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1.1 Lista Aberta ―versus‖ Lista Fechada

1.1.3 Impacto sobre os Partidos

Existe certa relação entre os sistemas eleitorais proporcionais, e suas distintas modalidades de lista, e os padrões de organização, e de seleção de candidatos, nos partidos políticos. Em sistemas de lista fechada, os partidos costumam escolher seus candidatos de forma centralizada, altamente controlada, visto que o objetivo dos partidos é de que os membros da organização ajam, na arena eleitoral e legislativa, de acordo com as orientações das direções partidárias, que ordenam a lista (Klein, 2007, p. 73). Conforme Braga (2008):

O argumento é que, em um sistema eleitoral proporcional com lista fechada, os partidos têm pleno controle sobre esse processo pois, além de escolherem os candidatos que vão disputar as cadeiras parlamentares por sua legenda, também ordenam previamente a lista de candidatos. (Braga, 2008, p. 457)

A proibição do voto preferencial, no sistema de lista fechada, como dito anteriormente, diminui a necessidade de os candidatos cultivarem laços pessoais estreitos com os eleitores, e, em tese, os obriga a investirem na relação com os líderes dos partidos. A realização de primárias, nesse caso, mesmo não sendo

proibida, incentiva o cultivo de voto pessoal dentro do partido, o que torna os candidatos menos dependes dos líderes partidários, algo que contraria a lógica da lista fechada (Klein, 2007).

A necessidade de intensificação dos laços entre candidatos e líderes partidários, ao fortalecer em excesso os órgãos de direção, pode, no entanto, segundo uma visão mais crítica do sistema de lista fechada, prejudicar o grau de democracia interna dos partidos, fortalecendo o ―caciquismo‖ e criando oligarquias internas (Klein, 2007, p. 78). Da mesma forma, uma excessiva autonomização dos candidatos em relação aos eleitores, em virtude da necessidade de um alto investimento em trabalho partidário para garantir, no interior do partido, um lugar na lista, pode implicar em problemas de accountability eleitoral.

No sistema de lista aberta, os candidatos, para lograrem êxito eleitoral, precisam, de fato, estabelecer uma conexão estreita com suas bases. Porém, essa ―conexão‖ não implica, apenas e necessariamente, em clientelismo ou em políticas do tipo pork-barrel15, mas também na prestação de contas das atividades do mandato. No caso da Lista fechada, como os políticos precisam, primordialmente, investir em boas relações com o partido, existiria, na ausência de um mecanismo de accountability personalizada, um desestímulo à ligação direta entre parlamentares e eleitores, enfraquecendo, assim, o controle popular sobre os mandatos. Nicolau (2007) sintetiza esse argumento:

Em vez da ―oligarquização‖, acredito que o maior problema do sistema de lista fechada é a ausência de um mecanismo de

accountability personalizada, ou seja, uma forma de estimular

uma ligação mais direta dos representantes com os seus eleitores. Sabemos que o sistema atual tem uma série de distorções, mas os deputados são movidos pela necessidade de sempre estarem conectados às suas bases. No sistema de lista fechada, a principal motivação do deputado é cultivar o trabalho partidário (pois é este que garante a boa posição na

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Conforme Nicolau (2006a, p. 705 ), ―não existe uma relação necessária entre a lista aberta e o desenvolvimento de atividade parlamentar exclusivamente associada a atender demandas dos eleitores. Um deputado pode, por exemplo, investir esforços na vida legislativa (trabalho em comissões, liderança parlamentar, apresentação de projetos) e no reforço da reputação partidária (liderança da bancada, atividade de direção partidária).‖

lista na eleição seguinte). Por isso, o parlamentar tem muito pouco interesse de prestar contas de seu mandato à população em geral. Não esqueçamos de que o sistema também poderia ser implementado nos estados e municípios, onde a relação entre representados e representantes é ainda mais forte. (Nicolau, 2007, p.73)

De acordo com Figueiredo e Limongi (2002), segundo a interpretação tradicional, o sistema de lista aberta, por sua vez, ―enfraqueceria os partidos ao subtrair das lideranças os meios que poderiam ser empregados para punir o comportamento individualista e antipartidário dos políticos‖ (Figueiredo e Limongi, 2002, p.307). Dois efeitos podem ser derivados da ―fraqueza‖ das lideranças em disciplinar os membros do partido: o personalismo político e a alta competição intrapartidária (Tavares, 1999; 2003; Mainwaring, 1991). Tavares (1999), discutindo o impacto do sistema de lista aberta na dinâmica eleitoral, ilustra bem quais seriam as principais conseqüências do voto uninominal16:

(...) a probabilidade de eleger-se e, por via de conseqüência, a base da força parlamentar, pertencem ao candidato e dependem diretamente de suas relações com os eleitores e não da hierarquização definida por lista partidária. A primeira conseqüência consiste na competição sem tréguas entre os candidatos do mesmo partido, o que compromete irremediavelmente a coesão, a solidariedade, a disciplina, a unidade e a identidade internas do partido precisamente nos momentos de mobilização eleitoral. (Tavares, 1999)

Da mesma forma, para Mainwaring (1991), em sua discussão do caso brasileiro, o sistema de lista aberta seria responsável, pelo menos indiretamente, por um comportamento altamente individualista e antipartidário dos políticos brasileiros (Mainwaring, 1991, p. 36). Para o autor, ao contrário da maioria dos outros sistemas de representação proporcional, onde os partidos possuem mecanismos fortes para controlar e influenciar quem se elege - e aqui Mainwaring (1991) faz menção indireta aos sistemas de lista fechada ou flexível - no sistema de proporcional de lista aberta, a competição intrapartidária é a tônica do processo eleitoral:

(...) Os candidatos podem normalmente fazer

16 O autor utiliza a expressão ―voto uninominal‖ para definir a estrutura de votação em sistemas de

lista aberta. No presente trabalho adotou-se, seguindo a recomendação de Nicolau (2006c), a expressão ―voto preferencial‖.

incursões eleitorais contra seus próprios colegas de partido com maior facilidade do que contra candidatos de outros partidos. Tomar votos de um candidato de outro partido é mais difícil porque, na medida em que o eleitorado associa vagas aspirações e imagens a diferentes partidos, é menos provável que um eleitor mude para um candidato de outro partido. (Mainwaring, 1991, p. 43) 17

Nesse contexto, o sistema de lista aberta poderia causar maior imprevisibilidade na disputa eleitoral, afinal, a competição, nessa modalidade de lista, ocorre, ao mesmo tempo, entre colegas de partido e adversários, isto é, tanto no âmbito intrapartidário quanto no interpartidário. E tal nível de competitividade pode ter outro efeito: a ampliação dos gastos de campanha (Klein, 2007, p.67). Nicolau (2006a), analisando o caso brasileiro, defende a hipótese de que o alto custo das campanhas eleitorais, nas eleições para a Câmara dos Deputados, tem relação com a imprevisibilidade da disputa, pois:

No Brasil, a competição entre os candidatos de uma mesma lista tende a ser agravada pelo alto grau de incerteza que caracteriza uma eleição para deputado federal, com um número de candidatos de cada lista, em geral, muito superior ao potencial eleitoral do partido, e pela reduzida informação que os candidatos têm sobre o potencial eleitoral do partido e de seus colegas de lista. (Nicolau, 2006, p. 700)

Sendo assim, se pode sintetizar, conforme esquema proposto por Nicolau (2006), os diferentes efeitos, vantagens e desvantagens dos sistemas de lista aberta, fechada e flexível no seguinte quadro:

17 Nessa passagem, conforme interpretação de Figueiredo e Limongi (2002), Mainwaring (1991),

sem querer, acaba admitindo a possibilidade de os brasileiros votarem partidariamente, algo impensável se fossemos levar realmente a sério a interpretação do autor de que, no Brasil, o sistema eleitoral desfigura a mediação partidária.

Fonte: Quadro extraído de NICOLAU, 2006c, p. 31

Em síntese, nessa seção, buscou-se revisar, de forma sistemática, o conjunto de efeitos dos diferentes sistemas de lista no comportamento de partidos, eleitores e candidatos. Na próxima seção, focar-se-á a discussão do sistema proporcional de lista aberta no Brasil propriamente dito. Para isso, será iniciada a revisão dos principais trabalhos acerca do tema, se dando ênfase, em um primeiro momento, às produções que apontaram para os ―efeitos deletérios‖ de tal sistema eleitoral na política brasileira.

Figura 4 - Vantagens e desvantagens dos modelos de lista fechada, aberta e flexível