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Imprecações contra os traidores do demos: o início das ambiguidades

Mesmo que não nos permitam chegar a uma conclusão sobre a datação da peça, há algumas passagens que são interessantes à nossa discussão, pois poderiam, além de ampliar o nosso entendimento sobre a obra, indicar um novo viés de leitura que não aqueles já tão bem explorados pelos comentadores.

Como já vimos, na introdução deste trabalho, as análises sobre As

Tesmoforiantes não são muitas e, assim mesmo, conseguimos enxergar já grandes

mudanças na sua interpretação. A peça que, no início do século passado, era apenas considerada um conjunto de paródias da obra de Eurípides, sem nenhuma intenção crítica, passou a ser considerada como uma espécie de tratado literário.

Talvez seja um pouco de exagero imaginar que poderíamos mudar o status da peça com esta análise, fazendo que ela passe a ser vista como explicitamente política, como Lisístrata, mas acredito que não seja demais pensarmos em outras possibilidades

de interpretação. Dessa forma, creio que seja interessante, até mesmo a fim de exercitar o nosso raciocínio acadêmico, pensar a peça sob um outro ângulo e, para isso, darei mais ênfase a passagens que, embora menos discutidas, possam apontar para uma nova veia de interpretação de As Tesmoforiantes. A seguir, portanto, buscaremos algumas passagens que talvez possam nos remeter ao contexto histórico em que a peça fora encenada.

Como sabemos, Eurípides é condenado à morte pelo Conselho de Mulheres, por falar mal delas em suas tragédias. Da mesma forma, o Parente do tragediógrafo também é aprisionado por tentar defender aquele a quem elas execravam.

Quando o Parente chega ao Tesmofórion, no segundo dia do ritual (v.80), percebemos então que o foco não incidirá sobre especulações acerca do que se passa no recinto do festival, cujo teor secreto deveria atiçar a curiosidade da audiência predominantemente masculina dos concursos dramáticos atenienses. Lá, as mulheres estão agindo como homens na assembleia e nos tribunais, como veremos mais adiante, de modo que a atenção do público recai sobre o parente de Eurípides e como ele conseguirá manter-se disfarçado em meio às mulheres.38

Assim, na visão cômica do ritual, no dia em que as mulheres deveriam estar em menor atividade, ou seja, na Nesteia39,o Parente encontra-as deliberando sobre qual

deve ser a punição contra Eurípides, por ser o dia “mais folgado ”40 para elas (vv372-9). Um forte tom político toma conta da primeira parte da peça, em que as mulheres empregam termos do universo tipicamente masculino. Referem-se ao festival como uma assembleia (, v.374), consideram-se um Conselho de Mulheres (, vv.372-3), comparam-se a oradores (, vv.382-3) e discutem

38 Devemos notar, no entanto, que a peça apresenta algumas referências a partes do festival, tais quais a

restrição do festival às mulheres cidadãs (vv.293ss, 329-31), o fechamento das cortes (vv.76-80), o jejum da Nesteia (vv.947-9, 984) etc.

39 Embora a cronologia do festival das Tesmofórias não seja totalmente clara e haja quaisquer

divergências entre os estudiosos nesse assunto, apresentarei aqui a cronologia do modo que Bowie (1993:205-208)nos traz: o festival seria feito em três dias, sendo que, no primeiro, chamado de Anodos, as mulheres subiriam ao local onde ele seria realizado, carregando estatuetas de cobras e genitálias masculinas e então se utilizariam da aischrologia, uma linguagem obscena, a fim de imitarem o comportamento obsceno que fez Deméter rir. Esse dia marcava o afastamento das mulheres com o seu mundo habitual de todos os dias. No segundo dia, chamado de Nesteia, as mulheres jejuavam e choravam, representando a perda que a deusa Deméter teve de sua filha Perséfone, por fim, no terceiro e último dia, chamado de Calligeneia, iniciava-se a celebração da volta de Perséfone e as mulheres voltavam a comer, fazendo a matança de um porco para o ritual de fertilidade.

40 Como já vimos, o segundo dia do ritual (Nesteia) é o dia em que as mulheres devem estar em jejum, em

lamentos pela perda que a deusa Deméter sofrera de sua filha. Assim sendo, as tesmoforiantes precisariam realizar menos atividades, para que respeitassem o luto da deusa.

