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CAPÍTULO 2 OS DIREITOS SOCIAIS INSERIDOS NO ROL DOS DIREITOS HUMANOS

2.2 A importância dos direitos sociais

O Direito Social (representado por um conjunto de normas voltadas à tutela e condições de oferta e concretização dos interesses (individuais e coletivos) e à proteção social do trabalhador), muito embora encontre críticas quanto ao seu reconhecimento78, a seu turno, evidencia, a seu turno, a convergência do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário, como resultado de um ambiente de crise social sentida a partir da década de 70.

Um dos fundamentos para o fortalecimento do Direito Social é apresentado por Ilídio das Neves, quando resumindo as razões daqueles que advogam a existência desse direito, faz registrar:

Nesse sentido, têm sido considerados relevantes para caracterizar essa convergência vários acontecimentos, de certo modo novos, que sumariamente se referenciam.

1) Em primeiro lugar, tem vindo a manifestar-se a afirmação das políticas de desenvolvimento do emprego e de melhoria das condições de trabalho, a reclamar tanto medidas laborias como de proteção social e sobretudo, maior interligação em certas situações. É o que acontece nas situações, cada vez mais reclamadas, de interligação funcional da proteção no desemprego e dos programas de promoção activa do emprego, bem como da protecção nas incapacidades laborais e da promoção da saúde e segurança no trabalho. (sic) 79

E mais adiante, o autor português, em alusão à doutrina francesa e à sua convicção sobre a importância e existência do Direito Social, imputa a Lyon-Caen e Tilhet-Pretnar80 a afirmação, para nós oportuna, de que a linha de fronteira entre os dois ramos de direito (trabalhista e de segurança social) se tornou tão difícil de

78

NEVES, Ilídio das. Direito da Seguridade Social – princípios fundamentais numa análise prospectiva. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p.106/108.

79

Ibid, p.105.

80

estabelecer, que é preferível optar pela fusão mais do que pela divisão, mesmo com o risco de ter que definir as particularidades que subsistem aqui e além.

Advertimos que os elementos interligando os dois ramos do direito não representam para nós a prevalência de um sobre outro, como já deixamos assentado em diversas passagens deste estudo, a ponto de defendermos a sua fusão, como o fazem os autores franceses referidos.

Até mesmo porque concordamos com o autor lusitano citado, quando aponta em sua obra elementos suficientes para a autonomia do Direito de Segurança Social, nele inserido o Direito Previdenciário, face ao Direito do Trabalho. E, no curso de nosso estudo, procuramos, assim como ele, tornar evidente que muitos outros elementos os distanciam quanto à natureza jurídica, princípios e a estrutura da própria relação jurídica que exteriorizam.

Contudo, buscamos demonstrar a importância que juntos representam para a estrutura de uma sociedade, e que a confluência de suas disposições mostra-se não apenas adequada mais necessária para que se possa extrair do ordenamento positivo brasileiro uma eficácia mais consentânea com os ideais de proteção social e de direitos humanos.

Não há como atingir o comando constitucional de alcance e promoção da dignidade humana, eleita pela sociedade brasileira como sobrevalor, sem a conjunção dos direitos sociais do trabalho e de previdência social.

Dâmares Ferreira, em artigo publicado pela Revista de Previdência Social, assevera que a previdência social materializa-se como instrumento da dignidade da pessoa humana. Traduzindo o artigo 1o, da Lei de Benefícios da Previdência Social,

dispõe que a sua finalidade é assegurar os “meios indispensáveis à manutenção do segurado”, como condições mínimas de vida81.

Marcus Orione Gonçalves Correia82 vai além, para deixar inconteste que não se pode aceitar políticas de Estado tendentes a reduzir os mecanismos de proteção previdenciária atual a níveis inferiores, pois vê as conquistas como disposições constitucionais afirmativas de patamar de civilização, incorporadas ao direito.

Não sem outra razão o valor do trabalho para a nossa sociedade, da mesma forma que a dignidade da pessoa humana, tem lugar de destaque no foro constitucional, merecendo do Professor Wagner Balera83 a advertência no sentido de que tudo o que impede o trabalho do homem, projeto de vida para ele, afeta por

igual o Estado, na medida em que crie obstáculos à concreção de um dos fundamentos deste último: o valor social do trabalho (art. 1o, IV, da Constituição de 1988).

Assim, jamais poderia o trabalho ser elevado à condição de ordenador da sociedade sem que as garantias de que ele se realize de forma digna sejam eficientes e eficazes, já que, na forma do artigo 193, da Constituição Federal, constitui-se no primado da ordem social.

Expoente estudioso da Ciência Jurídica Trabalhista, Amauri Mascaro Nascimento, ao discorrer comparativamente sobre a importância das normas convencionais e das normas estatais, esclarece:

A legislação é o veículo da concretização do princípio protetor. Os direitos fundamentais do trabalhador devem ser assegurados pela lei. Os direitos humanos sociais têm, como fundamento, a necessidade de estabelecer garantias mínimas e inderrogáveis que a negociação coletiva nem sempre pode assegurar. Existem direitos trabalhistas

81

Previdência Social, Instrumentalização da Dignidade da Pessoa Humana, revista n.252, nov/2001, p.802/813.

82

Revista de Previdência Social, A Previdência Social como Conquista da Civilização, n.284,jul/2004, p.589/590.

83

que não podem ser entregues à liberdade convencional. Não se situam no âmbito próprio da autonomia coletiva dos particulares. Interessam a toda a sociedade, como direitos de ordem pública: o direito a proteção da integridade física, da saúde, do descanso, a liberdade de trabalho, de consciência, de convicção política, são garantidos pela legislação.84

Adotando essa linha de raciocínio, ousamos ir além das proposições de Mascaro Nascimento, para sustentar, com apoio nas razões até aqui expostas, que a exigência legalista de determinadas matérias sociais não estão imunes à ação direta dos particulares apenas por cuidarem de disposições inderrogáveis ou de ordem pública. Essa explicação satisfaz talvez a análise formal das normas de proteção quando confrontadas com a ação derrogadora das partes no caso concreto.

