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O conhecimento que se tem sobre a organização, estrutura dos genes e a regulação da síntese dos alérgenos de veneno ainda é muito escasso e dos poucos trabalhos já realizados, resultados muito interessantes foram obtidos. Um estudo realizado por Pantera et al. (2003) mostrou, através do alinhamento de seqüências de aminoácidos do alérgeno antígeno 5, a existência de uma similaridade de 85% entre os subgêneros de Polistes européias e norte-americanas, sendo esta, de 98% dentro do mesmo subgênero, em seu estudo realizado com os venenos de Polistes gallicus

(espécie européia) e de Polistes annularis (espécie norte-americana). A existência de epítopos específicos nas moléculas de antígeno-5 de ambas as espécies pode explicar a reatividade cruzada parcial encontrada entre os venenos de Polistes européias e norte- americanas e sugere que, o uso de venenos de Polistes européias pode melhorar o diagnóstico específico e a terapia em pacientes europeus e norte-americanos que sejam sensíveis às Polistes européias.

Segundo Fitch et al. (2006), os venenos de Polistes norte-americana e européia apresentam reatividade cruzada incompleta, pois, eles também apresentaram 86% de identidade de seqüência de cDNA correspondente às proteínas do antígeno 5 de Polistes

dominulus e de Polistes exclamans Com base nestes dados e nos estudos já realizados

sobre o antígeno 5 eram esperados resultados de um maior grau de reatividade cruzada entre elas. As proteases destes venenos também apresentaram um baixo grau de identidade de seqüências. A protease de P. exclamans provocou uma produção significativamente mais baixa de IgE do que a protease de P. dominulus, enquanto que, o antígeno 5 do veneno de P. exclamans se mostrou mais potente do que o mesmo alérgeno de P. dominulus. Modelos tridimensionais foram gerados e comparados e os resultados levaram à conclusão de que a reatividade cruzada incompleta entre os venenos destas espécies resulta de diferenças na superfície da estrutura das moléculas dos alérgenos, que levam a variações quanto ao grau de imunogenicidade das proteases e dos antígenos 5 dos venenos.

Outro estudo realizado por Pirpignani et al. (2002) determinou aspectos estruturais e imunológicos do antígeno 5 de Polybia scutellaris, uma espécie encontrada na América do Sul. Até então, a maior parte desses estudos tinha sido feito com espécies da América do Norte e Europa. Foram realizados ensaios da degranulação de mastócitos e da mensuração da resposta IgE em ratos, utilizando tanto o veneno quanto a proteína purificada. Através destes ensaios foi possível concluir que o antígeno 5 de P.

scutellaris é uma variante que promove uma resposta IgE reduzida bem como baixa

atividade anafilática. Os dados obtidos a partir da seqüência dessa proteína em P.

Scutellaris, mostram uma similaridade de 72,5 a 90,3 % dessa seqüência com as

estruturas primárias, já determinadas, dos membros da família de antígenos 5 de vespídeos.

King et al. (1996) clonaram e expressaram os outros dois importantes alérgenos do veneno de Vespula vulgaris, a hialuronidase e a fosfolipase, que contêm 300 e 331 resíduos de aminoácidos respectivamente, e mostram 67 e 92% de identidade de seqüências com seus homólogos em Dolichovespula maculata. Testes com alérgenos de vespídeos indicam reatividade cruzada parcial entre suas formas homólogas, em diferentes espécies, verificando-se uma maior reatividade cruzada entre os alérgenos do veneno de vespões com os de V. vulgaris do que entre os de vespões e de V. vulgaris quando testados individualmente com os de outras espécies. A ordem de reatividade cruzada dos três alérgenos de vespídeos pode ser assim estabelecida: - hialuronidase> Ag 5> fosfolipase - sendo que, epítopos contínuos (lineares) mostram maior índice de reatividade cruzada do que epítopos descontínuos (não-lineares e dominantes na maioria dos alérgenos de vespídeos), ressaltando-se assim, a grande importância do conhecimento da conformação tridimensional da molécula alergênica, na seleção de venenos para a realização do processo de imunoterapia em pacientes com sensibilidade a múltiplos vespídeos.

King et al. (2000), ainda estudando alérgenos comuns aos venenos de abelhas, formigas e vespas determinaram que os alérgenos que apresentam identidade de seqüências abaixo de 70%, raramente têm níveis detectáveis de reatividade cruzada.

