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1   AS FACES ETERNAS DO PUER-ET-SENEX 17

1.3   IMAGINÁRIO E O TRAJETO ANTROPOLÓGICO DO ARQUÉTIPO 31

Gilbert Durand (1921 - 2012), antropólogo e filósofo da ciência, é o fundador do Centre de Recherches sur l’Imaginaire, em Chambéry, na França, criado em 1966. Durand constrói sua teoria, a partir de – entre outras bases teóricas – da fenomenologia de imaginação de Gaston Bachelard (1884 – 1962) e da psicologia analítica de Jung. O centro de estudos de Durand se desenvolve com uma proposta de interdisciplinaridade influenciada pelas obras de Bachelard. Durand vai falar em imaginário e não em simbolismo, pois para ele o símbolo seria a maneira de expressar o imaginário. Alguns sistemas simbólicos não são independentes, decorrendo de uma visão de mundo específica, imaginária, própria da cultura.

Gilbert Durand fez um extensivo estudo da produção cultural humana, especialmente das imagens que emergem das narrativas mitológicas, das religiões e

das grandes obras literárias e artísticas. Com isso, ele estabelece um trajeto antropológico do imaginário, que pode ser percorrido tanto no sentido do biológico em direção ao social, como do social em direção ao biológico. E as estruturas e regimes desenhados por ele para o imaginário retratam de que forma o homem tem procurado equilibrar as tensões e pulsões que advêm do seu próprio corpo e do mundo.

No desenvolvimento de sua argumentação, Durand define imaginário como o “[...] conjunto das imagens e das relações de imagens que constitui o capital pensado do homo sapiens [...]”, a estrutura essencial na qual se constituem todos os processamentos do pensamento humano (DURAND, 2012. p.14). Aponta seu dinamismo, atribuindo-lhe uma realidade e uma essência própria. Inicialmente, o pensamento lógico e a imagem não estão separados - a imagem carrega um sentido diretamente ligado à significação imaginária, ou seja, um signo, um símbolo. E seria por isso que “[...] o imaginário não só se manifestou como atividade que transforma o mundo - imaginação criadora -, mas, sobretudo como transformação eufêmica do mundo, como intellectus sanctus, como ordenança do ser às ordens do melhor” (DURAND, 2012. p. 432). Ainda, para o teórico, o imaginário é um motor repositório, uma espécie de “bacia semântica”, local onde as imagens podem se multiplicar. A noção de imaginário é, para ele, complexa.

O sujeito decodifica as imagens do mundo por meio do imaginário, usa do seu repertório para ativar uma bacia semântica. Assim, o imaginário faz a ponte entre o mundo natural e o homem, os outros e o homem, e entre o sujeito e ele mesmo, isso é, o imaginário funciona como um museu em que habitam todas as imagens passadas e possíveis, como um sistema organizador das imagens.

Durand utiliza a expressão imaginário em vez de simbolismo, uma vez que para ele o símbolo seria a maneira de expressar o imaginário. Sua teoria sobre o imaginário se organiza sob o método da convergência, isto é, os símbolos se (re) agrupam em torno de núcleos organizadores, as constelações, as quais são estruturadas por isomorfismos, que dizem respeito à polarização das imagens; indica que há estreita relação entre os gestos do corpo e as representações

simbólicas. Os símbolos constelam porque são desenvolvidos de um mesmo tema arquetípico, porque são variações sobre um arquétipo.

Na perspectiva de Durand, a imaginação como função simbólica vai se expressar a partir dos três esquemas de ação: postural, digestiva e copulativa – identificados em estudos pela Escola de Reflexologia de Leningrado, na 1ª metade do século XX. O autor denominou as estruturas do imaginário de heroicas ou esquizomorfas - relacionadas ao gesto postural -, dramáticas ou sintéticas - relacionadas ao gesto copulativo - e místicas ou antifrásicas - relacionadas ao reflexo digestivo.

