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IMPLEMENTAÇÕES DA EMENDA CONSTITUCIONAL 45/2004 E DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE

3. O SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

3.1.2. IMPLEMENTAÇÕES DA EMENDA CONSTITUCIONAL 45/2004 E DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE

Independentemente de ser apenas a decisão de um único julgado como no common law ou de ser a junção genérica de diversos julgados, a aceitação da jurisprudência como fonte formal de direito é tema de diversas discussões, especialmente no civil law, sistema adotado pelo Brasil.

Os problemas jurídicos repetem-se nos mais diversos recantos do mundo. O ser humano é muito parecido, seja ele japonês, norte-americano, índio, judeu, ateu, brasileiro. A solução desses problemas variará, obviamente, conforme os modelos teóricos e os aspectos culturais de cada país. Assim, por exemplo, os problemas relacionados à boa-fé processual são resolvidos nos Estados Unidos pela cláusula do devido processo legal; na Alemanha, pela expansão do § 242 do BGB (Código Civil alemão) aos “domínios não-civis”, e assim sucessivamente.

Muitas vezes a discussão doutrinária é puramente terminológica. A questão da ilicitude do comportamento contraditório, por exemplo, foi, na Alemanha, resolvida pelo desenvolvimento da proibição do venire contra factum proprium; na Espanha e na Argentina, pela doctrina de lós actos próprios; e nos países do common law, pelo estoppel. (...) Trata-se da mesma solução, com nomes e pressupostos teóricos diversos.

A observação é muito importante.

O Direito brasileiro, como seu povo, é miscigenado. E isso não é necessariamente ruim. Não há preconceitos jurídicos no Brasil: busca-se inspiração nos mais variados modelos estrangeiros, indistintamente. (...) Enfim, para bem compreender o Direito processual civil brasileiro contemporâneo não se pode ignorar essa circunstância: é preciso romper com o “dogma da ascendência genética”, não comprovado empiricamente, segundo o qual o Direito brasileiro se filia a essa ou àquela tradição jurídica.183 Para Sergio Pinto Martins, a verdadeira fonte de direito é a legislação e a jurisprudência apenas mostra como os tribunais aplicam as leis:

182 ROSS, Alf. Direito e Justiça. São Paulo: Edipro, 2000.

183DIDIER JÚNIOR., Fredie, Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual

80 A doutrina e a jurisprudência também exercem importante papel, ao analisar as disposições processuais trabalhistas, mas a verdadeira fonte é a legislação. A jurisprudência não pode ser considerada como fonte do direito. Ela não se configura como regra obrigatória, mas apenas o caminho predominante em que os tribunais entendem de aplicar a lei, suprimindo, inclusive, eventuais lacunas desta última.184

Tal posição apresentada por Sergio Pinto Martins demonstra, como exemplo, que súmula do Tribunal Superior do Trabalho não é fonte de direito, mas apenas demonstra como o tribunal aplica a lei, sendo assim, a súmula é o modo pelo qual o tribunal entende tal norma legal, ficando de base para as instâncias inferiores pois se torna direcionadora para o julgamento de casos análogos.

Para Alf Ross, assim como para os outros realistas, o direito é fato social. Eles entendem que a jurisprudência é, sim, fonte de direito assim como a lei, pois sendo o direito fato social e por conta das leis, seja devido ao seu caráter genérico ou ao lapso temporal de sua criação até sua aplicação, não conseguirem garantir plenamente a aplicação do direito, cabe ao magistrado não apenas adequar a lei, mas também ter capacidade de complementá-la se preciso for.

Nesse sentido entende-se que quando a demanda versa sobre assunto anteriormente já jurisdicionado, é cabível a aplicação de jurisprudência, ou súmula, como fonte formal de direito para julgar o caso semelhante naquilo em que for compatível. E no presente trabalho adotamos a corrente realista do pensamento de Alf Ross, considerando súmula como fonte de direito, tendo em vista a necessidade da justiça trabalhista rapidamente se adequar as mudanças sociais nas relações de trabalho.

