• Nenhum resultado encontrado

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.2. Impressões dos entrevistados sobre sua formação

Antes de olharmos para as respostas dos entrevistados destacamos o que o curso em questão oferece de forma obrigatória em relação às disciplinas de Orgânica9: Química Orgânica I, no 2º período, Química Orgânica II, no 3º período, e Química Orgânica Experimental, no 5º período, todas estas disciplinas na primeira metade do curso (o tempo normal para conclusão do curso possui 5 anos – 10 semestres), sendo as teóricas bem no começo do curso e tendo um semestre separando as teóricas da prática. Apenas em ocasiões de disciplinas optativas na área que o aluno poderia se deparar com disciplinas de Química

9 Segundo o Plano Pedagógico do curso de 2010, disponível em:

Orgânica após a primeira metade do curso, já que os espaços que possuem nos horários para optativas aparecem nos semestres 6, 8 e 910.

Muitos alunos apontam para a forma como eles usualmente eram avaliados nas disciplinas específicas de Química como um problema. E2, E8 e E9 relatam que a forma como eram avaliados era sempre por meio de exercícios em provas, de forma que aprenderam a estudar de forma mecânica para essas provas. E2 menciona explicitamente esse fator como algo que não contribuiu para seu desempenho no ENADE, “o simples fato de [eu] ter estudado somente para as provas que dificultou que eu lembrasse [dos conteúdos] na hora de fazer a prova do ENADE”. Outro ponto importante que foi citado por alguns entrevistados, especialmente os do G2, é a experiência negativa com as aulas de Química Orgânica na faculdade. E9 e E13 relatam que o professor da disciplina de Orgânica I faltava a algumas aulas por motivos de saúde, o que acabou prejudicando nas aulas de orgânica. Dentre os do G1, E3 também relata isso na sua entrevista, ao justificar suas impressões negativas do ENADE: “Em orgânica 1, ocorria muito de ficar sem aula. O professor às vezes faltava por motivos de saúde e por isso ficávamos muito sem aula”. Já E7 comentou que o professor que teve na disciplina não tinha “muita vontade de ensinar orgânica”. “Acho que eles deixam muito por conta dos alunos. Na minha época pelo menos foi assim”, complementa.

De forma mais contida, E11 diz não achar que as disciplinas que teve no curso o ajudariam a realizar as questões do ENADE, porém joga toda responsabilidade disso no curso: “Eu sinceramente não sei se nosso curso daria uma boa base para se responder questão do ENADE, porque mesmo eu não sabendo isso daqui, eu fui aprovado e até bem em orgânica 1 e 2 e acho que até na experimental”. Ou seja, E11 acredita que a forma como os conteúdos são cobrados na avaliação do ENADE estão diferentes do que viu durante a graduação. Em outro momento, E11 afirma que, “Então em algum lugar está a falha, eu não sei se está em mim ou no método de ensino ou tipo na ementa que o professor passou, mas de fato a questão do ENADE foi muito difícil”. Rodrigues, Da-Silva e Quadros (2011) identificaram fato semelhante em seu trabalho, acerca de alunos da graduação conseguirem ser aprovados nas disciplinas, mas carregam dificuldades para as disciplinas subsequentes. A partir das respostas acima citadas acredita-se que esse exercício de reflexão possa valer para nosso âmbito de pesquisa, embora também possa ser válido um exercício de reflexão por parte dos próprios alunos se eles também têm se esforçado o suficiente para terem uma aprendizagem efetiva – o que nem todos demonstraram nas suas falas, como E7, por exemplo.

Por causa dessa necessidade de se repensar as aulas de orgânica, os entrevistados, comentando sobre o que poderia ser melhorado no curso para terem uma formação mais proveitosa e terem melhor aproveitamento nas próximas edições do ENADE – o que estava na estrutura da entrevista do G1 –, falaram sobre a divisão e estruturação das disciplinas de Orgânica, conforme apresentado no Quadro 4. Eles mostraram ideias de como criar uma relação mais próxima entre as disciplinas do curso e o que é cobrado no ENADE. Como esta pesquisa se preocupa com as dificuldades dos licenciandos (alguns já licenciados), optou-se por buscar essa relação não com as ementas das disciplinas do curso, mas com o que foi de fato aprendido pelos entrevistados, considerando que eles podem não ter aprendido tudo que está na ementa.

