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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3.1 IMPORTÂNCIA E ESTADO ATUAL DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS

As águas subterrâneas constituem a maior parte das reservas de água doce potencialmente aproveitáveis do planeta. Tal fato implica em uma grande importância, que tem crescido tendo em vista o cenário atual e as tendências futuras de esgotamento das reservas superficiais (Bekesia e McConchieb, 1999; Scanlon et al., 2005b).

Além da questão volumétrica, a disponibilidade de águas subterrâneas ao longo das paisagens apresenta-se de forma mais equânime, quando comparada à das fontes superficiais. Em alguns casos, mesmo em regiões com acentuadas restrições climáticas, podem ser encontradas reservas subterrâneas com produtividade suficiente para atender às demandas locais ou regionais (Lopes et al., 2012).

Variações espaciais da vazão ou da profundidade de ocorrência do aqüífero podem limitar a participação das águas subterrâneas no atendimento da demanda por água doce. No entanto, isso não é suficiente para não lhe creditar o status de reserva renovável, porém relativamente finita, de vital importância para o desenvolvimento espacialmente equilibrado das sociedades (Braune, 2003; Batelaan et al., 2003).

Forte intensificação da utilização de fontes subterrâneas de água doce ocorreu a partir do ano de 1950 em vários países industrializados. Subsequentemente, o mesmo processo tem sido observado em praticamente todas as partes do mundo (Alley, 2006; Smeedt e Batelaan, 2003), desencadeado pelo rápido crescimento populacional e econômico, e

fortemente motivado pelas vantagens da utilização de águas subterrâneas em detrimento a águas superficiais.

Dentre os principais aspectos favoráveis à utilização das águas subterrâneas, podem ser citados (Pedrosa e Caetano, 2002; Mangore e Taigbenu, 2004; Lopes et al. 2012):

• maior ocorrência espacial em relação às águas superficiais;

• menor susceptibilidade a perdas por evaporação e variações climáticas;

• melhor qualidade da água em relação às águas superficiais, principalmente em termos microbiológicos;

• menor vulnerabilidade à contaminação decorrente de atividades humanas; • menores os custos associados à captação, tratamento e distribuição da água.

O papel econômico e social das águas subterrâneas também pode ser verificado pelos números de sua participação no abastecimento para as mais diversas finalidades. Segundo Alley (2006), cerca de dois bilhões de pessoas em todo o mundo têm os reservatórios subterrâneos como principal fonte de água doce. Tal dependência é particularmente alta nos Estados Unidos da América e no continente europeu, onde as águas subterrâneas respondem por cerca de 75% da oferta de água doce.

No Brasil, as águas subterrâneas constituem cerca de 50% de toda a água destinada ao abastecimento público, sendo que em um grande número de cidades, a proporção sobe para a quase totalidade, como é o caso dos estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, onde as reservas subterrâneas representam a maior parte do abastecimento de água em 75% a 90% das cidades (Pedrosa e Caetano, 2002).

A importância das águas subterrâneas vai além do seu uso como fonte de água para o consumo e para as atividades humanas. A entrada, o armazenamento e a circulação de água no solo são processos fundamentais do ciclo hidrológico, co-responsáveis pelo equilíbrio de vários tipos de ambientes aquáticos, como rios e zonas riparianas, lagos, áreas úmidas naturais, regiões costeiras, dentre outros (Batelaan e Smedt, 2002; Alley, 2006).

uma das formas de ocorrência da água subterrânea, como meio filtrante e de reuso de águas servidas, reservatório para estocagem de enchentes e de excedentes de água tratada, dentre outros.

Mesmo evidenciando-se o papel ecológico, econômico e social, desempenhado pelas águas subterrâneas, é cada vez maior a degradação das suas fontes; os aqüíferos, seja por contaminação decorrente de atividades humanas, ou por exploração intensiva e desordenada.

Esse cenário é resultado de um histórico de exploração empírica, improvisada e não controlada, assim como também da falta de planejamento do uso e ocupação do solo (Rebouças, 2002).

Dessa forma, podem ser enumerados os principais processos impactantes, assim como também as suas conseqüências, à qualidade e à quantidade das águas subterrâneas, como apresenta a Tabela 3.1.

Tabela 3.1- Principais ações/processsos impactantes e conseqüências às águas subterrâneas

Ações/Processos Possíveis Conseqüências

Perfuração e operação não controladas de poços tubulares

• Interferências no sistema hidrogeológico, como por exemplo, descarga do aqüífero para rios ou lagos;

• Criação de caminhos preferenciais para entrada de agentes contaminantes no aqüífero.

Exploração intensiva e/ou superexploração • Rebaixamento do lençol freático;

• Intrusão salina e perda de água doce em zonas costeiras;

• Desaparecimento de áreas úmidas naturais; • Conversão de rios originalmente perenes em rios

intermitentes;

• Subsidência de terrenos; • Esgotamento do aqüífero.