,decretos e leis(v.361). É claro que o festival das Tesmofórias é mais marcadamente religioso do que político,“mas Aristófanes o representa funcionando como um corpo democrático ateniense”41.

É evidente que devemos levar em consideração o fato de o tema “mulheres tomando o poder” ser algo de fácil motivação cômica, uma vez que, como sabemos, as mulheres não tinham voz política alguma na Atenas do século V. Entretanto uma leitura mais minuciosa dos versos citados pode nos indicar mais do que a imitação dos trabalhos de uma assembleia convencional, mas possíveis referências a fatos ocorridos durante a tentativa de tomada de poder oligárquica.

Nos versos 338-9 encontramos duas referências à tirania que poderiam remeter à usurpação do poder. No discurso que compreende os versos 331 a 351, uma mulher, no papel de oradora, dirige preces aos deuses e, em seguida, amaldiçoa aqueles que

conspirarem contra o povo de mulheres

() , fizerem negócios com

Eurípides e com os Medos em prejuízo das mulheres

(), almejarem a tirania (

) ou colaborarem para a recondução do tirano ().

As referências a Eurípides e às conspirações contra o “povo das mulheres” parecem ser evidentes, pois sabemos que as tesmoforiantes estão justamente reunidas para punir o tragediógrafo como o maior inimigo do sexo feminino. Entretanto as menções a negociações com Persas e ao estabelecimento da tirania são questões um pouco mais complexas.

Se supuséssemos que a peça fora encenada em 411, no auge da crise ateniense, poderíamos quiçá entender as menções à tentativa de estabelecimento da tirania, mas ainda teríamos a referência aos Persas, que parece um pouco obscura. Vejamos então mais atentamente essa questão.

A partir do verso 331, a assembleia das mulheres inicia-se, seguindo o formato tradicional da assembleia ateniense. Conforme podemos deduzir por meio de textos de oradores, como os de Isócrates (Panegírico,157), as assembleias eram abertas com preces aos deuses e depois havia uma série de sentenças que denunciavam tramas contra

a democracia, as tentativas de se restabelecer o poder tirânico e de se fazer acordos com os Persas.

Encontramos, na passagem compreendida entre os versos 331 a 351, ecos dessas imprecações feitas na assembleia real, na fala da primeira oradora, que diz:

“Orem aos deuses olímpicos e às deusas olímpias, aos pítios e às pítias, aos délios

e às delias e aos demais deuses e deusas.

Se alguém conspirar contra o povo 335

das mulheres, ou estabelecer negociações com Eurípides e com os Medos em prejuízo das mulheres, ou almejar a tirania,

ou colaborar para a recondução do tirano, ou se denunciou

quem tenha um filho suposto, ou se uma escrava 340

é alcoviteira de sua dona e segredou tudo ao patrão, ou se encarregada de dar um recado o deturpa, ou se um amante seduz com mentiras

e não cumpre o que prometeu um dia,

ou se uma mulher velha dá presentes ao seu amante, 345 ou se uma cortesã os recebe traindo o seu amigo,

e se o dono ou a dona de um bar frauda a medida do garrafão ou da caneca de vinho, roguem que tenha uma má morte ele mesmo

e os seus e, para vocês, orem 350

para que os deuses dêem tudo de bom.”42

Dessa forma, dos versos 331 a 351, temos o que Austin e Olson chamam de “paródia das imprecações feitas pelo arauto, no início dos encontros do Conselho ateniense, contra os traidores da cidade” (p.160). Destarte, a abertura da assembleia das

42 Tradução de DUARTE : ARISTÓFANES. “As Tesmoforiantes” In: Duas comédias: Lisístrata e As

Tesmoforiantes. Tradução, apresentação e notas Adriane da Silva DUARTE. São Paulo: Martins Fontes,

tesmoforiantes dá-se de modo semelhante à da assembleia real de 411, em que, segundo Sommerstein, havia uma marcada execração contra aqueles que eram inimigos e traidores da comunidade (p.178). O que vemos nos versos 335-9 representa então apenas uma imitação de uma fórmula encontrada comumente nas assembleias contemporâneas a Aristófanes. Não podemos dizer que sejam referências que nos remetam, entretanto, à conspiração oligárquica especificamente.

