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5. Discussão de Resultados

5.2 A Negligência e do Mau Trato e Desenvolvimento Psicomotor

5.2.2. Impacto da Negligência e do Mau Trato na Estruturação Espaciotemporal

espaciotemporal, com base em argumentos semelhantes aos referidos para a noção do corpo, foi formulada a hipótese de que crianças vítimas negligência ou mau trato deveriam

apresentar um nível menos positivos de estruturação espaciotemporal que crianças sem abuso (grupo de controlo) (H1.2). Na verdade, acreditava-se que ao comparar as cotações médias da estruturação espaciotemporal em crianças vítimas de abuso e crianças pertencentes ao grupo de controlo, se encontrariam diferenças significativas, caracterizadas por níveis superiores em crianças que não apresentam qualquer situação de abuso. Esta expectativa é suportada, entre

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outros autores, por De Meur e Staes (1989) ao defenderem que também as perturbações ao nível da estruturação espacial e temporal podem ter bases psicológicas e emocionais, nomeadamente derivadas de choques afetivos, ambientes inseguros, rotinas pouco

estruturadas e figuras de referência insuficientes, aspetos estes frequentemente comuns na situação de abuso.

De uma forma geral, antes de nos dedicarmos diretamente à verificação da hipótese, deve ser recordado que de acordo com a estrutura hierárquica dos fatores psicomotores (Fonseca, 2010) é de esperar que, em termos de valores médios as cotações gerais da estruturação espaciotemporal tenham sido inferiores às da noção do corpo. Comparados os valores médios, verificou-se efetivamente um decréscimo substancial, com o grupo de controlo a apresentar uma média de 2.3 e o grupo de abuso uma média 2.04. Quando comparados estes valores, uma vez mais, com os resultados obtidos por Fonseca (1985) aquando do estudo experimental com a bateria psicomotora, verifica-se que o grupo de controlo se encontra, mais próximo do valor identificado para os pares da mesma idade que o grupo de abuso.

Retomando a questão central, verificou-se que as crianças vítimas de mau trato apresentavam níveis médios de estruturação espaciotemporal inferiores aos das crianças que não sofriam de práticas maltratante, tendo-se identificado uma diferença tendencialmente significativa entre grupos (p = .086), pelo que uma vez mais, a hipótese foi verificada.

Este valor de significância, pode ser explicado de duas formas, através de uma

perspetiva estatística e de uma perspetiva contextual e desenvolvimental. No que diz respeito à interpretação estatística, assume-se que a diferença é tendencialmente significativa, uma vez que estamos a trabalhar com uma amostra reduzida, com cerca de 30 elementos por grupo. Desta forma acredita-se que a diferença observada tende a aumentar em função do aumento da dimensão dos grupos, pelo que se pode considerar que os valores médios de estruturação espaciotemporal variam efetivamente em função do abuso. Do ponto de vista

desenvolvimental, é importante considerar que este fator psicomotor inclui tarefas mais complexas que o fator anterior, algumas delas bastantes desafiantes para qualquer criança com a idade que apresenta em média a nossa amostra. Façamos referência ao subfactor

“Estruturação Rítmica”, por ter sido aquele em que se obtiveram cotações mais semelhantes entre grupos, e baixas, por norma. Esta tarefa essencialmente rítmica requer, segundo

Boscaini (2003) a integração do conceito de tempo, conceito este que envolve elevados níveis de desenvolvimento intelectual, assim como competência de integração, perceção e

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altura em que se começam a compreender de forma mais sustentada as relações espaço- tempo. Tendo em conta a idade média da amostra em estudo, compreende-se que esta tarefa constitua para ambos os grupos um desafio e que os resultados não sejam tão díspares, uma vez que os scores obtidos pelo grupo de controlo tendem a descer.

Ao analisarmos individualmente as quatro sub-tarefas que compõe a estruturação espaciotemporal, verifica-se, uma vez mais, que em todas as provas o grupo de controlo apresentou níveis de desempenho superiores ao grupo de abuso. Das quatro tarefas importa ainda fazer referência à “Estruturação Dinâmica” e à “Representação Topográfica”, por terem sido as que maiores diferenças entre grupos registaram. Ambas as tarefas se

caracterizam pela riqueza de processos envolvidos, dos quais há a destacar aspetos como a memória, de sequência visual para a primeira tarefa e da realização de um percurso através de orientação espacial memorizada, para a segunda, assim como as competências ao nível da sequencialização. Margolin e Gordis (2000) identificaram como consequências do abuso, problemas ao nível da memória, justificados por alterações hormonais provocadas pelo mau trato e a negligência, fator este que pode explicar as diferenças obtidas entre os grupos nestas tarefas. Uma outra razão que pode justificar estas diferenças prende-se com o facto das crianças vítimas de mau trato serem tendencialmente apontadas como tendo dificuldades acrescidas ao nível escolar, que envolvem competências de sequência lógica (e.g., leitura, escrita, cálculo) assim como competências ao nível da memória.

Em suma pretende-se uma vez mais realçar que, após o trabalho realizado no sentido de justificar resultados, podemos afirmar que para a amostra em estudo, a estruturação espaciotemporal variou em função do abuso, tendo-se igualmente verificado a hipótese H1.2.

Para concluir o setor das influências do abuso em ambos os fatores psicomotores – noção do corpo e estruturação espaciotemporal – importa fazer referência ao facto de que, das nove tarefas aplicadas aos participantes, em todas, ainda que nem sempre de forma

significativa, se verificou o mesmo padrão: Crianças vítimas de negligência e/ou mau trato apresentam resultados ao nível psicomotor menos positivos (inferiores) que os pares da mesma idade, que não são vítimas de qualquer prática maltratante. Deve ainda certa feita a referência, que as variáveis sociodemográficas que mostraram estar associadas ao mau trato (e.g., Tipologia Familiar e Nível Socioeconómico), não entraram como covariantes nestas análises, no entanto, a variável Nível Socioeconómico, será posteriormente analisada enquanto preditora do desenvolvimento psicomotor.

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