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Impactos de petróleo e seus derivados

No documento Manguezais: educar para proteger (páginas 31-37)

O petróleo e seus derivados são os produtos químicos utilizados em maior quantidade em t o d o o m u n d o e , p o r t a n t o , a s u a e n o r m e manipulação gera diversos problemas associados à contaminação de ambientes costeiros. O petróleo corresponde a uma mistura de milhares d e c o m p o s t o s o r g â n i c o s , p r i n c i p a l m e n t e formados de átomos de carbono e hidrogênio (hidrocarbonetos). Segundo Gesamp (1993), o aporte anual para os oceanos de hidrocarbonetos petrogênicos é de aproximadamente 2,35 x 106 toneladas. Considerando-se que a maior parte desta contaminação se dá no ambiente costeiro, tem-se uma idéia do sério problema ambiental que isto representa.

Derramamentos de óleo e seus derivados em manguezais podem provocar efeitos tanto agudos, que se manifestam a curto prazo, quanto crônicos, que irão provocar impactos obser váveis em períodos de tempo mais longos.

Venda de caranguejo uçá na região de Guaratiba.

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Antes de tentarmos delimitar os principais e f e i t o s d e d e r r a m a m e n t o s d e ó l e o e m manguezais, devemos ter em mente que as respostas do ecossistema a este impacto vão depender não apenas da quantidade derramada, mas também do tipo do produto, isto é, da sua composição. As características do óleo irão determinar a sua toxicidade e o seu tempo de permanência no ambiente podendo explicar a variedade de respostas (efeitos) de diversos manguezais, após um derramamento de óleo

Uma vez introduzidos no meio ambiente, os compostos presentes no óleo irão sofrer uma série de transformações físico-químicas. A extensão destes processos será função das características d o m a n g u e z a l e m q u e s t ã o e d a f o r m a e q u a n t i d a d e d o s h i d r o c a r b o n e t o s a l i i n t r o d u z i d o s . O s p r i n c i p a i s p r o c e s s o s envolvidos são a transferência para o sedimento, a incorporação à biota, a degradação biológica e química, a solubilização, a dispersão física e a evaporação dos compostos.

O principal efeito agudo da poluição por óleo sobre os manguezais se dá pelo fato que, uma vez que o óleo penetra no ambiente, ele recobre as l e n t i c e l a s e o s p n e u m a t ó f o r o s ( e s t r u t u r a s responsáveis pelas trocas gasosas no sistema de raízes) causando assim a asfixia dos vegetais. O b v i a m e n t e , a a l t a t o x i c i d a d e d e a l g u n s c o n s t i t u i n t e s d o p e t r ó l e o , p r i n c i p a l m e n t e r e p re s e n t a d o s p e l o s h i d r o c a r b o n e t o s p o l i a r o m á t i c o s , p o d e m a t u a r s o b re t o d a a comunidade, inclusive sobre as populações microbianas do solo, que são fundamentais na ciclagem de nutrientes neste ambiente.

Segundo Cintron & Schaeffer-Novelli (1983), a r e s p o s t a i n i c i a l d o m a n g u e z a l , a p ó s u m recobrimento por petróleo é a desfolhação (perda das folhas) total ou parcial, dependendo do grau de retenção do óleo nas raízes e no solo. Um exemplo clássico do efeito de um derramamento de óleo num manguezal do tipo franja (em contato direto com o corpo d'água principal), ocorreu em Porto Rico, onde foi observada a perda de 50 % da biomassa foliar em 43 dias e 90 % em 85 dias, perda esta que foi irreversível no mangue vermelho (Rhizophora mangle). Neste mesmo bosque também foram detectados alguns efeitos sub-letais. Nos locais atingidos por uma

m e n o r q u a n t i d a d e d e ó l e o , a l é m d e u m a desfolhação parcial, notou-se uma diminuição do tamanho das folhas e uma alta freqüência de deformações. Em Bahia Sucia (Porto Rico) houve um decréscimo de 40 % do comprimento das folhas, o que correspondeu a uma diminuição de 63 % da área foliar, afetando, certamente, a produção dos bosques atingidos.