Ocupação de encostas e topos de morro • Aumento do escoamento superficial; • Redução da entrada de água via fraturas ou

coberturas não consolidadas dos solos rasos; • Redução da entrada direta de água aos aqüíferos

confinados. Disposição inadequada de resíduos sólidos e

líquidos

• Contaminação de aqüíferos freáticos.

Desmatamento e reflorestamento • Elevação ou rebaixamento do nível freático; • Aumento ou diminuição da entrada de água no

Tabela 3.1 – Continuação...

Ações/Processos • Possíveis Conseqüências

Urbanização • Contaminação de aqüíferos freáticos via equipamentos urbanos (postos de combustíveis, rodovias, disposição de resíduos sólidos e líquidos, etc.);

• Redução da infiltração da água no solo em decorrência da impermeabilização de áreas; Conversão de florestas em áreas agrícolas • Elevação do nível freático em decorrência da

prática da irrigação;

• Contaminação de aquíferos freáticos por fertilizantes e defensivos agrícolas.

Fonte: Rebouças (2002); Batelaan e Smedt (2002); Llamas (2004); Alley (2006); Pedrosa e Caetano (2002).

Segundo Bekesia e McConchieb (1999), a partir de 1970 houve um aumento no número de casos de contaminação de aquíferos, sobretudo por nitrato, bactérias e pesticidas. Evans e Maidment (1995) também confirmam os referidos contaminantes, destacando dentre eles o nitrato.

Para Leitão et al. (2003), além da contaminação por nitratos, também tem sido comum a ocorrência de metais pesados, hidrocarbonetos, óleos, gorduras e matéria orgânica. Em países da Europa, os casos mais comuns de contaminação, além de nitratos e pesticidas, são os processos de acidificação (Lindström, 2005).

Em se tratando de exploração intensiva e/ou super-exploração, são nacionalmente conhecidos os casos das cidades mineiras de Lagoa Santa e Vazante, onde a exploração de águas subterrâneas para abastecimento e a mineração subterrânea de zinco, respectivamente, ocasionam até os dias presentes, drástico rebaixamento do lençol freático e subsidência de terrenos.

Sophocleous (2000) cita um outro caso de conseqüências da super-exploração de águas subterrâneas: a conversão de rios perenes em rios temporários ou intermitentes, no estado norte americano do Kansas.

Comparando-se mapeamentos da rede hidrográfica perene, efetuados nos anos de 1961 e 1994, verificou-se que vários rios tiveram parte do seu curso, sobretudo nas regiões de

cabeceira, interrompidas, totalmente ou em alguma época do ano, conforme ilustrado na Figura 3.1.

Figura 3.1 – Rios perenes do Kansas em 1961 e em 1994 (Fonte: Sophocleous, 2000).

A recuperação de aqüíferos, em termos de quantidade e qualidade, pode ser impraticável do ponto de vista técnico e/ou econômico (Bekesia e McConchieb, 1999). Em se tratando da quantidade, isto se deve ao fato de que o reordenamento do uso e cobertura do solo, assim como também a redução da demanda e da taxa de exploração, pode remeter a restrições não só aos padrões de vida e consumo, como também ao crescimento econômico local ou regional.

No caso da qualidade, a inacessibilidade e as baixas taxas de escoamento, normalmente pertinentes às águas subterrâneas, fazem com que tanto a capacidade de autodepuração quanto a resposta do sistema a intervenções de remediação tenham efeitos pouco satisfatórios na remoção dos contaminantes (Mangore e Taigbenu, 2004; Bekesia e McConchieb, 1999).

Diante do exposto e da atual conjuntura; de busca da sustentabilidade e da otimização de recursos, o gerenciamento se apresenta tanto como ferramenta de manutenção da oferta presente e futura, quanto alternativa técnica e econômica à remediação e recuperação (Pedrosa e Caetano, 2002).

A implementação de um sistema de gestão das águas subterrâneas consiste em um desafio, dado o histórico de desconhecimento dos sistemas hidrogeológicos e da freqüente desconsideração da ligação existente entre as águas superficiais e as subterrâneas (Alley, 2006; Llamas, 2004). Um dos primeiros passos à implantação de uma política de gestão das águas subterrâneas é o conhecimento das disponibilidades (Pedrosa e Caetano, 2002).

À disponibilidade estão associados outros fatores que por sua vez influenciarão também na qualidade. Como exemplo, pode-se citar o processo, volume e freqüência, de recarga dos aqüíferos, que ao mesmo tempo define a produtividade e a susceptibilidade do sistema à contaminação.

Conhecer as disponibilidades requer a realização de inventário, para o qual a quantificação e o entendimento do mecanismo de recarga consistem em passos fundamentais (Mkwizu, 2002).