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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.2 IMPORTÂNCIA E ESTUDOS ECOLÓGICOS

Espécies poliporóides são consideradas as principais causadoras de podridão de madeira e sua importância ecológica reside na atividade sapróbia. Crescem em madeira morta, mas também em solo e folhedo, desempenhando papel fundamental na degradação da lignina de materiais vegetais lenhosos. Certas espécies podem atuar como parasitas dependendo das condições ambientais e do hospedeiro, sendo oportunistas e lignícolas facultativas ao se instalar na árvore senescente ou injuriada, persistindo após sua morte como sapróbios (DONK, 1964; HARLEY, 1971; CHRISTENSEN, 1989; RYVARDEN, 1991; RAYNER, 1995; ALEXOPOULOS et al., 1996; GUGLIOTTA; CAPELARI, 1998).

Dependendo do aparato enzimático que possuem, os fungos poliporóides lignícolas podem ser classificados em dois tipos: causadores de podridão parda, quando secretam enzimas que degradam, principalmente, a celulose e a hemicelulose; e causadores de podridão branca, quando degradam lignina, celulose e hemicelulose da madeira. O tipo de podridão também é considerado um caráter de grande importância taxonômica. Estas denominações referem-se ao aspecto final do substrato após a decomposição. Na decomposição parda, o substrato decomposto adquire aspecto castanho, quebradiço, fendido e rachado no sentido das fibras, devido à presença da lignina residual. A decomposição branca caracteriza-se pela perda gradual das propriedades de resistência da madeira, que torna-se esbranquiçada e de aparência macia, fibrosa e esponjosa (GILBERTSON; RYVARDEN, 1986; RYVARDEN, 1991; BLANCHETTE, 1995; XAVIER-SANTOS, 2003).

O número de fungos de podridão parda é significativamente menor que o número de fungos causadores de podridão branca, em torno de 6% do total de basidiomicetos lignícolas e está associado, principalmente, à decomposição de coníferas no Hemisfério Norte, enquanto que em regiões tropicais este índice é ainda menor, em torno de 2% (RYVARDEN, 1991).

Trabalhos com enfoque em aspectos ecológicos sobre os fungos basidiomicetos no Brasil são muito escassos. Braga-Neto (2006) realizou um estudo sobre a comunidade de fungos marasmióides de liteira em solo de floresta de terra firme na Amazônia. Esse foi o primeiro estudo com enfoque ecológico realizado no Brasil, no qual as coletas foram efetuadas em 30 parcelas de 0,25 x 250 m. Braga-Neto (2006) verificou que os fatores ambientais exercem forte influência sobre a distribuição espacial e temporal do grupo de fungos estudado.

Diferentemente dos poliporóides, os fungos marasmióides constituem um grupo de espécies com basidiomas pequenos, carnosos, frágeis e efêmeros, cuja formação é significativamente influenciada por fatores abióticos. Os fungos poliporóides, no entanto,

apresentam basidiomas coriáceos a lenhosos, com baixo conteúdo de água, e a ocorrência dos mesmos está menos sujeita às variações sazonais e anuais (LINDNER et al., 2006).

O único trabalho com enfoque ecológico sobre os fungos poliporóides no Brasil foi publicado por Gibertoni et al. (2007), incluindo os “Aphyllophorales” encontrados em 13 reservas de Mata Atlântica no Nordeste brasileiro e observando a influência de fatores como período de coleta, hábito, preferência pela intensidade luminosa, estágio de decomposição do substrato e a interação entre estes fatores. A similaridade entre as reservas também foi estudada e verificou-se que a mesma foi positivamente afetada pelo grau de conservação das reservas, e negativamente afetada pela distância entre elas. Segundo este estudo, apesar de Polyporaceae ser mais comumente encontrada em substratos recém caídos e ambientes mais expostos, podendo ser indicadora de áreas impactadas da floresta ou em sua borda, algumas espécies poliporóides, como Polyporus leprieurii Mont., podem ser utilizadas como indicadoras do estado de conservação de áreas de Mata Atlântica.

Além da escassez de dados ecológicos sobre espécies de fungos em geral, a falta de taxonomistas no Brasil e de uniformização entre as metodologias utilizadas nos diversos trabalhos de levantamento dificultam enormemente a comparação dos resultados obtidos e o conhecimento da dinâmica das comunidades. As coletas normalmente são programadas em função dos ecossistemas presentes nas áreas de estudo e do substrato de crescimento. A periodicidade de coleta também varia, sendo a mensal e a bimensal as mais freqüentes, geralmente por um período de um a dois anos, procurando-se cobrir todas as estações do ano. Normalmente as coletas são realizadas percorrendo-se trilhas já abertas na mata, sendo os basidiomas coletados para posterior identificação (CAPELARI; GUGLIOTTA, 1996).

Segundo Arnolds (1981), o estabelecimento de uma metodologia eficiente para o estudo das comunidades de fungos superiores é dificultado nas várias etapas do trabalho, como amostragem e identificação, além de problemas taxonômicos e nomenclaturais, devido

às mudanças contínuas nas regras nomenclaturais dos gêneros e espécies, que têm gerado grandes confusões.

