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ISCTE-IUL inesr.sousa@hotmail.com

Paula André

DINÂMIA’CET-IUL – ISCTE-IUL paula.andre@iscte-iul.pt Resumo

Os muxarabis, rótulas e gelosias são estruturas de madeira presentes em vãos de fachadas que aliam a sua estética à funcionalidade, e garantem o controlo de iluminação e ventilação de um compartimento interior. A expressão da arquitetura proporcionada por estas estruturas está presente em Portugal, com destaque nos bairros históricos de Lisboa, nomeadamente em Alfama e Mouraria. Estes bairros são caracterizados por uma malha urbana densa, semelhante às cidades do norte de África, formada por ruas, ruelas e becos, com fachadas opostas muito próximas e sem privacidade. Numa primeira instância, nestes dois bairros históricos de Lisboa, os muxarabis, rótulas e gelosias, aparentam ter características de uma estrutura histórica de longa permanência. Contudo, através da sua análise, constatou-se um declínio da sua existência e no Estado Novo (1933-1974) uma re-invenção da tradição, desvendando-se também um vício visual. Esta análise e constatação foi suportada por um vasto reportório iconográfico destas estruturas de madeira em Alfama e Mouraria presentes em: fotografias do Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa; na arquitetura efémera de exposições nacionais e internacionais (“Lisboa Antiga” de 1935; Exposição Internacional de Paris de 1937 e “Exposição do Mundo Português” de 1940); em documentários (“Alfama a Velha Lisboa” de 1930, e “Festas da Cidade de Lisboa” de 1935); em gravuras e notícias que colocavam em destaque esta particular expressão arquitectónica.

Palavras-chave

Introdução

Os muxarabis, rótulas e gelosias são estruturas de madeira adjacentes às fachadas, que se adaptam ao clima e ao modo de vida das populações. Realizam o controlo de iluminação, facilitando a ventilação e simultaneamente atribuem, para além de um valor estético, um caráter funcional e sustentável, proporcionando iluminação e ventilação naturais. São elementos treliçados dispostos numa tela com intervalos regulares com um formato geométrico intricado, que protege o interior dos espaços, uma vez que é possível observar do interior para o exterior.

Embora as origens dos termos, muxarabis, rótulas e gelosias remontem à cultura árabe, não existe uma designação fixa para estes termos, e as expressões podem apresentar divergências. Mariano Filho, em “Influências muçulmanas na arquitetura tradicional brasileira” (1943)1 recorre a uma distinção entre muxarabis, rótulas e gelosias. O autor apresenta ilustrações de pormenores arquitetónicos do final do século XVIII, com destaque para as estruturas em estudo. Relaciona a arquitetura brasileira com uma identidade ibérica de origem muçulmana.

Figura 1 - Gravura Casa das Gelosias em Minas - gerais, século XVIII, presente em “Influências muçulmanas na arquitetura tradicional brasileira” de Mariano Filho 1943

Figura 2 – Gravura Casa térrea em Pernambuco, século XVIII, presente em “Influências muçulmanas na arquitetura tradicional brasileira” de Mariano Filho 1943

Figura 3 – Gravura de Guarda – corpos de adufas, remanescentes de gelosias em Minas - gerais, século XVIII, presente em “Influências muçulmanas na arquitetura tradicional brasileira” de Mariano Filho 1943

1 FILHO, Mariano - Influências Muçulmanas na arquitetura tradicional brasileira. Rio de Janeiro: Editora A Noite, 1943. p.12

Figura 4 - Capa de livro de Mariano Filho, Influências Muçulmanas na arquitetura tradicional brasileira de 1943

Figura 5 - Capa livro de Hassan Fathy, Natural energy and vernacular architecture de 1986

Figura 6 - Capa do livro do Congresso Proceedings of the Third International Congress on Construction History, em Maio de 2009

Figura 7 - Blog “Coisas da Arquitetura” de Silvio Colin, Técnicas construtivas do período colonial, 2010 Para a presente investigação considera-se a distinção de Mariano Filho, que admite uma diferenciação consoante a complexidade da estrutura. Segundo este autor, a rótula e a gelosia compunham os muxarabi. A rótula era utilizada na parte superior, uma vez que, possuía uma articulação das secções segundo um eixo horizontal superior, ou seja, no “sentido antero-posterior” ou eixo vertical. No entanto, a gelosia era aplicada na parte inferior, constituída por uma estrutura fixa. A reixa, o componente elementar da estrutura, é referido como o conjunto de treliças dispostas de forma geométrica, localizada no interior dos elementos2.

Figura 8 - Muxarabi em “Festas da cidade de Lisboa” 1935

2 FILHO, Mariano - Influências Muçulmanas na arquitetura tradicional brasileira. Rio de Janeiro: Editora A Noite, 1943. p.24

