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A impossibilidade da comunicação humana, por Gilles Deleuze e Félix Guattari

O terceiro viés sobre o ato comunicativo humano é composto pela filosofia de Gilles Deleuze e Félix Guattari. Esses autores afirmam que o ato comunicativo humano não poder ser eficaz, pelo fato de que através da consciência e dos sentidos humanos é permitido que os interlocutores apenas aprendam a linguagem de forma imperativa, traduzindo para emitir a linguagem. E por parte do receptor é possível apenas traduzir, também, o que lhe é enviado.

Para Deleuze e Guattari (1995), o ato comunicativo por parte da emissão ocorre sempre como uma palavra de ordem, ou seja, no modo imperativo. No entanto, esse modo imperativo não diz respeito à forma verbal, de alguém mandando outra pessoa agir de certa maneira como, por exemplo, “Pegue!”, “Faça!”, mas sim ao ato de banalizar algo que seja considerado semelhante, porém, nunca igual. Cada atitude, objeto, momento etc. é absolutamente singular. Por exemplo, quando um grupo musical toca um acorde em sincronia, são instrumentos diferentes e subjetividades diferentes que praticam o ato, porém, esse acorde é nomeado com a mesma palavra a fim de torná-lo comum entre os sujeitos.

Para Deleuze e Guattari (1995), quando uma professora está lecionando emite ordens, ou seja, ela “ensigna”, as palavras já possuem significados comuns para ela e seus receptores sobre coisas únicas e banalizadas pela linguagem; tal professora aprendeu a linguagem da mesma maneira quando criança através de palavra de ordem e vivendo em sociedade.

A máquina do ensino obrigatório não comunica informações, mas impõe à criança coordenadas semióticas com todas as bases duais da gramática (masculino-feminino, singular-plural, substantivo-verbo, sujeito do enunciado-sujeito de enunciação etc.) (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 11).

A escola, de alguma forma, serve como um alicerce para a vida civilizada, para o indivíduo em um futuro conquistar seu emprego, formar sua família etc. Quando se trata da comunicação, a escola impõe aos alunos o ato de transpor sua fala para a escrita, as regras gramaticais apenas servem para o aluno localizar e aplicar as palavras de maneira que em determinado contexto possa ser julgada correto ou não. Porém, ela jamais trata dos sentidos de cada palavra, muito menos explica que os significados devem tornar-se divergentes em locais distintos e pessoas distintas, e, sobretudo, que os significados foram um dia inventados, de modo que podem ser sempre reinventados.

A linguagem por método escrito é outro fator da banalização, não se difere da linguagem falada, é apenas mais uma face da tradução. Como momentos e objetos singulares podem se tornar iguais? Ou então, como o ato de transpor até a própria linguagem falada para a escrita pode conter o mesmo sentido dado às palavras, sendo que cada indivíduo projeta significados diferentes para cada palavra?

A unidade elementar da linguagem - o enunciado - é a palavra de ordem. Mais do que o senso comum, faculdade que centralizaria as informações, é preciso definir uma faculdade

abominável que consiste em emitir, receber e transmitir as palavras de ordem. A linguagem não é mesmo feita para que se acredite nela, mas para obedecer e fazer (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 12).

O ser humano adquire e ensina a linguagem por meio de palavra de ordem, através da tradução do mundo exterior pelos seus sentidos, aprende a falar e ouvir de uma forma a qual pensa ser capaz de permitir entender perfeitamente o enunciado e assim transmitir para seus semelhantes o que lhe foi supostamente entendido. Entretanto, o fato de que lhe foi ordenado a entender a mensagem transmitida poderia fazer com que o enunciado tomasse outro sentido em sua recepção por se tratar de uma subjetividade diferente, que produz traduções diferentes, acarretando, então, a emissão de uma palavra com outro significado, para outras pessoas que entenderiam de outra forma e, assim, comunicando algo inexistente, ou seja, apenas seriam reproduzidas palavras, porém, não com o mesmo efeito, sentido ou significado.

Deleuze e Guattari (1995) exemplificam dizendo que “as palavras não são ferramentas, mas damos às crianças linguagem, canetas e cadernos, assim como damos pás e picaretas aos operários”, ou seja, a vida social mune todo indivíduo com a linguagem que é usada por toda sua vida em uma infinita banalização de momentos, sentimentos e objetos singulares, portanto, a linguagem diminui a diferença entre coisas que são únicas. O fato é que o indivíduo não precisa usar dessa maneira a linguagem para viver, a regra que impulsiona a banalização é de que quando a linguagem é adquirida é usufruída da forma que lhe convém ao indivíduo, porque é feita a tradução por meio dos sentidos e a consciência cria um significado para as palavras. Essa função é derivada da traduzibilidade humana que faz com que o ser humano tente compreender e dar significados à linguagem e ao mundo exterior de maneira para que se sinta confortável ao ponto de julgar que compreende e comunica. “A linguagem não é a vida, ela dá ordens à vida; a vida não fala, ela escuta e guarda” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 13). A linguagem não faz a vida, o mundo viveria normalmente se ela de fato não existisse. A linguagem possui o papel de banalizar tudo que existe tornando monótona a vida, os momentos, os sentimentos, os objetos e tudo que existe e faz com que o indivíduo muitas vezes não tome conhecimento de que isso possa vir acontecer. A linguagem manda na vida humana, manda o ser humano falar e ouvir, manda ensinando e aprendendo. Mas a vida não manda, apenas acontece no seu determinado espaço de tempo. A vida nota as presenças no mundo exterior e guarda em seu pensamento, da maneira como o poeta faz quando percebe os momentos e objetos da vida e guarda para si.