Lindner et al. (2006) realizaram um estudo da diversidade de fungos poliporóides em fragmentos vegetais com diferentes históricos de manejo, ao norte de Wisconsin e na península superior de Michigan, nos Estados Unidos da América. Parcelas de 100 x 60 m foram estabelecidas e uma área de 3000 m2 em cada classe de manejo foi amostrada; as coletas foram realizadas apenas no verão em dois anos consecutivos. Foram analisadas as medidas da riqueza de espécies, diversidade e eqüitabilidade entre as classes de manejo, sendo que a diferença encontrada deveu-se, principalmente, às características do substrato (diâmetro e espécie). No entanto, a riqueza não diferiu entre os dois períodos de coleta para cada classe.

O tempo necessário para a amostragem é um fator limitante no estudo das comunidades de fungos basidiomicetos. Tanto Lindner et al. (2006), como Braga-Neto (2006) realizaram duas coletas em anos consecutivos e concluíram que o aumento do esforço temporal de coleta é imprescindível para avaliar a consistência dos padrões observados.

Outra grande dificuldade está relacionada com a identificação dos substratos em ambientes tropicais. Estudos ecológicos são mais facilmente realizados em áreas temperadas onde a diversidade é menor e há predomínio de poucas espécies arbóreas, sendo fácil a identificação do substrato, mesmo em avançado estágio de decomposição.

Apesar do estudo das comunidades de basidiomicetos lignocelulolíticas ser realizado através dos basidiomas, é necessário lembrar que a ausência dos mesmos em um dado substrato não reflete de maneira alguma a ausência da espécie, assim como a quantidade e tamanho dos mesmos também não refletem de maneira direta a abundância ou atividade do micélio (ARNOLDS, 1981).

Fatores como a dificuldade de se individualizar o micélio e a falta de dados acerca da periodicidade de formação dos basidiomas e da relação entre tamanho e longevidade dos

basidiomas, com as estratégias de reprodução, dificultam o desenvolvimento de estudos quantitativos.

Os fungos poliporóides possuem, em geral, uma ampla distribuição geográfica, apesar de serem observados diversos padrões de distribuição. Segundo Ryvarden (1991), uma espécie pode ser cosmopolita ou ser dependente de vários fatores ambientais, direta ou indiretamente através de seu hospedeiro. As espécies dependentes de fatores abióticos podem apresentar uma distribuição relativamente ampla, como as pantropicais, ou mais restrita, como as de distribuição neotropical.

Enquanto algumas espécies podem ser consideradas raras, como Perenniporia

neofulva (Lloyd) Ryvarden, encontrada apenas na localidade-tipo, no Rio Grande do Sul, e coletada novamente na restinga da Ilha do Cardoso, São Paulo, outras são extremamente comuns e encontradas inclusive em ambientes artificiais, como Hexagonia hydnoides (Sw.:Fr.) K.Fid., Pycnoporus sanguineus (L.:Fr.) Murrill e Trametes villosa (Fr.) Kreisel (GUGLIOTTA; BONONI, 1999).

Os principais fatores que afetam o desenvolvimento dos fungos lignocelulolíticos são temperatura, umidade e teor de oxigênio, além do pH do substrato e da disponibilidade de nutrientes (MOORE-LANDECKER, 1982; COOKE; RAYNER, 1984; COOKE; WHIPPS, 1993).

O sucesso evolutivo de qualquer organismo depende de sua habilidade em fazer um balanço positivo entre os fatores estimulantes e inibitórios do ambiente. Assim, a distribuição das espécies não depende apenas das condições climáticas, mas também da quantidade e disponibilidade de matéria orgânica, da diversidade de microhabitats, das características próprias do organismo, como a bagagem enzimática, bem como da interação com outros organismos presentes (WATSON; FORD, 1972; TSUNEDA, 1982; COOKE; WHIPPS, 1993).

Os fungos são heterotróficos, absorvendo seus nutrientes como materiais solúveis provenientes dos substratos, através da produção de enzimas de atuação externa. A conseqüência disto é que ocorre um acúmulo de nutrientes disponíveis no substrato, uma vez que é formado mais material solúvel do que o fungo é capaz de absorver, e que ficam disponíveis a outros microrganismos, afetando a sucessão das espécies durante a decomposição do substrato (MOORE-LANDECKER, 1982).

O estabelecimento de uma espécie em um dado substrato está diretamente ligado à sua capacidade saprofítica competitiva, ou seja, sua taxa de crescimento, eficiência na dispersão, produção de substâncias antibióticas e tolerância aos antibióticos produzidos pelos outros organismos (WATSON; FORD, 1972; MOORE-LANDECKER, 1982; TSUNEDA, 1982).

Diferentemente do que ocorre em plantas superiores, onde a sucessão culmina com um clímax, para os fungos o final da sucessão é zero, havendo a exaustão total do substrato e o natural desaparecimento das espécies, restando apenas estruturas de resistência, tais como esporos (TSUNEDA, 1982).

Como já ressaltado, além da composição do substrato, verifica-se que o diâmetro médio deste também influencia no desenvolvimento das espécies. Enquanto algumas espécies estão mais adaptadas a decompor galhos e troncos finos, outras decompõem troncos mais grossos (RENVALL, 1995; LINDNER et al., 2006).

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