Um enfoque bastante utilizado para se obter e melhor caracterizar as seqüências de nucleotídeos dos genes de veneno é através da construção de bibliotecas de cDNA. Em estudos como os realizados por Becerril et al. (1993) a biblioteca de cDNA se mostrou muito eficiente, possibilitando determinar e caracterizar a organização dos genes que codificam as toxinas do veneno de escorpiões mexicanos (Centuroides noxius), através de amplificações feitas por PCR com iniciadores específicos e de hibridizações tanto do genoma, quanto dos cDNAs da biblioteca. Naquele estudo foi possível observar que as regiões dos genes que codificam as toxinas do veneno dos escorpiões analisados, não contêm íntrons ou, quando existentes, são pequenos.

Em outro estudo realizado por Valles et al. (2003), uma biblioteca de expressão de DNA foi construída com formigas operárias Solenopsis invicta sendo que a enzima glutathiona S-transferase (GST) dessa espécie foi purificada, caracterizada, clonada e

seqüenciada. A partir da seqüência de nucleotídeos, deduziu-se a seqüência de aminoácidos do primeiro GST de formigas lava-pés.

Ng et al. (2005), descreveram pela primeira vez a caracterização de uma hialuronidase aquática do peixe pedra (Synanceja horrida) através de clones isolados de uma biblioteca de cDNA, preparada com glândulas de veneno. Esta hialuronidase foi expressa como uma molécula precursora contendo um peptídeo sinal de 28 resíduos. A proteína madura é um polipeptídeo com 449 resíduos contendo três potenciais sítios de N-glicosilação, quatro possíveis motivos de ligação ao substrato ácido hialurônico e vários resíduos implicados na ligação e catálise deste substrato.

Gmachl e Kreil (1993), utilizando uma sequência amino-terminal previamente conhecida da hialuronidase de Apis mellifera, isolaram de uma biblioteca de cDNA, clones contendo o precursor desta enzima. A sequência obtida apresentou 349 resíduos de aminoácidos, contendo quatro cisteínas e três potenciais sitos de N-glicosilação. A sequência do precursor também indicou que a conversão da pró-enzima para o produto final deve envolver a clivagem de uma ligação Thr-Pro, uma ligação não muito usual. Esta hialuronidase exibe significante homologia com PH 20, uma hialuronidase de membrana do espermatozóide de mamíferos.

Posteriormente, Gmachl e Kreil (1995) também através de uma biblioteca de cDNA, determinaram a seqüência dos peptídeos apamina e MCD de veneno de abelhas. Os pesquisadores observaram que estes peptídeos, embora apresentem diferentes atividades biológicas, possuem alguma similaridade de seqüência, e esta homologia é muito mais pronunciada, quando se compara suas seqüências de cDNA e suas moléculas precursoras. Os dados destas seqüências sugerem que os genes se desenvolveram de um ancestral comum formado através de uma duplicação parcial rara. Os precursores destes peptídeos são não-usuais por duas razões. Primeiro, eles são extremamente pequenos contendo apenas 40 e 50 aminoácidos respectivamente; o segundo aspecto pelo qual estes precursores diferem dos outros numerosos peptídeos e precursores de proteínas, que têm sido analisados nos últimos anos, é o processamento de reações, pois, a conversão dos precursores da apamina e do peptídeo MCD para o produto final requer a hidrólise de Ser/Cys e Pro/Ile respectivamente, mostrando que a liberação dos produtos finais a partir dos precursores provém da clivagem de peptídeos. A organização genômica mostra três exons para o precursor do peptídeo MCD e dois

exons para o precursor da apamina e finalmente o exon 3' que está presente em ambos os RNAs .Os íntrons ocorrem em posições homólogas nos dois genes, sendo que o primeiro está localizado entre o penúltimo e o último aminoácido, enquanto o segundo está inserido antes do sexto resíduo da extremidade carboxila, constituído de 81 pb. Portanto, os resultados mostram que a região 5' do gene precursor da apamina forma parte do terceiro íntron do gene do peptídeo MCD.

Por outro lado, no trabalho realizado por Lu et al. (1993) foram determinadas as seqüências completas de aminoácidos de antígeno 5 de Dolichovespula arenaria e

maculata, de Vespula vulgaris e maculifrons e de Polistes annularis e exclamans,

através do sequenciamento de aminoácidos ou/e da clonagem de cDNA. A seqüência de aminoácidos deste alérgeno em D. arenaria foi deduzida a partir de amostras de cDNA amplificadas por PCR, as de P. annularis e V. vulgaris foram obtidas a partir do cDNA gene-específico do veneno, utilizando PCR e iniciadores específicos ou pela técnica de RACE, também utilizada neste nosso trabalho; e as de Polistes exclamans e V. maculata foram obtidas por degradação de proteínas intactas e digestão por endoproteinases e posterior análises de sequenciamento dos peptídeos gerados. Os dados obtidos mostraram várias regiões conservadas e variáveis nas seqüências de antígeno 5 desses vespídeos.