Com a Emenda Constitucional n. 45/2004, surge a súmula vinculante que, diferentemente das ações direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade, “não se estará diante do mesmo tipo de processo objetivo”, pois não se terá um processo subjetivo, entre partes e nem um processo objetivo nos moldes do controle concentrado.185

184 MARTINS, Sergio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 36ª ed. São Paulo: Atlas, 2016., p. 121. 185 NUNES, Jorge Amaury Maia. Segurança jurídica e súmula vinculante. São Paulo: Saraiva, 2010.

81 Incorporada pela Emenda Constitucional 45 de 2004, a súmula vinculante, inscrita no artigo 103-A da Constituição Federal186, tem o condão de invalidar atos

normativos que contrariem as disposições destas súmulas.

O procedimento para edição das súmulas vinculantes possui alguns requisitos:187

a) a legitimidade para propor o debate sobre a súmula;

b) necessidade de haver reiteradas decisões sobre matéria constitucional; c) controvérsia atual entre os órgãos do judiciário ou entre esses e a Administração Pública e;

d) a edição das súmulas tem por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas.

Já expomos as características e diferenças entre o civil law e o common law, porém, para discutir a vinculação das súmulas trazidas na emenda constitucional, se faz necessário o destaque dos seguintes pontos.

O fato marcante no sistema romano-germânico é a compilação e a codificação em ‘textos harmônicos, normas costumeiras, normas escritas esparsas, decisões jurisprudenciais e doutrinárias […]”. Em sua, há uma tentativa do direito de prever situações e definir normas escritas para sua solução.188

186 “Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1º. A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º. Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º. Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso”

187 NUNES, Jorge Amaury Maia. Segurança jurídica e súmula vinculante. São Paulo: Saraiva, 2010. 188SOARES, Guido Fernando Silva. Common law, introdução ao direito dos EUA. São Paulo: RT, 2000, p. 27.

82 Em contraponto direto, no sistema do common law as regras existem para resolver o processo e não para serem abstratas ou para o futuro, o que “permite aos Tribunais, na sua tarefa de distribuir justiça, definir regras abstratas do Direito”.189

Entretanto, quanto a comparação entre o sistema utilizado no Brasil e a doutrina norte-americana do stare decisis, há a necessidade de destacar que não há identidade entre tais doutrinas, sendo distintas em razão de nosso sistema ser baseado em jurisprudência e não em casos paradigmáticos, ressaltando a clara diferença já apontada entre os sistemas jurídicos.

Pelo fato de nosso sistema ser baseado em jurisprudência e não em casos paradigmáticos (ou precedentes da teoria do stare decisis) e da consequente falta de distinção nítida entre ratio decidendi e obter dictum; pela ausência de técnicas de cancelamento e de revisão à disposição dos juízes de primeira e segunda instâncias, tais como o overruling e o distinguishing” não há identidade entre o sistema utilizado no Brasil e a doutrina norte-americana do stare decisis.190

Passando à análise do Código de Processo Civil de 2015, resta claro que este tem por diretriz a efetividade da tutela jurisdicional com segurança: eficiência e segurança jurídica.

Esse código de processo apresenta diversos dispositivos que reafirmam a tendência de vincular as decisões aos Tribunais, e até mesmo magistrados, com intuito de garantir a celeridade, segurança e isonomia.

Essa principal mudança demonstra que o legislador teve a clara intenção de determinar o respeito ao precedente jurisprudencial, da mesma forma como é no common law.

Nesse sentido, importante destacar, a título de exemplo, o teor do artigo 932191,

especialmente no que tange sei inciso IV:

IV – negar provimento a recurso que for contrário a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

189 Idem, pp. 14-15.

190 COSTA, T. M. B. da. Súmula Vinculante: elemento acirrador da tensão entre o controle de constitucionalidade brasileiro e a democracia. Dissertação (Mestrado em Direito). Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012, p. 268.