Portanto, as duas referências explícitas à tirania que ocorrem nos versos 338-9 não estariam necessariamente relacionadas aos acontecimentos políticos de 411, mas seriam apenas uma fórmula de abertura da assembleia que as mulheres teriam imitado. Em relação à referência aos Persas, Austin e Olson acreditam que esse hábito tenha surgido no ano de 480 a.C, quando Aristides propôs que se fizessem imprecações contra todos aqueles que quisessem negociar com os Persas, a fim de assegurar aos espartanos o comprometimento dos atenienses na empreitada contra o inimigo estrangeiro.43 Sommerstein (2001), por sua vez, nota que deve ter havido poucas mudanças de 480 até 411 em relação a essa fórmula.

Mais adiante, a partir do verso 352, o Coro pede que as preces da oradora sejam atendidas e reforça que:

(...) quantas

trapaceiam e violam os juramentos consagrados

visando seu lucro, em nosso prejuízo, 360 ou decretos e a lei

buscam subverter e revelam segredos aos nossos inimigos,

ou conduzem os Medos 365

contra esta terra, em nosso prejuízo,

cometem impiedade e injustiça contra a cidade. (vv.356-67, grifo do autor).

43 Embora descartem a possibilidade de haver referências a fatos contemporâneos à encenação da peça,

Austin e Olson ainda notam que : “ Athenian policy in early 411 was precisely to seek the support of the Persian King, Darius II, who had so far generally taken the side of the Peloponnesians.”

Devemos então analisar alguns pontos dessa passagem, pois, embora reforcem a ideia das primeiras preces feita pela mulher anteriormente, possuem uma diferença significativa no modo que os tópicos são expostos. Percebemos claramente que há um eco entre as duas passagens (vv.331-350 e 351-371), pois temos a repetição de imprecações contra aqueles que se opõem ao povo, fazem negociações com os Medos, almejam a tirania ou colaboram para a condução de um tirano, como já vimos anteriormente.

Entretanto, na primeira passagem, podemos verificar que as imprecações são feitas, mais especificamente, contra aqueles que se opõem ao povo das mulheres (v.335- 6). São condenados aqueles que fazem acordo com seu inimigo comum, Eurípides (336), ou que contam os segredos femininos, como filhos supostos (340) e amantes (341). Também são condenados aqueles amantes que enganam, seduzindo as mulheres com mentiras (343) e todos que trapaceiam na medida do garrafão de vinho (347-8), pois, no mundo cômico, as mulheres têm a fama de serem beberronas.

Se olharmos mais atentamente a essas duas passagens, portanto, poderemos perceber que o primeiro discurso, embora paródico, como já vimos, faz referências explícitas ao universo feminino apresentado pelo comediógrafo. Encontramos aqui as piadas recorrentes sobre as mulheres, de que as preocupações estariam relacionadas ao mundo doméstico, às suas relações com os maridos, e à necessidade de esconder a traição dos mesmos. Além disso, vemos a recorrente piada de que as mulheres teriam a tendência de gostar da embriaguez. Mas o que torna essa primeira passagem interessante é justamente como o Coro irá retomar as mesmas imprecações, mas de um modo que remeta menos ao universo feminino.

Como podemos verificar, a apresentação das faltas que aqueles que são ímpios e injustos contra a cidade cometem dá-se de modo gradativo. Nos versos 357-8, o Coro menciona aqueles que trapaceiam (), ação essa que, embora seja uma forma mais passiva de agressão, é considerada crime. , que traduzimos por “trapacear”, é o ato de prometer algo e não cumprir, o que é, segundo Austin e Olson, mencionado, pela lei ateniense, como um crime (Aristóteles, Constituição de Atenas 43- 5).

Assim, enquanto na primeira passagem referida temos o verbo com o significado de “convencer uma mulher a ter relações sexuais” - ou seja,  não seria simplesmente uma enganação, mas

uma ação específica de oferecer algo em troca de sexo, sem, no entanto, cumprir com o prometido – temos na resposta do Coro a referência à trapaça como algo, supostamente, mais genérico. Veremos, entretanto, que a continuação dos versos indicará que essa trapaça pode estar relacionada às atitudes dos homens na assembleia.

Ainda nos mesmos versos referidos, o Coro condena aqueles que violam () os juramentos consagrados, o que poderia nos indicar a qual tipo de trapaça o coro refere-se com o verbo presente no verso 357. Segundo Austin e Olson, essa falta teria consequências mais graves para as estruturas sociais, religiosas e políticas da cidade, uma vez que seria uma violação dos juramentos feitos quando se exercia um cargo na assembleia (“violation of the oaths of office”).