Portanto, a linguagem não é a vilã. O vilão é o uso que os seres humanos fazem dela. O fato de banalizar, para tornar semelhante os objetos e momentos distintos e singulares, faz com que o homem não usufrua de sua trajetória da maneira que possibilitaria aproveitar um pouco mais, tendo em vista que tudo na vida é passageiro.

Outros animais sobrevivem não possuindo essa linguagem interpretativa pela consciência e adquirida por palavra de ordem como, por exemplo, as abelhas que comunicam eficientemente sem possuírem, de fato, uma linguagem. Quando uma abelha percebe a presença de alimentos ou até mesmo de algo que pode vir a trazer perigo para o bando, envia um sinal e esse sinal é captado em perfeitas condições e obedecido. Portanto, as abelhas usam de um código genético próprio por natureza, no entanto, as abelhas não possuem a consciência, ou seja, não codificam o pensamento, elas apenas comunicam e agem. Essa comunicação somente é possível quando é realmente pressentido algo, as abelhas não têm a capacidade de mentir ou avisar que não viram algo ou inventar qualquer tipo de expressão simbólica como os humanos podem através da linguagem e consciência.

Por outro lado, por parte do receptor da mensagem, para Deleuze e Guattari (1995), é possível apenas que o ser humano faça tradução do que lhe é emitido via linguagem, de acordo com o que aprendeu em sua vida que, por sua vez, define o modo da tradução.

Mas o outro aspecto, complementar e bastante diferente, consiste na possibilidade de transformar uma semiótica pura ou abstrata em uma outra, em virtude da traduzibilidade que deriva da sobrecodificação como caráter particular da linguagem (DELEUZE;

GUATTARRI, 1995, p. 92).

A linguagem detém alguns fatores que, interligados ao pensamento e sentidos, fazem com que o ser humano pense que comunica de maneira eficaz, por exemplo, quando alguém se aproxima e toca em uma árvore os seus sentidos como tato e visão passam informações para seu cérebro, que, por sua vez, faz uma tradução do objeto que não faz parte do corpo do indivíduo e atribui características já adquiridas através da palavra de ordem como “rígida e bonita”. O indivíduo que atribuiu as características da árvore fez isso para si, porém, quando conversar com outra pessoa vai tentar compartilhar sua experiência via linguagem e seu interlocutor vai, por meio do sentido da audição, ouvir e seu cérebro, vai traduzir o que foi captado e fazer uma sobrecodificação sobre o que já foi codificado anteriormente pelo primeiro indivíduo que se refere como “rígida e bonita”

no sentido da árvore ser dura e ter boa aparência. O segundo pode traduzir de maneira diferente

por ter adquirido significados diferentes para essas palavras e entender “rígida” como brava ou algum outro adjetivo que não se aplicam às árvores, e entender a palavra “bonita” por outro ponto de vista e não entender seu interlocutor.

Para Deleuze e Guattari (1995), os humanos não comunicam de uma maneira efetiva como é possível com alguns animais, como é o caso das abelhas explicado anteriormente, que podem emitir a informação precisa de quando encontram um alimento que não foi percebido por outro indivíduo do seu grupo. Essa informação não é distorcida porque as abelhas não possuem a faculdade de julgar a informação emitida, sendo ela verdadeira ou não, e também não possuem a faculdade de emitir informações simbólicas como os humanos. O ato comunicativo humano é impossível de ser eficaz porque os humanos não comunicam, apenas traduzem o mundo exterior através de seus sentidos.

4 TENSIONAMENTOS

O presente capítulo traz discussões através de Tensionamentos, que ocorrem por meio de perguntas que são respondidas a partir dos principais argumentos de cada referencial utilizado anteriormente, possibilitando abordar suas diferenças e semelhanças: a Teoria Matemática da Comunicação, de Shannon e Weaver (primeiro referencial); a teoria dos ingredientes da comunicação, de Berlo, e o modelo dialógico, de Schramm (segundo referencial); a impossibilidade da comunicação humana, por Deleuze e Guattari (terceiro referencial).

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