83 b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

As regras trazidas pelo código preveem a obrigatoriedade de observância do precedente judicial no sistema normativo brasileiro, visando assim maior segurança jurídica e efetividade, a fim de evitar decisões de juízes monocráticos que violem as decisões de tribunais superiores.

A tese jurídica fixada por estes tribunais, resultado de incidente, será aplicada no território nacional a todos os processos individuais e coletivos que versarem sobre idêntica questão de direito. Nos processos sobrestados, mas que ainda não foi proferida sentença, o juiz deverá julgar aplicando a tese fixada. Já nos processos já sentenciados, com decisão impugnada, o tribunal julga o recurso como prejudicado, se a decisão impugnada estiver de acordo com a tese firmada, ou devolverá os autos ao juiz para adequar sua decisão ao entendimento fixado, nos casos em que a decisão encontra-se em desacordo.192

Todos esses exemplos, não apenas de permissão, mas de normatização da existência de sistema de vinculação a decisões já proferidas por outros órgãos ou no passado, tal como se verificou no direito inglês, por meio do sistema dos precedentes demonstra uma adaptação do sistema normativo brasileiro. Entretanto, observa-se que a adoção de tais mecanismos não possibilita a conclusão de que o direito brasileiro adota o sistema dos precedentes conforme os ditames do modelo da common law, porque, tradicionalmente, o Brasil adota o sistema civil law em que a importância da jurisprudência deve ser levada em conta em relação à lei. 193

Uma das maiores críticas ao civil law é a suposição de que o juiz não está vinculado às decisões jurisprudenciais, nem dele mesmo, nem do tribunal em que atua, nem mesmo aos tribunais de competências superiores. Tal ideia erronia aplicada ao civil law, é o que o CPC de 2015 pretende extinguir ao declarar expressamente a obrigatoriedade da observância do precedente. Nesse sentido, expõe Marinoni:

Como é óbvio, o juiz ou o tribunal não decidem para si, mas para o jurisdicionado. Por isso, pouco deve importar, para o sistema, se o juiz tem posição pessoal, acerca de questão de direito, que difere da dos tribunais que lhe são superiores. O que realmente deve ter significado é a contradição de o juiz decidir questões iguais de forma diferente ou decidir de forma distinta

192WAMBIER et al. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 219.

193 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – O precedente judicial e as súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

84 da do tribunal que lhe é superior. O juiz que contraria a sua própria decisão, sem a devida justificativa, está muito longe do exercício de qualquer liberdade, estando muito mais perto da prática de um ato de insanidade. Enquanto isto, o juiz que contraria a posição do tribunal, ciente de que a este cabe a última palavra, pratica ato que, ao atentar contra a lógica do sistema, significa desprezo ao Poder Judiciário e desconsideração para com os usuários do serviço jurisdicional.

É chegado o momento de se colocar ponto final no cansativo discurso de que o juiz tem a liberdade ferida quando obrigado a decidir de acordo com os tribunais superiores. O juiz, além de liberdade para julgar, tem dever para com o Poder de que faz parte e para com o cidadão. Possui o dever de manter a coerência e zelar pela respeitabilidade e pela credibilidade do Poder Judiciário. Além disso, não deve transformar a sua própria decisão, aos olhos do jurisdicionado, em um “nada”, ou, pior, em obstáculo que tem que ser contornado mediante a interposição de recurso ao tribunal superior, violando os direitos fundamentais à tutela efetiva e à duração razoável do processo. De outra parte, é certo que o juiz deixa de respeitar a si mesmo e ao jurisdicionado quando nega as suas próprias decisões. Trata-se de algo pouco mais do que contraditório, beirando, em termos unicamente lógicos, o inconcebível.194

O entendimento diverso sobre a questão dos precedentes é de longa data e bastante debatido, sendo que o Código de Processo Civil de 2015 vem como um paradigma para definir uma nova era de tese jurídica no Direito brasileiro.

Mesmo diante de argumentações contrárias, a utilização dos precedentes que já estava crescendo a cada dia, se torna obrigatória para todo o sistema, não podendo ser ignorada.