De acordo com o trabalho realizado por Schmidt et al. (2003), o veneno da formiga Solenopsis invicta, popularmente conhecida como “formiga lava-pés” contém quatro importantes e potentes alérgenos, os quais causam sérias reações anafiláticas em indivíduos sensíveis. A seqüência de aminoácidos de três destas proteínas de veneno - Sol i 2, 3 e 4 já foram determinadas demonstrando-se que Sol i 2 é a mais abundante das proteínas de veneno, a qual foi clonada e expressa em sua forma nativa. A seqüência completa de Sol i 3 foi obtida através de RT-PCR (técnica de transcrição reversa acoplada à reações de PCR) e de reações de PCR +1, sendo que em ambas foram utilizados oligonucleotídeos gene-específicos e oligonucleotídeos degenerados, desenhados a partir da seqüência de aminoácidos desta proteína. A seqüência determinada apresentou 705 pb correspondentes a 235 aminoácidos. Esta proteína foi então acrescida de seis resíduos de histidina na região C-terminal e expressa em células de insetos através do sistema de baculovírus. Sol i 3 representa 15-25% da sua massa total de proteínas de veneno e 44-50% de identidade com o antígeno 5 de vespídeos.

Entretanto, apesar da similaridade, nenhuma reação imunológica cruzada tem, até agora, sido observada entre Sol i 3 e os antígenos 5 de vespídeos com os anticorpos IgE humanos.

A expressão de alérgenos, na forma de proteínas recombinantes resolve o principal problema de obtenção de grandes quantidades da proteína a partir do material natural, e o uso de “etiquetas” de histidina simplifica a purificação. Todavia, é necessário comparar as proteínas recombinantes com proteínas nativas para assegurar a similaridade das propriedades. No trabalho de Schmidt et al. (2003), foi relatada a seqüência completa de cDNA do alérgeno Sol i 3 e a produção e caracterização da proteína recombinante em sua forma imunoreativa. Sol i 2, 3 e 4 foram anteriormente clonados e expressos e se mostraram específicos de “formigas lava-pés”, sendo que Sol i 1, a fosfolipase do veneno, ainda não foi completamente clonada e é o alérgeno do veneno destas formigas que apresenta maior reatividade cruzada com proteínas do veneno de vespas.

Soldatova et al. (1998), expressaram a hialuronidase recombinante do veneno de abelhas em sistemas procarióticos e eucarióticos e compararam suas atividades com a atividade da enzima natural. A atividade da enzima expressa em células de insetos infectadas por baculovírus mostrou atividade igual a da enzima natural, indicando uma conformação estrutural semelhante entre a proteína nativa e a recombinante, enquanto a expressa em E.coli apresentou apenas 20-30% da atividade da enzima natural. No entanto, Skov et al. (2006) expressaram a hialuronidase de Vespula vulgaris (Ves v 2) em E. coli e após re-enovelamento e purificação, a enzima ativa mostrou atividade comparável à da enzima natural; eles também fizeram a caracterização bioquímica e determinaram a estrutura cristalográfica da enzima. Três sítios de N-glicosilação foram identificados - Asn 79, Asn 99 e Asn 127, por um mecanismo de digestão enzimática combinada com espectrometria de massas, revelando na estrutura um barril central (β/α) 7, o qual é estabilizado por duas pontes dissulfeto (Cys 19/ Cys 308 e Cys 185/

Cys 197). Baseado no alinhamento de seqüências e comparação estrutural com o alérgeno Api m 2 do veneno de abelhas foi proposto que, uma cavidade conservada, próxima ao centro ativo está envolvida na ligação do substrato. Epítopos de superfície e possíveis sítios de glicosilação foram comparados com seus homólogos de Apis

v 2 e o alérgeno de D. maculata é muito maior que entre o de Ves v 2 e o alérgeno de A.

mellifera.

Tanto a origem de novos genes por duplicações, como a geração de múltiplos produtos a partir de um gene através do processamento alternativo, têm sido documentado em numerosos exemplos. Adicionalmente, vários casos de genes dentro de outros genes, particularmente dentro de íntrons de outros genes tem sido descritos. Isto foi primeiramente mostrado, para o gene Gart de Drosophila, o qual contém um gene para a proteína da cutícula pupal em um de seus íntrons. Por último, poucos exemplos ainda são conhecidos, onde o local de iniciação de transcrição dentro do primeiro gene leva à formação de pequenos polipeptídeos conforme descrito acima para o MCD e a apamina (GMACHL; KREIL, 1995).

Desta forma, com base no exposto, a determinação da seqüência gênica do alérgeno hialuronidase, do veneno de Polybia paulista torna-se um assunto bastante interessante e relevante sobre vários aspectos e níveis desde o conhecimento básico até o aplicado, em diferentes áreas da ciência.

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