O questionamento que propomos concentra-se no fato de tais normas de proteção do trabalhador figurarem-se, no âmbito material, como verdadeiros patrimônios da civilização, e, assim, a sua inderrogabilidade provém não apenas da confrontação formal da norma que a contempla frente outros interesses privados, mas da sua constituição com direito social da humanidade.

Superadas as constatações de que o Direito Social não deve sucumbir ao intento econômico, mantendo-se seguro e a salvo de manobras sequiosas que procurem retirar-lhe o assento constitucional, estando sim seus desideratos encampados como conquistas da humanidade, ingressemos no questionamento sobre a possibilidade da conjugação dos ramos previdenciário e trabalhista frente à dicotomia público-privado a representar a natureza jurídica das normas de um e outro.

E, se vencida essa etapa, aí sim nos voltaremos ao cerne destes estudos, valorando como a incapacidade laboral e a aposentadoria espontânea repercutem

84

sobre o contrato individual de trabalho, ou, melhor dizendo, como acreditamos que deveriam repercutir, e as suas justificativas.

Recordamos que as discussões sobre as repercussões propostas partem de dois enfoques primaciais sobre a incapacidade laboral e a aposentadoria espontânea, notadamente a partir dos efeitos que podem produzir sobre o contrato individual de trabalho: o primeiro analisado à luz do texto constitucional, de como se conjugam nele as normas de proteção social e a importância de sua preservação nessa seara; e o segundo à luz dos direitos humanos, como resultado de um avanço civilizatório na manutenção da dignidade humana do trabalhador, através dos meios indispensáveis à sua subsistência, conforme se afiguram as regras previdenciárias.

A partir desses dois enfoques é que justificaremos a suspensão do prazo prescricional pelo período em que o trabalhador deixa de prestar serviços em razão da incapacidade para o trabalho e passa a receber o benefício previdenciário em substituição aos seus rendimentos.

Sob as mesmas pilastras, sustentaremos que a aposentadoria espontânea não mais se configura como causa extintiva do contrato de trabalho, mas sim como um direito autônomo à relação dele com o empregador. Mais que isso, pois como um direito consagradamente da civilização não pode o seu exercício transformar-se em ferramenta de redução de suas garantias contratuais frente a esse mesmo empregador.

A constatação de a proteção ao trabalho estar normatizada a partir do Texto Constitucional revela uma preocupação inconteste da sociedade brasileira com os desígnios da pessoa que o executa.

Ousamos defender que essa proteção estende-se ainda mais, uma vez que as disposições de proteção social permitem a realização de uma interpretação que

acoberte o trabalhador não apenas enquanto individuo dessa sociedade constitucional, mas enquanto ser humano, detentor de uma dignidade a ser mantida imperiosamente sob limites mínimos consagrados por uma comunidade macro estatal.

Maximiliano adverte que os juristas romanos, longe de se aterem à letra dos

textos, porfiavam em lhes adaptar o sentido às necessidades da vida e às exigências da época.85 Em outra passagem de seus estudos, ao elucidar a influência e importância dos fatores sociais para a melhor exegese do texto da lei, deixa registrado:

O Direito constitui apenas um fragmento da nossa cultura geral, que é particular e inseparavelmente ligada às correntes de idéias e necessidades éticas e econômicas. Não basta conhecer os elementos lógicos tradicionais: opte-se, na dúvida, pelo sentido mais consentâneo com as exigências da vida em coletividade e o desenvolvimento cultural de um povo; atenda-se também à praticabilidade do Direito.86

Jacques Maritain87 esclarece que a pessoa humana é um todo aberto, pois, por sua natureza, ela tende à vida social e à comunhão, e explica:

Assim acontece não somente em virtude das necessidades e indigências da natureza humana, em razão das quais cada um tem necessidade dos outros para sua vida material, intelectual e moral, mas também por causa da generosidade radical inscrita no próprio ser da pessoa, e por ser espírito aberto às comunicações da inteligência e do amor, o que exige a relação com outras pessoas. Falando de maneira absoluta, a pessoa não pode estar só. O que ela sabe, quer transmitir; e a si mesma ela quer afirmar-se a quem, se não a outras pessoas? Pode-se dizer com Jean-Jacques Rousseau que o hálito do homem é mortal ao homem; e com Sêneca: toda vez que estive entre os homens, voltei menos homem. Isto é verdade – e por um paradoxo fundamental, não podemos todavia ser homens e tornarmos-nos homens, sem viver no meio dos homens; não podemos fazer crescer em nós a vida e a atividade sem respirar o mesmo ar que os nossos semelhantes.

85

Hermenêutica e Aplicação do Direito, 16ed. Rio de Janeiro:Forense, 1996.p.157.

86

Op. cit., p.158.

87

Eis as premissas postas à reflexão: o trabalhador enquanto ser integrante de sua sociedade, e para o qual essa mesma sociedade dispensa-lhe uma gama de proteção enquanto agente de organização social, a se estabelecer pelo exercício de suas responsabilidades dentro dessa mesma sociedade. A par dessa condição, a humanidade lhe reconhece como indivíduo trabalhador, como atributo da sua personalidade, direitos que preservam a sua dignidade em patamar mínimo eleito, sem o qual estaria violado o seu atributo humano.

CAPÍTULO 3. A POSSÍVEL E NECESSÁRIA CONJUGAÇÃO ENTRE O DIREITO