De toda forma, não há mais como negar que estas implementações tem uma clara finalidade de direcionar o sistema jurídico brasileiro sob o molde da eficiência e da segurança jurídica.

O enquadramento em decisões de tribunais superiores, como o uso de julgamento de demandas repetitivas e outros institutos, mostram uma tentativa de desafogar o judiciário sobrecarregado, e criar um processo mais célere.

A garantia constitucional é foco é a duração razoável do processo. Entretanto, assim como não é possível padronizar as decisões com base em um único caso, não é possível padronizar para todos os processos a mesma duração razoável.

Não se nega que uma prestação judicial morosa, por vezes se torna ineficiente. Um claro exemplo é de uma ação trabalhista em que o reclamante vencedor tem direito ao recebimento de uma indenização em razão de uma doença ocupacional. A empresa condenada apresenta diversos recursos, que em razão do volume de

194 MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e common law e a necessidade de respeito as precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, nº 49, 2009.

85 trabalho são demasiados demorados para serem processados e julgados, anos após ter seu direito reconhecido, recebe os valores, mas em razão da demora o reclamante já faleceu e a indenização vai para seus filhos. Não obstante ao direito dos autores, mas a indenização deixou de cumprir seu papel de reparar o dano causado ao reclamante.

Ainda assim, uma ação onde se usa decisões modelos e genéricas, pois não há tempo de analisar o processo com a diligência necessária, faz com que muitas vezes haja uma solução eficiente, mas ineficaz.

Mas urge que se passe a refletir se, em nome desse princípio, devemos deixar de lado os demais direitos e garantias processuais insertos na constituição federal. É mais vantajoso ter um processo rápido ou um processo em que se possa ter segurança jurídica de que um mínimo de garantias constitucionais será respeitado. A celeridade a qualquer preço não deve ser o objetivo a ser alcançado pelo Poder Judiciário. De fato, não se pode admitir que a tutela jurisdicional seja prestada de qualquer maneira, com desapego total à forma e deixando de lado a garantia de um processo justo apenas para obtê-la de forma célere.

Na verdade, buscar a razoável duração do processo é tarefa muito mais árdua e complexa do que simplesmente pretender obter um processo célere apenas com o enxugamento de incidentes e técnicas processuais garantidoras do acesso à justiça e do contraditório e ampla defesa. O Judiciário deve primar por garantir a eficácia dos direitos e garantias fundamentais, proferindo decisão rápida e justa e, assim, cumprindo o princípio da duração razoável do processo para, em consequência, buscar a harmonização social. É preciso entender que um processo moroso, prolongado indevidamente além do tempo necessário, é processo também injusto.195

Considerando um caso semelhante, temos a experiência italiana referente à duração razoável do processo. Em razão da excessiva morosidade do judiciário italiano, muitos cidadãos passaram a ingressar com ações de reparação na Corte Europeia, o que criou uma enorme pressão para a Itália. Foi então criada uma lei para que os cidadãos pudessem pedir indenização para o próprio judiciário italiano, criando uma pressão no próprio juiz para acelerar o processo.

Em nossa visão, não se pode entender que a duração razoável de um processo possa superar a necessidade de uma efetiva prestação jurisdicional. Apenas uma análise sob a ótica de eficiência, analisando o judiciário através dos números de processos que são julgados e arquivados não demonstra que foi dada uma solução.

195AURELLI, Arlete Inês. Normas fundamentais no Código de Processo Civil brasileiro. Revista dos Tribunais. Revista de Processo: RePro, São Paulo, v. 42, n. 271, p. 19-47, set. 2017.

86 De nada serve um processo rápido que não solucione o problema apresentado ao judiciário. Como também um processo em que seja dada uma solução em um tempo que não vai seja viável aquela solução não é justa com o jurisdicionado. A duração razoável do processo é aquela em que demore o tempo necessário para que a solução seja efetiva na solução do problema apresentado e em tempo hábil para que tal solução possa resolver o problema. Isso é prestação jurisdicional eficaz que traz justiça.