Quadro 4: Impressões dos entrevistados sobre o que o curso fornece (e não fornece) quanto à Orgânica

Sugestões relacionadas às disciplinas de Química Orgânica Respondentes Aliar as disciplinas teóricas e práticas em Orgânica E2

Acrescentar disciplinas da área de Orgânica E1, E3, E4, E6, E10, E13 Repensar na distribuição das disciplinas ao longo dos semestres E4, E11, E12, E13

Acrescentar disciplinas de outras áreas da Química E1, E12, E13 A forma como a disciplina é trabalhada e avaliada em sala E2, E3, E5, E6, E7, E8,

E9, E10

Como é possível observar nas respostas dos entrevistados, todos tiveram alguma sugestão relacionada às disciplinas do curso. Alguns alunos acham que o fato de ter todas as disciplinas de Química Orgânica na primeira metade do curso contribui para que eles se esqueçam de conceitos considerados importantes – e que poderiam ser cobrados no ENADE. Exemplificando isso, E4 diz ser necessário:

E4: “repensar um pouco a carga horária das disciplinas e a distribuição

disso ao longo dos anos. A gente tem um bloco de orgânicas na primeira metade do curso (...), ou seja, não ficam distribuídas ao longo do curso. Tem muita coisa de orgânica que não me lembro mais (...). Eu sei que é um pouco difícil distribuir isso por todo curso, mas ainda sim deveriam pensar um pouco nessa distribuição da carga horária ao longo dos cinco anos, para não deixar tudo acumulado e chegar no final do curso e não lembrar do que viu no começo.”

E11, E12 e E13 também trazem visões que vão ao encontro desta. Apenas uma entrevistada, E3, acha que a distribuição dos horários está adequada; “(...) Eu acho que está bom, do jeito que está na grade está bem dividida, tem duas orgânicas e uma experimental”, porém atenta para o fato de que é necessário que essas orgânicas sejam proveitosas para os alunos.

E3: “se tiver uma boa base de orgânica 1, você consegue fazer a 2

tranquilamente. Porque a primeira disciplina precisa dar uma boa base de Orgânica para o que vai precisar no curso[...] Então, se a Orgânica for bem trabalhada, e quando chegar na 2, também for bem trabalhada, sem essa defasagem nos conteúdos da [Orgânica] 1, acho que fica ótimo para o curso”.

A lacuna nos semestres entre as disciplinas teóricas e a disciplina experimental também foi vista como um fator negativo do curso. E12 afirma: “a grade é muito furada. Tem a orgânica 1 e a 2, aí depois de pular semestres vem a orgânica experimental, não colocam elas juntas”. Por isso, E12 mostra uma necessidade de se repensar essa distribuição das disciplinas de Orgânica, pois acredita que seria mais fácil associar os conceitos aprendidos nelas e ter uma aprendizagem sólida dessa forma. Da mesma forma, E2 sugere aliar as disciplinas teóricas com as práticas, assim como acontece com outras disciplinas: “Ajuda, pois vejo isso pelas outras matérias como quali e quanti, inorgânicas e outras da físico- química, [que] ajuda muito”. Em outro momento da entrevista, E12 completa a fala, se referindo à lacuna entre as disciplinas teóricas e a experimental, como a dificuldade em assimilar o conteúdo específico, assim como perdendo a relação entre teoria e prática. Estas respostas, com exceção da resposta de E3, mostram que os alunos do curso sentem que a forma como as disciplinas são divididas e distribuídas não contribui muito para uma boa aprendizagem do conteúdo específico.

Sobre isso, vemos pesquisas que nos mostram ser importante o uso de experimentos em aulas de Ciências. Guimarães (2009) diz que a experimentação em sala de aula pode ser uma estratégia eficiente para a criação de problemas reais que permitam a contextualização e o estímulo de questionamentos de investigação. Roque e Claudino (2016), baseados em Axt (1991), afirmam que a experimentação dentro dos cursos de licenciatura tem por objetivo se contrapor com a chamada racionalidade técnica, pois estimula o desenvolvimento da criatividade dos licenciados propondo uma aprendizagem ativa, estimulando a produção de novas técnicas partindo do conhecimento teórico para a prática de ensinar. Os autores ainda

sustentam a ideia, baseados em Possobom, Okada e Diniz (2007), de que a origem do trabalho experimental, que aconteceu a mais de cem anos, influenciada pelo trabalho que era desenvolvido nas universidades, tinha por objetivo melhorar a aprendizagem do conteúdo científico, pois os discentes aprendiam os conteúdos, mas não sabiam aplicá-los. Pode-se considerar, baseando-se nessas ideias, que a atividade experimental é realmente importante para a construção do conhecimento do conteúdo específico e existe fundamento em os alunos acharem que a lacuna disciplinas teóricas-disciplina prática na Química Orgânica pode prejudicar seu aprendizado deste conteúdo.

Alguns dos respondentes, como E1, E4, E6 e E12, alegaram que algumas questões do ENADE só foram compreensíveis porque realizaram alguma optativa que os ajudou, sendo que dois deles identificaram suas optativas como disciplinas obrigatórias do bacharelado11 (mas não falaram quais disciplinas especificamente). Provavelmente por este motivo muitos dos alunos (E1, E3, E4, E6, E10, E13) sugeriram o acréscimo de algumas disciplinas no currículo, como Métodos Físicos em Análise Orgânica (MFAO) e Orgânica Experimental II, por exemplo, que são específicas do currículo do bacharelado em Química. Outro provável motivo para a sugestão de MFAO foi a dificuldade com uma questão que eles julgaram necessário alguma compreensão de análise de compostos. Das impressões de E13 sobre a prova este comenta:

E13: “Por exemplo, os métodos de separação, que tipo de análise que a

gente poderia fazer para saber como se separa tais compostos, isso faltou na minha grade curricular. Eu acho que o curso poderia aderir a matéria de MFAO para a licenciatura”.

