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IMPOSSIBILIDADE IMPUTÁVEL AO DEVEDOR

2. PRESSUPOSTO NEGATIVO: AUSÊNCIA DE IMPOSSIBILIDADE DA PRESTAÇÃO, ABSOLUTA E PERMANENTE, POR

2.2. IMPOSSIBILIDADE IMPUTÁVEL AO DEVEDOR

Uma vez ultrapassado o primeiro pressuposto negativo, adentramos o campo da responsabilidade do devedor pelo inadimplemento. Nesse contexto, o inadimplemento antecipado surge como uma das formas pelas quais pode se dar o inadimplemento, ao lado das já conhecidas, como o chamado inadimplemento absoluto, a mora e a violação positiva do contrato189.

Volta-se, neste momento, à proveitosa classificação que Pontes de Miranda faz a respeito dos ilícitos relativos. O autor primeiro denomina de atos ilícitos absolutos aqueles em que o dever de indenizar não surge de relação jurídica prévia entre as partes, mas a lesão ocorre em face de direito que todos devem respeitar. Seria, assim, o ato ilícito

strictu sensu, que dá ensejo à responsabilidade civil extracontratual190.

Ao lado destes, estão os atos ilícitos relativos, em que o ato ofende direito relativo, pessoal, obrigação oriunda de negócio jurídico prévio191. Prosseguindo nas palavras do autor:

“As violações culposas das obrigações, pretensões, ações e exceções, nas

relações jurídicas de sujeitos passivos individuados (=não totais) são de três classes e exaurem os atos ilícitos relativos: a) a impossibilidade superveniente da prestação, com culpa do devedor (...); b) o inadimplemento, com a figura da mora; c) a violação positiva da prestação”192.

A atenção agora deve se focar na primeira classe, relativa à impossibilidade da prestação imputável ao devedor. A razão de ser este um pressuposto negativo reside no fato de que, caso ocorra tal impossibilidade, não há que se cogitar de inadimplemento

189 Jorge Cesa Ferreira da Silva, A boa-fé e a violação positiva do contrato, cit., pp. 130

ss.

190 Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, t. II, pp. 213-214. 191 Idem, ibidem, pp. 218-219.

85 anterior ao termo. A lei civil já dá a solução para tal tipo de problema. Na verdade, se o devedor tornar impossível a prestação, há tão só inadimplemento, como se, ao tempo da prestação, deixasse de prestar193.

Nesse sentido, Jorge Cesa Ferreira da Silva, ao analisar a conformação interna do inadimplemento no direito brasileiro, isto é, ao expor as modalidades em que o inadimplemento ocorre, pontua que se houver impossibilidade superveniente, ou seja, cabal inviabilidade de realização da prestação, há inadimplemento absoluto194.

Tal afirmação encontra base em diversos dispositivos legais, especialmente naqueles que tratam das modalidades de obrigação.

O art. 234 do Código Civil, referente às obrigações de dar coisa certa, trata justamente da hipótese de perda da coisa, de forma a impossibilitar a prestação prometida. Se tal perda se dá sem culpa do devedor, fica resolvida a obrigação para ambas as partes, por efeito direto da lei, sem necessidade de uma ação judicial para resolver o contrato195. Se, de outra forma, a perda resultar de culpa do devedor, diz o citado artigo, este responderá pelo equivalente e mais perdas e danos. Esta é a hipótese tratada neste pressuposto negativo.

Observe-se que a lei especifica que tal perda pode se dar quando “pendente condição suspensiva”. Nesse caso, não se pode afirmar qualquer óbice à utilização do efeito analógico do art. 135 do Código Civil, de modo a estender sua aplicação para o termo suspensivo, e também para o termo de cumprimento da obrigação. Assim, se a coisa se perder, isto é, tornar-se inviável a prestação de dar coisa certa, antes data do cumprimento da obrigação, a lei já soluciona o problema. Não faria sentido dar a esta solução legal, existente desde o Código Civil de 1916, um novo nome, de inadimplemento antecipado do contrato.

A mesma norma existe para a obrigação de restituir (art. 239). E, tratando-se de obrigação de fazer, o art. 248 impõe o dever de restituição das perdas e danos, para o devedor culpado por sua impossibilidade.

193 Idem, ibidem, p. 239.

194 A boa-fé e a violação positiva do contrato, cit., p. 130.

195 Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Comentários ao novo Código Civil, v. VI, t. II: da

86 Todas essas regras, apesar de formuladas em termos de modalidades de obrigação, são a respeito da impossibilidade objetiva da prestação, com seus variados efeitos196.

A doutrina não vacila em afirmar que ocorrida a superveniente impossibilidade imputável ao devedor, nasce ao credor o direito formativo de resolução, que pode ser cumulado com perdas e danos197. Não há qualquer remissão ao termo da obrigação. Se tal impossibilidade ocorreu antes ou depois de seu implemento. Por ser tomada a impossibilidade como definitiva, isto é, a que inviabiliza para sempre a prestação198, não faz sentido cogitar do implemento do termo. O direito do credor jamais poderá ser satisfeito pela prestação originalmente devida.

