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Imperfeições no mercado de capitais e acumulação de capital humano

A segunda linha de argumentação – Galor e Zeira (1993), Galor e Moav (2004), entre outros, propõe que uma excessiva concentração de renda tenderia a reduzir o ritmo de crescimento da produtividade, ao impactar negativamente sobre a acumulação de capital humano. Para esses autores, sob condições de imperfeições no mercado de crédito, uma maior desigualdade implicaria a existência de uma maior parcela da população cujos níveis de renda seriam insuficientes para o acesso a uma maior escolaridade e qualificação, levando a uma menor taxa global de acumulação de capital humano da economia.

Dessa forma, as proposições de Galor e Zeira (1993) partem de duas hipóteses distintas. Primeiramente, o mercado de crédito é considerado como imperfeito, no sentido de que a taxa de juros para o tomador supera a taxa recebida pelo emprestador, em função do custo dos mecanismos utilizados para evitar/reduzir a inadimplência.

Além disso, a obtenção de um maior nível de escolaridade/capital humano não apenas depende da capacidade de cobertura dos custos do acesso à educação, como também impossibilita ou reduz a possibilidade de obter renda através do trabalho ao longo de grande parte do período, resultando, portanto, na existência de uma indivisibilidade. Dessa forma, essa última atuaria como um custo fixo, gerando barreiras à entrada para a acumulação de capital humano.

Paralelamente, o acesso ao mercado de crédito poderia ser dificultado não apenas em função de uma maior taxa de juros, mas também através da exigência de um colateral, que impossibilitaria a aquisição de crédito aos indivíduos com menor estoque de riqueza. Dessa forma, se a renda inicial do indivíduo é insuficiente e tais recursos não podem ser captados no mercado de capitais, uma parcela da população seria impedida, através de tais limitações, de alcançar seu potencial máximo em termos de acumulação de capital humano.

Uma segunda hipótese se refere à existência de retornos decrescentes para o capital humano no âmbito individual. Como resultado, o bloqueio do acesso à educação para uma ampla parcela dos indivíduos resultaria em um menor nível de produtividade para a economia como um todo, pois excluiria exatamente aqueles para os quais seria maior o retorno marginal do capital humano.

Embora Galor (2000) compartilhe da visão proposta pela abordagem “clássica”, – que enfatiza o efeito positivo da desigualdade sobre o crescimento econômico, pela via de uma maior propensão a poupar – o referido autor argumenta que tal visão se aplicaria principalmente a economias em estágios iniciais da industrialização, nos quais a acumulação de capital físico seria mais importante.

Entretanto, o próprio processo de desenvolvimento econômico seria responsável por elevar a acumulação de capital humano ao status de principal motor do crescimento econômico. Nesse sentido, Galor e Moav (2004) propõem uma “visão unificada” para a relação entre desigualdade e crescimento, a qual seria inicialmente positiva, se invertendo à medida em que avançasse o processo de desenvolvimento.

Essa abordagem pode ser considerada a mais aceita na literatura recente, no que tange à relação negativa entre desigualdade e desenvolvimento27. Além disso, ela se associa à abordagem “institucionalista”28, na medida em que alguns autores argumentam que uma menor desigualdade favoreceria o surgimento de instituições que promovem a acumulação de capital humano, particularmente aquelas destinadas à universalização da educação, como a criação de escolas públicas29 (Galor et al., 2009).

Para Galor et al. (2009), o grau de concentração da terra, verificado nas fases iniciais do processo de industrialização, estaria negativamente correlacionado ao surgimento de instituições promotoras da educação. Tal conclusão parte da hipótese de que, embora a acumulação de capital humano seja benéfica para a indústria, esta seria inócua ou até mesmo prejudicial no caso do setor agrícola. Dessa forma, não haveria incentivos econômicos, por parte dos proprietários de terra, para a adoção de medidas que visassem um acesso mais amplo à educação, como o estabelecimento de escolas públicas.

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É possível uma visão alternativa a respeito dessa abordagem. Pode-se argumentar que a causa fundamental do problema – baixa acumulação de capital humano – estaria não na desigualdade em si, mas sim na ausência de mobilidade social que caracteriza as economias mais desiguais. De fato, a concentração de renda poderia ser considerada, na verdade, uma implicação desse último problema, na medida em que é razoável se supor que, em uma economia com amplo acesso à acumulação de capital humano – o que supõe não apenas escolaridade, mas também qualidade –, uma alta desigualdade inicial tenderia rapidamente a se reduzir.

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A busca de uma simbiose entre as abordagens institucionalistas e do “capital humano” se representa em um esforço de consolidação teórica alcunhada, pelos seus defensores, como a “perspectiva moderna” da relação entre desigualdade e desenvolvimento. Os principais trabalhos nessa perspectiva foram reunidos em uma coletânea intitulada “Inequality and Economic Development: the modern perspective” (Galor, 2009).

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Embora o referido trabalho tenha enfatizado o acesso à educação, os autores argumentam que também poderiam ser consideradas, nessa perspectiva, tanto a regulação do trabalho infantil quanto a abolição do regime de escravidão.

Como enfatizado pelos autores, nessa perspectiva, a decisão a respeito da adoção de políticas promotoras da acumulação de capital humano baseia-se em um conflito de interesses entre proprietários e não-proprietários de terra. Dado que, para o setor agrícola, o custo derivados de tal política provavelmente superariam os benefícios dela resultantes – dado o menor retorno ao capital humano nesse setor –, a probabilidade de sua implementação seria tanto menor quanto maior fosse a influência política da classe mencionada. Conseqüentemente, se uma maior concentração da terra resulta em um maior poder político por parte da classe proprietária, tal fator seria prejudicial ao crescimento econômico ao bloquear o desenvolvimento de instituições que favorecessem um amplo acesso à acumulação de capital humano.