É possível que outro motivo para a sugestão de mais uma disciplina experimental seja a falta que os entrevistados sentem de terem mais disciplinas que aliem a teoria à prática, cuja importância já foi discutida acima. E1 diz: “Mas ainda sim com a MFAO sinto falta de experimentos, pois só vemos teoria”.

Acredita-se que pelo mesmo motivo de estes entrevistados sugerirem MFAO outros alunos (E1, E12, E13) sugeriram a inclusão de Análise Instrumental I e II, também do Bacharelado em Química, mas específicas de outras áreas; E4, por exemplo, fala: “não deixa de ser importante a gente ter algumas disciplinas que abordem análise química (...), até

11 O Curso de Graduação em Química da IES possui duas modalidades: bacharelado e licenciatura, de forma que

é possível que os alunos possam fazer disciplinas comuns às duas modalidades tanto no bacharelado quanto na licenciatura; sobre as disciplinas citadas pelos entrevistados, o rol de disciplinas optativas aos licenciandos do Plano Pedagógico do Curso possui várias disciplinas que são obrigatórias no bacharelado.

porque fica sendo uma defasagem para gente”. E1 também diz ser necessário acrescentar tais disciplinas, mas não argumenta mais sobre isto. Outra sugestão foi dada por E13, no sentido de reorganizar as disciplinas da área em quatro disciplinas teóricas com o mesmo “peso” que as duas existentes:

E13: “Eu acho que poderia fazer o seguinte, poderia ter quatro químicas

orgânicas, mas dessas quatro você trabalharia com calma e poderia trabalhar os conteúdos que são mais difíceis durante essas quatro químicas, para não ficar tão sobrecarregado para o aluno, porque quando eu fiz senti um sobrepeso muito grande”.

O respondente acredita que distribuir o que é visto nas disciplinas existentes (Orgânicas I e II) permitiria que os conteúdos fossem vistos com mais calma, além de poder trabalhar mais com conteúdos cobrados no último ENADE: “Querendo ou não, a matéria de orgânica não uma matéria muito simples, não é uma matéria fácil. (...) são muitos conceitos para recordar e também ter alguns exercícios resolvidos do ENADE”.

Todas essas proposições surgem das próprias percepções dos alunos do curso que fazem/ fizeram, mas devemos atentar para quais destas ideias seriam plausíveis. O simples fato da ementa contemplar as disciplinas de análise, não garantem que esses futuros professores se formem com aprendizagem efetiva desses conteúdos, visto a avaliação dos alunos de Química na modalidade Bacharel da mesma unidade. Por outro lado, o que se percebe nesse caso, é o alto nível exigido pelo Exame Nacional, que pode não refletir a realidade no que tange a qualidade desses formandos.

Muitos dos respondentes atentaram para como as aulas são trabalhadas e como ocorrem as avaliações nas disciplinas como fator necessário de se mudar. E7, por exemplo, relata que teve péssimas experiências com o professor de Química Orgânica e sugere que mude a didática. “A didática dos professores tem que melhorar bem como a forma que eles abordam o conteúdo às vezes é muito confusa”. E3 destaca que teve uma formação em Química Orgânica I muito defasada, o que refletiu na Química Orgânica II. Tal visão não é exclusiva de E3 e E7, sendo que, como pode ser visto no quadro 3, outros seis entrevistados demonstraram nas suas respostas que isso de alguma forma prejudicou seus estudos. Vemos nas pesquisas de Valadão, Araújo Neto e Lopes (2017) e Lira e Santos (2016) que existem professores de Química Orgânica que se preocupam com a forma de lecionar e essa preocupação aliada a uma mudança de postura e organização das aulas pode ser benéfico aos alunos. É preciso ressaltar, relembrando o comentário de E11, que os alunos também podem

repensar suas posturas para estudar e suas organizações para as aulas de Química Orgânica, refletindo se eles também não precisam adotar novas posturas.

Vale ressaltar, como destacado por Rodrigues (2001 apud BELINASO et al., 2009), que há professores de Orgânica que observam ingressantes entrarem nas suas disciplinas com desinformação e obstáculos que são persistentes à mudança. Dessa forma, é necessário reconhecer quando um grupo de estudantes, ao estarem do meio do curso para frente, consegue observar seus obstáculos e sugerem formas de se melhorar o curso, mesmo que os estudantes também possam pensar se/ como eles mesmos também podem melhorar.

Documentos relacionados