Outros fatores que devem ser considerados na a v a l i a ç ã o d o s p o s s í v e i s e f e i t o s d e u m derramamento de óleo em um manguezal são as características geomorfológicas do bosque, que vão definir alguns tipos fisiográficos. Por exemplo, alguns manguezais ribeirinhos podem ser menos vulneráveis a derrames de óleo no mar p o i s , o f l u x o d o s r i o s t e n d e a i m p e d i r a p e n e t r a ç ã o d a m a n c h a , l o g i c a m e n t e d e p e n d e n d o d a s c o n d i ç õ e s d a m a r é . N o entanto, estes bosques seriam mais vulneráveis a d e r r a m e s n o c o n t i n e n t e o u n o p r ó p r i o estuário. Os bosques de bacia também seriam m a i s a f e t a d o s p o r d e r r a m e s q u e t i v e s s e m o c o r r i d o e m t e r r a p o i s , g e r a l m e n t e e s t ã o separados do mar por uma berma, nestes locais a freqüência de inundação pelas marés é menor. Entretanto, em períodos de marés muito altas (marés de sizígia), quando os bosques de bacia são inundados, estes poderiam ser atingidos por manchas de óleo provenientes do mar. Nos b o s q u e s d e b a c i a , q u a n d o i m p a c t a d o s , e m função das condições de circulação de água serem bastante restritas neste tipo fisiográfico, o óleo pode persistir por um período de tempo bastante prolongado, superior aos dos mangues ribeirinhos e de franja. Em relação aos bosques d o t i p o f r a n j a e i l h o t e , e s t e s s ã o m a i s vulneráveis a derrames pois, são inundados diariamente. Em geral, devido à alta circulação nestes tipos de bosques, o óleo é parcialmente retirado das raízes pelo mar. Logo, somente o c o r r e d e s f o l h a ç ã o a c e n t u a d a n a s p a r t e s interiores da franja e em locais mais protegidos onde a energia do mar é relativamente mais baixa.

Outro fator que pode determinar o efeito do óleo sobre a vegetação do manguezal é a granulometria

do sedimento. Segundo Dicks (1986), que e s t u d o u a l g u n s m a n g u e z a i s q u e s o f r e r a m derrames de óleo no mar Vermelho, os vegetais que habitavam sedimentos lamosos, que possuem uma menor permeabilidade e condições redutoras (reduz o ataque microbiano ao óleo) sofreram

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mais que aqueles em sedimentos mais grosseiros. Ainda em relação ao sedimento, outro processo que determina a persistência do óleo é a taxa de biodegradação sendo que, esta é maior na s u p e r f í c i e d o s e d i m e n t o p o i s , a a t i v i d a d e microbiana é baixa nas camadas subsuperficiais. Em profundidade o óleo pode permanecer sem alterações por anos, principalmente em regiões e s t u a r i n a s , o n d e g e r a l m e n t e a s c a m a d a s subsuperficiais do sedimento são anaeróbicas, g e r a n d o u m a d e g r a d a ç ã o m u i t o l e n t a d o s hidrocarbonetos presentes.

No combate à poluição por óleo, muitas vezes se opta pela utilização de dispersantes químicos para promover a limpeza do sedimento poluído. N o e n t a n t o , u m a s p e c t o q u e n ã o d e v e s e r ignorado é o efeito nocivo dos dispersantes sobre as árvores de manguezal. Getter et al. (1985) em estudos em laboratório observaram que as plântulas expostas a óleo e dispersante tiveram alterações no seu crescimento, respiração e transpiração. Comparando-se estes resultados com aqueles obtidos em experimentos com árvores adultas e observações de derramamentos em campo, estas também tiveram as mesmas reações que as plântulas. Estes autores ainda reportam que a partir de aplicações de três tipos d e ó l e o s , c o m e s e m d i s p e r s a n t e , q u e a s p l â n t u l a s d e m a n g u e p re t o ( Av i c e n n i a g e r m i n a n s ) e r a m m a i s s e n s í v e i s q u e a s d e mangue vermelho (Rhizophora mangle) pois, além de terem uma maior mortalidade em experimentos com concentrações sub-letais, a p r i m e i r a e s p é c i e a p r e s e n t o u u m a m a i o r anomalia no crescimento e maior mortalidade d a s r a í z e s . N o e n t a n t o , e s t e s e f e i t o s v ã o depender do tipo de óleo e do tipo de dispersante u t i l i z a d o. A s e g u i r, l i s t a m o s a l g u n s d o s principais efeitos do óleo sobre os manguezais: mortalidade das árvores; desfolhação da copa; mortalidade das raízes; rachadura nas cascas das árvores; mortalidade das plântulas; cicatrizes e p i t e l i a i s ; e x p a n s ã o d a s l e n t i c e l a s ; pneumatóforos adventícios; deformidades nas folhas/clorose; propágulos atrofiados/curvos; folhas atrofiadas; redução do número de folhas; alteração no número de lenticelas; mortalidade da comunidade epífita; asfixia dos animais; morte da fauna devido à ação sobre processos celulares e fisiológicos; alteração da permeabilidade dos organismos; alteração na densidade de moluscos;

alteração na densidade de caranguejos; mudanças na endofauna.