[...] o primeiro gesto, a dominante postural, exige matérias luminosas, visuais e as técnicas de separação, de purificação, de que as armas, as flechas, os gládios são símbolos frequentes. O segundo gesto, ligado à descida digestiva, implica as matérias da profundidade; a água ou a terra cavernosa suscita os utensílios continentes, as taças e os cofres, e faz tender para devaneios técnicos da bebida e do alimento. Enfim, os gestos rítmicos, de que a sexualidade é o modelo natural acabado, projetam-se nos ritmos sazonais e no seu cortejo astral, anexando todos os substitutos técnicos do ciclo: a roda e a roda de fiar, a vasilha onde se bate a manteiga e o isqueiro, e, por fim, sobredeterminam toda a fricção tecnológica pela rítmica sexual (DURAND, 2012, p.54).

Na convergência entre a reflexologia (dominantes gesto-pulsional), a tecnologia (meios elementares de ação sobre a matéria) e a sociologia (contexto social), Durand fundamenta a bipartição das imagens em dois regimes: o diurno, que tem a ver com a dominante postural, e o noturno relacionado às dominantes digestiva e cíclica.

O regime diurno tem a ver com a dominante postural, a tecnologia das armas, a sociologia do soberano mago e guerreiro, os rituais de elevação e da purificação; o regime noturno subdivide-se nas dominantes digestiva e cíclica, a primeira subsumindo as técnicas do continente e do habitat, os valores alimentares e digestivos, a sociologia matriarcal e alimentadora, a segunda agrupando as técnicas do ciclo, do calendário agrícola e da indústria têxtil, os símbolos naturais e artificiais do retorno, os mitos e os dramas astrobiológicos (DURAND, 2012, p.58)

Aqui surge o termo estrutura, definido como uma forma transformável, que desempenha o papel de protocolo motivador para todo um agrupamento de imagens

e susceptível ela própria de se agrupar numa estrutura mais geral, chamada de regime, que se refere a opostos:

• regime diurno – uma organização das imagens que divide o universo em opostos, cujas características são as separações, os cortes, as distinções, a luz;

• regime noturno – uma organização das imagens que une os opostos, tendo como principais características a conciliação e a decida interior em busca do conhecimento.

Esses regimes (Quadro 3) recobrem três estruturas que têm como ponto fundamental a questão da mortalidade para o homem, cuja angústia existencial se manifesta através das imagens relativas ao tempo, ressaltando-se a ambiguidade e os inúmeros significados que um símbolo pode apresentar. A resolução dessa angústia permite três soluções: (1) pegar as armas e destruir o monstro, (2) criar um universo harmonioso no qual ela não possa entrar, (3) ter uma visão cíclica do tempo no qual toda morte é renascimento.

No Regime Diurno está a Estrutura Heroica, que se caracteriza pela luta, tendo como representação uma vitória sobre o destino e sobre a morte, cujos principais símbolos são:

• símbolos de ascensão – leva para a luz e para o alto; • símbolos espetaculares – diz respeito à luz, ao luminoso;

• símbolos diairéticos – refere-se à separação cortante entre o bem e o mal.

No Regime Noturno da imagem, têm-se duas estruturas:

• A Estrutura Mística, que se refere à construção de uma harmonia, onde se evita a polêmica e há a procura da quietude e do gozo, tendo como recurso expressivo os símbolos de inversão e os símbolos de intimidade. • A Estrutura Sintética, que diz respeito aos ritos utilizados para assegurar

histórico e progressista, sendo que seus símbolos são os símbolos cíclicos.

O símbolo tem a função transcendental de permitir ir além do mundo material objetivo. Devido à dimensão da ambiguidade, o símbolo está sob constante processo de reequilíbrio, tais como o equilíbrio vital, o equilíbrio psicossocial e o equilíbrio antropológico.

Quadro 3 – Características dos regimes do imaginário Fonte: DURAND, 2012.