Devemos notar também que a leitura dessa passagem, dentro do contexto em que se encontra, é de certa ambiguidade, uma vez que esses juramentos poderiam ser referentes, como Sommerstein notou, ao silêncio que as mulheres do ritual deveriam ter sobre o que se passava lá dentro. Mas voltaremos a essa questão em um momento mais oportuno.

Nos versos 361-2, temos o uso de dois termos específicos que passam a ser distintos um do outro apenas no final do século V, , ou seja, os decretos e a lei que, nos versos citados, certas pessoas buscariam subverter. O verbo pelo qual traduzimos “subverter” é o , que os estudiosos encontram pela primeira vez justamente nessa peça e depois não é utilizado por mais ninguém no período clássico, exceto por Aristóteles. Austin e Olson apresentam uma possibilidade de tradução para esse verbo que é interessante à nossa leitura: “trocar de lugar”, “substituir uma coisa por outra”, ou seja, os decretos substituiriam a lei maior, a Constituição.

Dover (1972:170) acredita que essa passagem seja uma daquelas que o autor introduz no último minuto, pouco antes da performance da peça, fazendo alusão à situação que o descontentava no momento da performance. Dessa forma, como o verbo  não foi encontrado em nenhum documento anterior, sendo utilizado, portanto, pela primeira vez nessa peça, devemos levar em consideração que o uso do neologismo, principalmente no contexto em que se encontra, possui maior relevância.

O estudioso também crê que o uso do prefixo duplo signifique “trocar de lugar um pelo outro”, deste modo, já que a última proposta dos oligarcas havia sido a de, por meio de um ato na assembleia, isto é, um decreto, anular a democracia, ou seja, a

Constituição (a que o autor faz referência como sendo o nómos) e depois trata como

nómos a estrutura oligárquica que fora instaurada por um decreto, os versos em questão

estariam justamente apontando para essa mudança.

Como já vimos, essas referências a possíveis ameaças à democracia durante a abertura da assembleia era algo recorrente, portanto, é necessário ter cautela. Entretanto devemos estar atentos também ao fato de o discurso da primeira personagem fazer eco com a da segunda, sendo possível que haja, portanto, relevância naquilo que é repetido.

Encontramos outro caso de ambiguidade nos versos 363-4, pois não podemos dizer, ao certo, a natureza dos segredos () de que as mulheres falam. Austin e Olson dizem que o termo significa, usualmente, os segredos do Estado, que são confiados ao Conselho ateniense em ocasiões emergenciais, mas que também poderia significar um segredo ritual, no caso, sobre as ações que se passam dentro do festival das Tesmofórias. Sommerstein aponta para o mesmo sentido sobre o segredo de Estado, mas observa que, dentro do contexto, a palavra poderia significar “os segredos pessoais para os inimigos femininos”, tais comoseus maridos ou Eurípides.

Mais uma vez, o quadro ambíguo que nos é exposto permite-nos uma leitura que indique uma apresentação velada dos fatos contemporâneos à encenação da peça. Sabemos, segundo relatos de Tucídides, que o clima de conspiração já existia no verão de 411, mas que, obviamente, os planos de usurpação do poder por parte da oligarquia ainda deveriam ser algo secreto.

Por fim, terminando o catálogo de más ações apresentado pelo Coro, mais uma vez vemos o receio dos atenienses em estabelecer acordos com os Persas, pior do que isso, vemos o medo que o inimigo estrangeiro seja trazido para dentro do país, o que, na escala gradativa que encontramos das faltas que poderiam ser cometidas pelos ímpios e injustos contra a cidade, atingiria o seu grau máximo.

A passagem compreendida entre o final do verso 365 e o início do verso 366 é de certa complexidade, uma vez que, em primeiro lugar, há divergências no estabelecimento do texto. Como sabemos, a história da tradição do manuscrito de As

Tesmoforiantes é algo singular, na medida em que ela é a única obra de Aristófanes cujo

texto é estabelecido a partir de somente uma fonte completa: o Ravennas 429 (doravante “R”),documento encontrado na Biblioteca Classense, em Ravenna, na Itália. Trata-se de um pergaminho, escrito em letras minúsculas (c.950), sendo o único atrazer o registro de todas as peças supérstites de Aristófanes.