Além disso, o óleo pode afetar diretamente as características da dinâmica da comunidade de manguezal, sobretudo no que se refere às fases i n i c i a i s d o d e s e n v o l v i m e n t o , t a i s c o m o p r o p á g u l o s e p l â n t u l a s , m a i s s e n s í ve i s à contaminação que os indivíduos adultos. O problema de tais alterações está relacionado ao fato desses atributos determinarem a estabilidade do ecossistema em relação à manutenção das diversas populações que o compõe. Por outro lado, essas componentes iniciais, representadas por plântulas e propágulos vão determinar o potencial de regeneração do ecossistema frente a perturbações e tensores, como o próprio óleo. Po r t a n t o , f i c a c l a r a a v u l n e r a b i l i d a d e d o s manguezais aos derramamentos de óleo. No entanto, devemos considerar que dentro de um mesmo sistema como, por exemplo, a baía de Guanabara podemos encontrar comportamentos d i s t i n t o s e m t e r m o s d e s e n s i b i l i d a d e , suscetibilidade e vulnerabilidade dos diferentes trechos de manguezais. Tal variação vai ocorrer por diversos motivos, desde as características ambientais como circulação, freqüência de i n u n d a ç ã o p e l a s m a r é s , g r a n u l o m e t r i a , geomorfologia, até características associadas à proximidade e vulnerabilidade em relação às principais fontes poluidoras.

Assim sendo, devemos partir da característica de alta maleabilidade dos manguezais como um ecossistema, ou seja, através dessa característica, os manguezais possuem a capacidade de persistir estruturalmente e funcionalmente, num estado relativamente alterado, sob a influência de um tensor crônico. Essa é a situação exata que observamos na baía de Guanabara. Porém, a prin- c i p a l q u e s t ã o e s t á re l a c i o n a d a a o t e r m o "persistência", pois através de diversos estudos, observamos que muitos manguezais alterados possuem uma persistência "inicial", a qual a médio e longo prazos demonstra não ocorrer, sendo o manguezal substituído por sistemas menos complexos.

Em relação à vulnerabilidade dos manguezais, a mesma vai depender da proximidade das fontes poluidoras, da posição do bosque em relação ao

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corpo d'água principal (bosques mais internos ou mais externos), da geomorfologia da área, do nível das marés e se a fonte de óleo é marinha ( p o r e x e m p l o d e r r a m a m e n t o s n o m a r ) o u terrestre (rompimentos de oleodutos em terra). N o q u e d i z r e s p e i t o à s e n s i b i l i d a d e d o s manguezais, estes são altamente sensíveis a esse tipo de impacto. No entanto, a maior ou menor sensibilidade também dependerá dos fatores ambientais somado ao sinergismo com outros t e n s o r e s , c o m o o b s e r v a d o n a b a í a d e Guanabara.

Os manguezais são considerados ecossistemas com alto grau de resiliência. Porém, no caso dos derramamentos de petróleo e derivados, além dos fatores anteriormente mencionados, essa r e s i l i ê n c i a s e r á d i r e t a m e n t e a f e t a d a p e l a s c a r a c t e r í s t i c a s r e l a c i o n a d a s a o t e m p o d e residência do óleo no ambiente tais como: f r e q ü ê n c i a d e i n u n d a ç ã o p e l a s m a r é s , granulometria, geomorfologia, tipo de óleo, en- tre outros.

