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Com o progressivo fim da censura e abertura política, o interesse pelo romance- reportagem das décadas de 60 e 70 diminuiria. A efervescência política e cultural do início desse período viveria um refluxo ao redor do mundo e no Brasil não seria diferente. O milagre econômico e a radicalização da luta armada também contribuiriam para um afastamento das classes médias urbanas das pautas da esquerda.

De acordo com COSTA (2004, 117) a perda do interesse na literatura está relacionada ao eclipsar da verve nacionalista que animou o engajamento militante de jornalistas e escritores ao longo do século XX. O desenvolvimento dos meios de transporte

74 e comunicação eletrônicos e a inserção nas cadeias produtivas globais lentamente fez com que o debate sobre o projeto de Brasil se tornasse uma problemática atrasada.

A globalização marcou o abandono do projeto nacionalista que nasceu com o romantismo, teve seu momento marcante nas décadas de 30 a 50 e sustentou praticamente toda a literatura dos anos 60/80. Em relação ao grande tema da identidade nacional, que sempre moveu a literatura brasileira, estabeleceu-se um diálogo de surdos (leitores) e mudos (autores), que pelo menos concordavam num ponto: “Que país é este?” deixou, durante bom tempo, de ser a grande questão que movia a literatura brasileira (Ibidem.)

A literatura sustentou ao longo da ditadura o realismo crítico que os jornais e revistas tradicionais não puderam ou não quiseram levar adiante. Na imprensa, o período foi de consolidação da modernização administrativa e de profissionalização dos jornalistas, com o aumento do número de cursos universitários disponíveis e, neles, a difusão dos valores dos manuais de redação. Foi ao longo desse período que os valores da imprensa americana acabariam se consolidando, pelo menos discursivamente, como aqueles perseguidos pelas empresas de mídia.

A aposta no conteúdo mais rápido acabaria se difundindo por todo o horizonte midiático brasileiro. O modelo alcançaria seu auge com a inspiração no USA Today, periódico americano lançado em 1982, com ênfase em notícias curtas e informativas e páginas coloridas recheadas de infográficos e boxes. Em cinco anos, o jornal tornou-se o segundo maior em circulação, influenciando mudanças nas estruturas de jornais e revistas no mundo todo. Nos EUA, a indústria cultural jornalística sustentava a existência de publicações diversificadas. O jornalismo literário perdeu força, como vimos, mas a experiência permaneceu viva em revistas como Esquire e The New Yorker.

No Brasil, o declínio de Realidade deixou órfão o público interessado em conteúdo jornalístico aprofundado, na medida em que os principais jornais e revistas do país aderiam ao formato USA Today. As experiências brasileiras consideradas como jornalismo literário, tendo estado muito ligadas ao engajamento político na descoberta da realidade social do país, perdem seu tradicional eixo simbólico com o progressivo abandono da busca por um projeto nacional de transformação social. O declínio da utopia comunista e o avanço da globalização capitalista são acompanhados do enfraquecimento do questionamento ideológico, abrindo espaço para que os jornais começassem a ser vistos mais como fontes de negócios e a notícia como mercadoria.

75 de defensora dos interesses difusos. O fim da censura permitiria que a mídia começasse a desempenhar de maneira mais sistemática uma função reguladora: os valores do jornalismo

watchdog haviam sido amplamente difundidos após o escândalo de Watergate. A Folha de

S. Paulo se transformaria no jornal de maior circulação investindo na defesa do cidadão, contribuinte e consumidor, propagando sua autonomia frente aos interesses de políticos e empresas. O lema da publicação na época era o sugestivo “de rabo preso com o leitor” (NASSIF, 2003, 15). A revelação de desmandos e abusos de poder de figuras públicas desembocaria nas denúncias contra o presidente Collor e na campanha pelo impeachment. Mesmo com pouca maturidade, a imprensa percebeu logo que tinha poder.

Com a queda do presidente, o jornalismo investigativo e denuncista tornou-se uma das funções mais nobres e valorizadas da imprensa. Segundo NASSIF (Ibidem.), a prática seria levada ao exagero, com o desmantelamento de esquemas de conferência interna das denúncias, gerando pressões na redação pelo “esquentamento” artificial das matérias. O escândalo era interessante pelo prestígio que trazia à imagem dos jornais e pelo retorno financeiro. Os anos 90 foram, assim, marcados pelo apelo a dossiês falsos e denúncias sem confirmação. Casos como o da Escola Base revelaram os ainda frágeis mecanismos de confiabilidade e checagem interna das redações, mas o ânimo fiscalizador não retrocederia entrando nos anos 2000 com mensalões e petrolões. O progressivo enxugamento das redações dos jornais e revistas impressos tem tornado o trabalho investigativo ainda mais difícil e frágil na imprensa brasileira.

76 4. JORNALISMO LITERÁRIO NO SÉCULO XXI

Neste quarto e último capítulo, nos dedicaremos a analisar a atual discussão em torno do gênero Jornalismo Literário nos Estados Unidos e no Brasil. Diferentemente das experiências históricas, a globalização tem permitido um diálogo mais intenso entre jornalistas de ambos os países. A reflexão sobre o gênero no Brasil continua sendo bastante influenciada pelo New Journalism e outras experiências literárias americanas como a revista The New Yorker e Esquire e dialoga, atualmente, com a onda narrative writing, um redespertar do interesse pelo narrativo nos EUA que vem operando uma atualização do conjunto de práticas que caracterizam o gênero.

No primeiro item, mostraremos que a crise de venda dos jornais impressos levantou uma série de questões sobre o baixo potencial engajador do texto impessoal. Nesse cenário, o Jornalismo Literário tem sido resgatado como uma possível ferramenta para a reconexão dos jornais impressos com seus leitores. Na segunda parte, analisaremos de maneira mais atenta esse potencial, entendendo os recursos que permitem ao jornalista literário ser um escultor de experiências emocionais e intelectuais.

No terceiro item, apresentaremos um breve panorama sobre o Jornalismo Literário no Brasil, tanto no que diz respeito ao interesse pelo assunto na academia, quanto sua prática na imprensa tradicional. A partir de uma consulta ao portal do prêmio Esso, em que levantamos as reportagens vencedoras nas categorias Prêmio Especial e Prêmio de

Reportagem constatamos que a prática do Jornalismo Literário é mais frequente e plural do que se imaginava inicialmente. Descreveremos brevemente essa produção e nos deteremos de maneira mais atenta no trabalho da repórter Fabiana Moraes, do Jornal do Commercio do Recife, vencedora de três prêmios Esso por reportagens sofisticamente escritas sobre brasileiros anônimos.