Assim, se o que ocorre é a impossibilidade superveniente imputável, que se enquadra como inadimplemento absoluto, faz nascer o direito de resolução para o credor, e ainda a pretensão por perdas e danos, segundo vários dispositivos legais, não há aqui nenhum inadimplemento antecipado do contrato, como figura nova.

Não faria sentido abordar uma nova figura, para dar solução jurídica há tempos estampada na lei e na doutrina.

O inadimplemento antecipado ocorre, portanto, quando não existe, no caso em exame, essa impossibilidade da prestação.

Em razão disso, não se pode concordar com a opinião de Aline Miranda Valverde Terra, para quem, no suporte fático objetivo do inadimplemento anterior ao termo, está o comportamento do devedor que impossibilite desde logo a prestação, somado à sua culpa por tanto199.

Como visto, a impossibilidade, vista por si só, é a impossibilidade objetiva, cabal, permanente, que torna inviável o comportamento prometido. E, quando ocasionada por comportamento culposo do devedor, recebe os efeitos do inadimplemento absoluto.

Como se verá em momento oportuno, um dos requisitos mais citados pela doutrina do inadimplemento anterior ao termo é a certeza do futuro incumprimento no seu

196 Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, t. XXII, p. 81.

197 Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Comentários ao novo Código Civil, v. VI, t. II: da

extinção do contrato, cit., p. 552.

198 Idem, ibidem, p. 547.

87 vencimento200. Massimo Bianca afirma, por sua vez, que a certeza do futuro incumprimento, é dada, acima de tudo, pela impossibilidade da prestação201. Ora, se os conceitos são idênticos, não haveria necessidade de aproximá-los tanto, pelo menos para o direito brasileiro.

A posição defendida neste trabalho é, portanto, que a ausência de uma impossibilidade cabal da prestação, imputável ao devedor, é pressuposto negativo do inadimplemento antecipado do contrato. A impossibilidade que pode ser exigida para a configuração do inadimplemento antecipado do contrato é mais específica e menos exigente. Seria, tão só, uma impossibilidade relativa de o devedor executar a prestação no termo ajustado. Aí sim, faz sentido tratar de uma figura nova, como é a do inadimplemento antecipado do contrato.

Tratando de exemplos oriundos dos casos jurisprudenciais, tal hipótese se confirma. Lembre-se dos casos em que a obra está tão atrasada, que se afigura impossível a entrega da unidade prometida no termo estipulado. Haveria impossibilidade objetiva de tal prestação? Entendemos que não. Em princípio, ainda que com muito atraso, a prestação poderia ser executada, pelo próprio devedor. Poderia ser executada, talvez com menos atraso, por quem dominasse técnicas mais avançadas de construção. Não haveria, portanto, impossibilidade objetiva.

Além disso, poderia haver credor com interesse na prestação, ainda que com todo o atraso. Pense-se num investidor, que acreditando na possibilidade de valorização do imóvel, espera obtê-lo ainda que com enorme atraso.

Em outros casos, como o de ausência de regularização de loteamento, que impede o registro da propriedade de determinado lote, é de se ter também que a tal providência, ainda que demore, pode ser obtida, não é impossível objetivamente. Contudo, no termo estipulado para prestação, a experiência pode prever que não será possível ao devedor proceder à regularização. Há uma impossibilidade, porém mais tênue do que a impossibilidade objetiva.

A impossibilidade que será aludida no inadimplemento antecipado possui outras características, que serão posteriormente ressaltadas, mas, em síntese, pode-se afirmar que diz respeito a uma impossibilidade de o devedor executar a prestação no termo

200 Judith Martins-Costa, A recepção do incumprimento antecipado do contrato no

direito brasileiro: configuração e limites, cit., p. 41.

88 estipulado, isto é, olhando-se para o futuro. Não é a impossibilidade objetiva, que diz respeito à prestação e a qualquer um, que ou libera o devedor, se inimputável, ou o faz incidir em inadimplemento absoluto, se imputável. Daí a importância de tratá-la como pressuposto negativo.

Um outro grande diferencial dessa impossibilidade é que ela é apreendida num juízo sobre o futuro, e não sobre um fato já ocorrido, como se verá no momento oportuno.

Enfim, o que se pretendia com a elaboração deste pressuposto negativo era elucidar o entendimento de que, se já ocorrida uma impossibilidade objetiva da prestação, por ato imputável ao devedor, já há solução legal, e não há sentido em se cogitar do inadimplemento antecipado nesse caso. Por outro lado, a impossibilidade que pode configurar o inadimplemento antecipado é diferente, mais específica, menos exigente, e prospectiva.

Visto os pressupostos, agora se pode adentrar nos elementos, positivos, que realmente configuram o inadimplemento antecipado do contrato.

3. PRIMEIRO ELEMENTO: O INADIMPLEMENTO DE