.

E, enfim, como hoje os discursos contra a intolerância racial tornaram-se um dos pilares de sustentação de campanhas, deve o eleitor ficar atento a ativistas profissionais que não vão fazer jus à confiança que neles será depositada. Imagens, neste caso, devem ser perscrutadas. Uma pesquisa para levantamento do viver social e de sua trajetória é muito mais importante. Sua imagem pode estar sendo forjada em cima de uma atitude pessoal apenas para manter a perspectiva eleitoral de atrair votos de um nicho que, a priori, há um entendimento geral de que ele pode chamar de

seu. Quanto a essa questão, em Salvador, nas eleições municipais de 2016, aconteceram casos de candidatos registrando-se como negros em uma cidade que essa nuance gera incontáveis níveis de categorização. Os que já possuem mandato no modelo anterior, de adequação aos moldes do visual o mais perto possível da raça branca, seguem seus caminhos. Já os neófitos são mais cobrados. Por isso tentam se adequar ao discurso maximizado após a rede- mocratização. A partir deste período, a luta contra a discrimi- nação e preconceito racial se intensificou e vários segmentos se associaram para reivindicar seus direitos na ocupação do espaço político e social do país.

Dentre os fóruns de discussão, citamos o Movimento Negro que trouxe para o centro dos debates propostas de valorização e reparação das perdas sofridas do decorrer da História do Brasil. O resultado veio por meio de leis específicas que contemplam, em sua maior parte, o âmbito educacional. Assim, candidatos negros que são poucos conhecidos, via de regra, tem como primeira tarefa se identificar em suas peças de publicidade como represen- tantes da raça para produzir identificação com o logo dessas lutas neste espaço em potencial. Que em Salvador, só não elege todas as bancadas do legislativo municipal só de seus representantes porque não quer.

Não obstante, já se observa uma inegável diferença nos atuais quadros de representantes políticos negros em relação ao século passado. Trata-se de uma conquista no âmbito de sua situação na estratificação social brasileira, mais particularmente na Bahia. Isto porque, obras como “As relações de trabalho dos escravos de ganho e de aluguel na cidade de Salvador (1800- 1822)”, de Maria Evilnardes Dantas Petrauskas, pesquisa rea- lizada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Pós- -Graduação em História), tem a informação de que nessa fase Salvador contava com 65.000 habitantes assim divididos:

O primeiro grupo era formado pelos funcionários da admi- nistração real, os militares de altas patentes, o alto clero secular e regular, os grandes mercadores e os proprietá- rios de terras, que compunham a chamada elite da socie- dade baiana famintas de distinções e honrarias, e que aspiravam títulos de nobreza distribuídos pelo governo imperial a partir de 1822. O segundo grupo era constituído por funcionários médios da administração real, militares e oficiais de patentes inferiores, o clero secular e regular, os comerciantes varejistas, proprietários rurais, fazendei- ros ou criadores médios, profissionais liberais, os homens que viviam de seus rendimentos anuais e os mestres de ofícios nobres. No terceiro grupo estavam os funcionários subalternos da administração real, militares, profissio- nais liberais secundários, oficiais mecânicos e pequenos comerciantes do comércio de frutas, doces e salgados composto em sua maioria por homens recém-egressos da escravidão. Finalmente, o quarto grupo composto pelos escravos, mendigos e vagabundos que constituíam o ‘grupo perigoso da Bahia’ no início do século XIX e até 1860 mais ou menos. (PETRAUSKAS, 1985, p. 38).

A pesquisadora ainda informa que houve uma evolução do comportamento social pelo qual, em dado momento, “o processo de purificação obriga o mestiço a desejar integrar-se na procura de uma forma de aproximar-se o mais possível dos tipos e vida da cultura branca” (PETRAUSKAS, 1985, p. 38), para apropriar-se desse povo, ou dessa sociedade branca. No que rompe todos os laços com grupo de origem. Seja como for, voltando às imagens mostradas no início do tópico e aproveitar para finalizá-lo, preva- leceu o argumento utilizado para a mudança na composição da imagem desta candidata para o visual dos cabelos que passou a atender a uma aparência mais característica da raça negra.

Cabe aos eleitores desenvolverem experiência para iden- tificar as transformações que ocorrem durante a campanha de

seus escolhidos a cada sufrágio e, não terceirizar suas ideias e opiniões, baseadas em falsas associações de discursos e imagens que não refletem a realidade. Reconhecemos que conhecer os candidatos e suas reais ideologias não é tarefa fácil. Mas desen- volver esta habilidade é a única solução. Porque mudar é humano, e todo candidato faz esse ou aquele tipo de concessão em algum momento. E ele sabe que nesse jogo o eleitor escolhe seu con- corrente ao cargo eletivo segundo os mais eficientes critérios de convencibilidade. Portanto cabe ao eleitor desenvolver a arte de não abrir mão de suas verdadeiras escolhas.

10.4 O VOTO IDEOLÓGICO: PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DA