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CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO

1.3. Segundo estágio: fase clínica

1.3.1. Células T na artrite reumatoide

1.3.1.1. Imunossenescência prematura na artrite reumatoide

O processo de imunossenescência é definido como uma lenta e gradual perda de funcionalidade do sistema imune que torna o indivíduo mais suscetível a doenças infecciosas, neoplasias e doenças autoimunes (Bauer, 2008). Contudo, o envelhecimento do sistema imune não é uma característica exclusiva de pessoas idosas, visto que infecções latentes, como a estimulada pelo CMV, e doenças autoimunes, como a AR, podem desencadear o remodelamento do sistema imune precocemente (Do Prado et al., 2013; Rizzo et al., 2013; Petersen et al., 2015). Embora a imunossenescência seja amplamente estudada na AR, não existem estudos relatando a associação e a potencial contribuição da infecção com CMV para a imunossenescência prematura observada nesta patologia.

Sobre o ponto de vista das células T, a imunossenescência natural ou precoce é caracterizada por alterações qualitativas e quantitativas. O envelhecimento imunológico em pacientes com AR é evidenciado pela contração no repertório de células T naive periféricas,

aumento de células T efetoras terminalmente diferenciadas, identificadas pela perda da expressão de CD28 e encurtamento telomérico (Weyand et al., 2014).

O envelhecimento, natural ou precoce, do sistema imune inicia pela perda da capacidade do timo em maturar linfócitos T. O timo é um órgão de diferenciação e maturação de células T naive que começa a sofrer mudanças estruturais (troca de tecido tímico por tecido adiposo) a partir da puberdade e, por volta dos 80 anos, sua capacidade funcional é severamente limitada (Weyand e Goronzy, 2002; Lindstrom e Robinson, 2010). Todavia, a relação entre função tímica e incidência de AR é inversamente proporcional, ou seja, à medida que a capacidade funcional tímica é reduzida, a incidência de AR, no entanto, aumenta (Goronzy et al., 2010).

A alteração estrutural do timo contribui para a redução da população de células T naive na periferia (Goronzy e Weyand, 2005). Logo, a proliferação homeostática periférica, com o objetivo de manter o compartimento das células T na redução da produção tímica, gera estresse replicativo, que é marcado pela perda da molécula coestimulatória CD28 e erosão telomérica (senescência celular replicativa) (Goronzy et al., 2010). A molécula coestimulatória CD28 está presente na superfície de células T CD4+ e CD8+ e é responsável por garantir a apropriada ativação de células T via ligação com CD80/CD86, as quais se expressam sobre a superfície de APCs (Lindstrom e Robinson, 2010). Contudo, um estudo prévio realizado pelo nosso grupo de Imunologia do Envelhecimento, comparando pacientes com AR controlada e controles saudáveis ajustados para idade, mostrou expansão na população de células T CD8+CD28- e CD4+CD28- no grupo com AR, corroborando com dados prévios da literatura (Petersen et al., 2014).

Além de células CD28-, os telômeros também fornecem fortes indícios de senescência celular (Figura 7) (Rizzo et al., 2013). Telômeros são sequências repetidas de TTAGGG que se localizam nas porções terminais dos cromossomos e são continuamente encurtados a cada ciclo de divisão celular (Steer et al., 2007; Goronzy e Weyand, 2009). O comprimento telomérico, embora em menor extensão do que os estudos com células CD28-, também tem sido estudado em pacientes com AR. Os resultados apontam que, de fato, os telômeros de células mononucleares do sangue periférico (PBMCs) de pacientes com AR, apresentam-se mais curtos quando comparados a controles de mesma idade (Steer et al., 2007).

Por outro lado, o CMV é um herpes vírus de infecção latente e assintomática em indivíduos imunocompetentes que tem sido relacionado à imunossenescência prematura (Figura 8) (Cannon et al., 2010). Ele atinge 90% das pessoas entre 75-80 anos, cuja idade é equivalente ao pico de incidência de AR na população mundial (Cannon et al., 2010; Goronzy et al., 2010). Ademais, o CMV já foi relacionado á marcadores de imunossenescência em patologias como o transtorno bipolar (Rizzo et al., 2013), tireoidite de Hashimoto (Prelog et al., 2013a) e doença renal (Meijers et al., 2013). Indivíduos com tireoidite de Hashimoto soropositivos para CMV apresentam expansão na população de células T CD4+CD28- e T CD8+CD28- quando comparados a indivíduos saudáveis CMV-soronegativos (Prelog et al., 2013a). Da mesma forma, vimos que os pacientes com transtorno bipolar tem aumento na população de células T CD8+CD28- e estas, por sua vez, correlacionam-se positivamente com os títulos de anticorpos IgG anti-CMV (Do Prado et al., 2013; Rizzo et al., 2013).

Sob outro ângulo da imunossenescência, a presença de CMV está relacionada à erosão telomérica. Estudos de comparação intragrupo, que compararam os indivíduos antes e após a infecção primária com CMV, demonstraram que após a infecção há pronunciada redução no comprimento telomérico das PBMCs (Van De Berg et al., 2010). Tal efeito do CMV sobre o tamanho telomérico se mantém quando há uma comparação intergrupo entre indivíduos CMV soropositivos e soronegativos (Van De Berg et al., 2010). De mesma forma, as células CD8+ de pacientes com doença renal em estágio terminal soropositivos para CMV apresentam telômeros mais curtos quando comparados com as células CD8+ de indivíduos com doença renal em estágio terminal CMV soronegativo (Meijers et al., 2013). O mais interessante é que, quando os sujeitos do estudo foram separados por idade formando um grupo jovem e um grupo idoso, ambos subdivididos em CMV positivo e CMV negativo, o comprimento telomérico das células CD8+ dos indivíduos jovens CMV positivo apresentaram-se significativamente mais curtos se comparado aos indivíduos jovens CMV negativo. Essa informação forneceu estimativas de que

Figura 8. Citomegalovírus como indutor da imunossenescência prematura. Comparação da produção tímica, frequência de

células T naive, diversidade de células T e progressivo processo de imunossenescência entre iIndivíduos CMV-soronegativos (A) e CMV-soropositivos (B) (Karrer et al., 2009).

pacientes com doença renal em estágio terminal e sorologia positiva para CMV com idade cronológica de 40 anos apresentam a média dos telômeros de um indivíduo de 60 anos CMV soronegativo (Meijers et al., 2013).

De acordo com o exposto, ainda não se conhece a frequência de soropositividade para CMV em pacientes com AR e a potencial influência desta infecção para a senescência prematura das células T observada na doença. A imunossenescência além de afetar a população de células T, como visto nos parágrafos antecessores, também promove alterações quantitativas e qualitativas na população de células B. As alterações quantitativas de subpopulações de células B na AR serão exploradas na próxima seção.

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