Por isso mesmo, observamos que os efeitos desses tensores sobre os manguezais são extremamente d i v e r s i f i c a d o s e v a r i á v e i s , n ã o p o d e n d o - s e d e t e r m i n a r u m p a d r ã o ú n i c o d e comportamento. Além disso, devemos destacar a s v a r i a ç õ e s d e e f e i t o s d o p o n t o d e v i s t a e s t r u t u r a l , f u n c i o n a l e d a d i n â m i c a d o ecossistema. Assim sendo, as ações no que se refere a esse tipo de tensor devem ser avaliadas cuidadosamente para cada situação específica, de forma a atingirem um resultado satisfatório e para que não agravem a situação no que diz respeito à degradação do sistema afetado. Por fim, levando-se em consideração que trata- se de um ecossistema extremamente frágil no que se refere aos derramamentos de óleo e derivados com efeitos drásticos sobre o sistema, associado a um alto tempo de residência do óleo no ambiente, um alto período para sua regeneração e as dificuldades de remoção/limpeza do óleo é consenso que tais sistemas são os mais delicados frente a tais acidentes devendo-se, daí, priorizar a proteção de tais áreas no caso de acidentes. No Estado do Rio de Janeiro estão presentes manguezais que apresentam diferentes graus de contaminação por óleo e seus derivados. Enquanto na costa Sul do Estado são encontrados exemplos de manguezais não impactados, como

os da região de Angra dos Reis e Parati; aqueles a d j a c e n t e s a o s g r a n d e s c e n t r o s u r b a n o s s e encontram sabidamente contaminados por óleo, e m b o r a l e v a n t a m e n t o s s o b r e e s t e t i p o d e poluição ainda não sejam usuais no Brasil. O exemplo mais importante da contaminação por óleo no Estado é sem dúvida a baía de G u a n a b a r a , o n d e s ã o o b s e r v a d o s p o l u i ç ã o c r ô n i c a e e v e n t o s a g u d o s r e l a c i o n a d o s a derramamentos/acidentes. Segundo a FEEMA (1991), a baía de Guanabara abriga em suas margens 16 terminais de óleo e derivados, 2 portos comerciais, 12 estaleiros, 2 aeroportos, 2 refinarias de petróleo e 2.000 postos de serviço. Estima-se que a descarga diária de p e t r ó l e o e d e r i v a d o s p a r a a b a í a s e j a aproximadamente igual a 9,5 toneladas. No entanto, até o momento, não encontramos n e n h u m e s t u d o c o n s i s t e n t e e c o m u m embasamento metodológico adequado, no que se refere à análise dos efeitos e dos danos causados pela contaminação crônica e aguda de óleo sobre o ecossistema manguezal.

Em março de 1997 vazou óleo da Refinaria Duque de Caxias atingindo o manguezal a ela adjacente. Mais recentemente, em janeiro de 2000, ocorreu um novo acidente (1 milhão e 292 mil litros de óleo) de grandes proporções na baía de Guanabara, também relacionado ao r o m p i m e n t o d e u m o l e o d u t o d a R e f i n a r i a Duque de Caxias, o qual atingiu manguezais em Duque de Caxias, São Gonçalo, Magé e Rio de Janeiro. Por ocasião desse acidente, parte da Área de Proteção Ambiental de Guapimirim foi s e r i a m e n t e a f e t a d a . C o m r e l a ç ã o a e s t e derramamento, Michel (2000) apresentou um relatório de vistoria. No entanto, no que diz respeito aos principais sistemas ecológicos afetados, entre eles os manguezais, não foi feita n e n h u m a a v a l i a ç ã o q u a n t i t a t i v a d e c a r a c t e r í s t i c a s e s t r u t u r a i s , f u n c i o n a i s e d a d i n â m i c a d o e c o s s i s t e m a m a s , a p e n a s a a p r e s e n t a ç ã o d e a v a l i a ç õ e s , p e r s p e c t i v a s e recomendações de caráter geral, extraídas de diversos estudos realizados em manguezais de todo o mundo.

Em setembro de 2000 iniciou-se um estudo mais abrangente coordenado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável visando a avaliação dos principais danos que o derramamento de óleo ocorrido em

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janeiro de 2000 provocou nos manguezais da baía de Guanabara. Contudo, este trabalho ainda não tem os dados disponíveis, o que deverá acontecer até o final do ano 2001.

A partir da atual inexistência de dados sobre a contaminação por óleo nos manguezais da baía de Guanabara, a área mais estudada do Estado do Rio de Janeiro, fica evidente a existência de uma importante lacuna no que diz respeito ao conhecimento dos nossos manguezais.

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coletânea de diplomas legais no Brasil é vastíssima e bem diversificada. Neste c a s o , v a m o s a p re s e n t a r a re l a ç ã o d a l e g i s l a ç ã o a m b i e n t a l c o m o e c o s s i s t e m a manguezal.

Breve histórico sobre o período

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