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T IMING E C ONTEXTO DA R EVELAÇÃO

T RANSIÇÃO P ARA C UIDADOS P ALIATIVOS

T IMING E C ONTEXTO DA R EVELAÇÃO

Para além das palavras e expressões utilizadas, o timing da revelação da transição parece também ter tido um impacto diferente para os diferentes pacientes. Aqui encontramos duas categorias diferentes, 1) A “notícia esperada” e 2) A surpresa, onde o conhecimento prévio do doente sobre o diagnóstico e a evolução dos tratamentos parece ter um papel fundamental.

1) A “notícia esperada”

Nesta categoria, os pacientes revelam que a notícia da transição para cuidados paliativos não constituiu uma surpresa para eles. Segundo estes pacientes, a comunicação com a equipa médica ao longo de todo percurso da doença, desde a

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revelação do diagnóstico às informações sobre a evolução da doença e dos resultados dos tratamentos, bem como a participação nas decisões clínicas, permitiu uma melhor aceitação da sua condição clínica e eliminou o efeito surpresa da notícia da comunicação para cuidados continuados.

- Com o decorrer do tempo, não é, foi surgindo uma doença, depois foi, veio, agravou-se, veio mais isto e mais aquilo, e eu fui-me adaptando à situação e a saber como é que estava e o que tinha...

2) A surpresa

Alguns pacientes revelaram que a comunicação da transição para cuidados paliativos constituiu para eles uma surpresa total revestida por um choque emocional intenso. Esta surpresa, segundo os pacientes, deveu-se à falta de informação prévia (total ou parcial) sobre o seu diagnóstico e sobre a evolução dos tratamentos que se encontravam a efectuar. A falta de conhecimento apropriado do seu estado clínico ao longo do ciclo da doença impediu qualquer preparação para a notícia da transição para cuidados continuados. De entre as falhas na comunicação reveladas pelos pacientes, salientam-se: a) a omissão de informação; e b) a comunicação evasiva e ambígua. a) Omissão da Informação

A omissão de informação ao paciente ao longo do processo da doença levou à construção de expectativas irrealistas em relação à cura e a uma total falta de consciência do seu estado clínico real, pelo que a notícia da transição para cuidados paliativos constituiu um grande choque emocional para estes, dificultando o processo de adaptação à doença e ao seu estado clínico.

- Houve um dia que começou a haver muita concorrência de doentes. E eu por acaso estava bem, sentia-me com força e tudo e eles disseram que me iam dar alta, “afinal ao fim e ao cabo você não está aqui a fazer nada”. E foi quando a Dra. daqui foi ter comigo e disse que eu podia continuar a fazer cuidados aqui. Ela apareceu-me lá assim de surpresa. E eu fiquei assim de boca aberta. (...) E eu digo assim: “Então já não faço mais quimioterapia, já não cura”. Diz ela assim: “Mas a quimioterapia também já não curava”. Eu assim: “Ai não? Pensei que curasse. A quimioterapia, pensei que curasse.” (...) Pensando eu que a

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quimioterapia, que ajudava a curar o tumor, que o tumor com o tempo... que depois talvez fazia radioterapia, quimioterapia, não sei que mais... e aquilo que ia secando e ia-se evaporando... e não. (...) Se eu pudesse ter sido [informado] algum tempo antes...

A omissão da informação sobre os tratamentos e decisões clínicas ao longo do processo prejudica também a confiança nos médicos, levando a incertezas e desconfianças sobre as práticas médicas de que foram ou de que são alvo.

- Até que apareceram os nódulos no fígado. Quando vim para aqui diziam que iam operar aquilo. Diz que iam... Nunca mais fizeram nada, nunca mais operaram. Começaram com a quimioterapia primeiro, depois segunda vez... Até que deu nisto. (...) Fiz os exames todos, fiz os exames todos. Julgava que eles iam marcar a cirurgia, vem o Dr. e diz que eu ia fazer, que optaram antes pela quimioterapia. Não sei porquê.

b) Comunicação Evasiva e Ambígua

A comunicação evasiva com o paciente abre lugar a diferentes interpretações por parte do paciente, possibilitando que este interprete de forma errada a mensagem que se pretenderia transmitir. A utilização de eufemismos ou de jargão médico, por exemplo, constitui fonte de ambiguidade para o paciente e este pode interpretar aquilo que lhe foi dito de forma errada daquela que seria pretendida, impedindo-o de conhecer a seriedade da sua doença e, consequentemente, levando à construção de esperanças irrealistas sobre a sua cura.

- Quando me disseram que eu tinha uma úlcera que era maligna, naquela altura a gente ficou assim, um bocado abalada. Mas nada que pensasse que podia ser um tumor, não é?

- Porque eu dizia: “Se isto será um tumor, se calhar vou morrer”. “Não. Como é que você sabe?”. Quer-se dizer, não sei se era apoio e se não me queriam dizer, se me queriam apoiar... não sei.

Por outro lado, as respostas evasivas, incluindo a comunicação não-verbal isolada, também abrem portas à incerteza e podem levar a que o paciente as interprete como a confirmação das suas piores angústias e dos piores cenários por ele imaginados.

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- Eu digo “Onde é que ele irá rebentar?” e assim, e ela [médica] ri-se. Não diz nada. Gostava de saber, assim, isto tem que rebentar, tem um dia que desaparecer. Será que vai rebentar por baixo e sai por baixo? Ou será que vai rebentar por cima e fico abafada? Eu fico a pensar muitas vezes nisso.

- Quando vi que não queriam responder, eu já sabia que a resposta não ia ser boa.

Os relatos dos pacientes, de uma forma geral, revelam alguma desconfiança em relação a possíveis omissões, anteriores ou actuais, de informação por parte dos médicos, podendo esta desconfiança traduzir-se em insegurança e incerteza, o que poderá prejudicar não só a relação medico-paciente mas também o bem-estar do paciente. Se é verdade que esta insegurança dos doentes pode ser encarada como natural em função da realidade vivenciada por estes, a verdade é que será importante que os técnicos a tenham em consideração, abrindo espaço a que os pacientes possam desenvolver essas suas angústias.