Assim, não fosse esse documento, As Tesmoforiantes somente chegariam até nós por meio de fragmentos, que podemos encontrar em outras fontes. Entretanto, como muitos outros manuscritos medievais, R é um tanto quanto confuso, pois há diversas anotações dos escribas que se acumularam no texto durante séculos, intervenções essas que desde a Renascença os escoliastas estão tentando corrigir, a fim de retornar ao que seria o texto “original”, e que continuam sendo objeto de discussão da crítica moderna. Assim, embora tenhamos um único manuscrito como fonte para as edições de As

Tesmoforiantes, há certas passagens que são divergentes de uma publicação para outra.

Assim, para que a análise dos versos em questão seja mais facilmente compreendida, transcrevemos, a seguir, como Austin e Olson (texto a) dispõem a passagem compreendida entre os versos 355 e 368 e, em seguida, como Sommerstein (texto b) o faz, respectivamente: a)   355    [356]  356-9        360    [361]          †   [365]  † [366] 363-6   367/8 (vv.355-68, grifo do autor) b) b)  355     

   359    361      

 

365

          (vv.355-368; grifo do autor)

Como podemos verificar, a divergência no texto grego é referente ao que seria o verso 360 e ao final do verso 365 e início do 366. Enquanto Austin e Olson escolhem apresentar o texto como R o deixou, mesmo com o problema semântico que os versos 355/6 apresentam, como veremos com mais detalhes adiante, Sommerstein, por sua vez, acredita que o verso 360, que Austin e Olson conservaram, seja uma variante do verso 366 colocada no lugar errado, por isso, apresenta o que seria o verso 360 no lugar do verso 366, pois ele não acredita que o texto de R esteja correto nessa passagem, devido à semântica do texto. Vejamos, então, qual e esse problema que o uso de ao invés de  poderia causar.

A palavra que a tradução brasileira apresenta como “terra” não tem, segundo Sommerstein, o sentido de “comunidade”, “Estado”, “corpo-político”, mas de “região”, denotando o espaço físico apenas. Ele resolve esse problema entendendo que essa passagem é, de fato, uma variante do verso 360 (). Sendo assim, teríamos uma segunda versão dos versos 365-6 que seria /‟ , ao invés de /‟ pois ele acredita que o uso de não seja muito coerente, como já vimos, e escolhe o termo . Assim, teríamos a seguinte tradução “por causa dos lucros, com intenção de prejudicar” (“for the sake of the gain, with intent to harm”).

Para que essa tradução faça algum sentido, Sommerstein interpreta então que essas frases dizem respeito não somente ao fato de os Persas serem convidados a intervir, mas a todas as más ações que são mencionadas desde o verso 356. Dessa forma, não só o instigar os Persas a intervir pode ser considerado como algo que foi feito pelos lucros, com a intenção de prejudicar, mas todas as ações já citadas

anteriormente – como enganar, transgredir os juramentos sagrados, subverter os decretos e a lei e revelar segredos aos inimigos – seriam atitudes feitas somente visando ao lucro e com a intenção de prejudicar.

Austin e Olson acham incongruente a frase /‟, para a qual eles apresentam a tradução “por causa do país, e para nosso prejuízo” (“for the sake of the country, to [our] detriment”). O que eles entendem como sendo a incoerência da frase pressupõe-se que seja o fazer algo pelo país, mas em prejuízo dos seus cidadãos, já que, diferentemente de Sommerstein, eles não problematizam o fato de não possuir o sentido de comunidade, corpo-político como a palavra “country”, no inglês, apresenta, pois inclusive utilizam-se desse vocábulo para a tradução que nos dão. Ao invés disso, eles acrescentam ao final do verso 366 um “nosso” (“our”), que não está explícito no texto em grego.

Eles também indicam o fato de o verso 360 poder ser uma variante do verso 366, explicando que poderia ter havido um problema na transmissão do texto no momento em que o termo fora, por ventura, utilizado como glosa explicativa a /‟ . Assim, com a glosa, teríamos: “por causa das provisões [da região], em nosso prejuízo”. Mas os autores também não descartam a possibilidade de o verso 360 ser o verso fixo e a expressãoser, portanto, uma intromissão no texto do verso 365 (embora não haja nenhuma explicação plausível para esse fenômeno ocorrer). Assim, o verso 366 poderia ser configurado de