Figura 9 - Rótula no Beco de São Miguel fotografia da autora

Figura 10- Gelosia em Alfama fotografado por Armando Maia Serôdio 1959

O recente interesse histórico e turístico presente em Alfama e Mouraria aponta para a gentrificação e turistificação3. Estes bairros apresentam características morfológicas particulares, uma malha urbana intricada e estruturas de madeira peculiares, como os andares de ressalto e os muxarabis, rótulas e gelosias. Se numa primeira instância as estruturas são apresentadas como históricas, remetendo para a cultura árabe, o presente estudo pretende questionar esta suposta veracidade, através da realização de um levantamento de fotografias históricas de Alfama e Mouraria, procurando compreender as transformações dos muxarabis, rótulas e gelosias num período temporal desde 1989 até 1971 e o modo como influenciam a expressão da arquitetura, conferindo-lhe uma imagem histórica e tradicionalista. Igualmente importante para o desenvolvimento deste estudo, foi a comparação dos registos históricos com fotografias atuais realizadas in

loco de modo a descortinar as alterações ocorridas relativamente às estruturas de

madeira nas fachadas de Alfama e Mouraria. Esta abordagem foi apoiada em fotografias, publicações, documentários e gravuras, entre 1898 e 1971, e encontra-se fundamentada: no levantamento fotográfico (1898-1908) realizado por José Cândido de Assunção e Sousa e Artur Júlio Machado existente no Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa; no artigo “Bairros da cidade” publicado na revista “Ilustração Portugueza”

3

Os conceitos de gentrificação e turistificação evidenciam relações intrínsecas. Gentrificação, termo enunciado em 1964 pela socióloga Ruth Glass, com uma definição que sofreu alterações e adaptações. Assim, entende-se por gentrificação o processo social e económico de reconversão dos bairros históricos da classe trabalhadora localizados no centro da cidade em áreas de classe média. Promove uma renovação física ou reabilitação de modo a cumprir com as exigências de seus novos proprietários, o que origina o desalojamento e deslocação para a periferia da classe pobre, colocando em causa as dinâmicas sociais e espaciais. In HAMNETT, C. The Blind Men and the Elephant: The Explanation of Gentrification. Transactions of the Institute of British Geographers, 1991, vol 16, Nº2, p.175. Turistificação ou gentrificação turística atribui-se ao processo de expansão do turismo num território, através de estratégias de promoção e revitalização dos núcleos históricos, recorrendo a novos serviços e equipamentos. Os centros contaminados por alojamentos turístico das suas diversas modalidades e por investimentos em património imobiliário, acrescido uma saturação do sector comercial direcionado ao turismo, originam o despejo e descaracterização das áreas da cidade. In MENDES, L. Gentrificação turística em Lisboa:

neoliberalismo, financeirização e urbanismo austeritário em tempos de pós-crise capitalista 2008- 2009. Cadernos Metrópole, 2017, Vol.13, nº26, p. 491-503

(1904); no livro “Lisboa Velha” (1925) de Roque Gameiro; no documentário de João de Almeida e Sá “Alfama a velha Lisboa” (1930); no registo vídeo-documental e fotográfico da exposição “Festas da cidade” (1935); nas gravuras de Alfama expostas na “Exposição Internacional de Paris” (1937); no registo vídeo-documental e fotográfico do “Bairro Comercial” na “Exposição do Mundo Português” (1940); no discurso de Norberto de Araújo proferido em 1944 na conferência “Alfama como eu a não vejo” publicado na revista “Olissipo” (1945); nas fotografias registadas no decorrer do Concurso de Janelas Floridas, incluído nas Festas da Cidade durante os anos de 1950/60; no artigo “Ronda dos Bairros” (1960) publicado na revista “Flama”; no livro de Ferreira de Andrade “Lisboa”(1960) e ainda no livro “Lisboa, no passado e no presente” (1971) coordenado pelo arquitecto Jorge Segurado.

Caso de Estudo

Alfama, bairro popular do núcleo histórico de Lisboa está inserido na vertente sul da encosta do Castelo, próxima do rio Tejo e corresponde a uma das ocupações mais antigas da cidade de Lisboa. Com vestígios desde os tempos dos romanos e visigodos, somente no período de ocupação árabe se desenvolve como arrabalde exterior da muralha. O seu topónimo advém do árabe, Al-hama, que significa banhos quentes ou termais. Este lugar foi eleito pelos muçulmanos pois conseguia reunir as condições pretendidas por estes, uma vez que, possuía uma abundância em água com qualidades termais e o seu assentamento em colina oferecia uma capacidade defensiva eficaz. A malha urbana é caracterizada pela organização orgânica e labiríntica com becos, vielas, escadinhas e travessas, conferindo ao território um aspeto pitoresco e belo, como um bairro vivo4.

Mouraria, situa-se nas vertentes poente e norte da Colina do Castelo, e assim designada após a conquista de Lisboa pelas tropas cristãs e consequente expulsão dos mouros para o pequeno “arrabalde” fora da cidade cristã5. Território idêntico a Alfama com uma topografia acidentada, de ruas sinuosas e estreitas, ficou marcado por “pobreza e precariedade habitacional” desde muito cedo, agravando-se com o fluxo migratório e a fixação de pessoas do interior do país, que estabeleceu um elevado índice de concentração populacional. Estes acontecimentos geraram uma estigmatização do local, associado à prostituição e ao tráfico e consumo de drogas6. As demolições ocorridas a partir de 1940 na Mouraria, com maior expressão no lado nordeste o Martim Moniz, originaram uma perda de autenticidade.

4 MAGALHÃES, Andreia - Reabilitação urbana: experiências precursoras no núcleo antigo de

Lisboa. 1ª ed. Lisboa: Parque Expo, 2008. p 121

5 MAGALHÃES, Andreia - Reabilitação urbana: experiências precursoras no núcleo antigo de

Lisboa. 1ª ed. Lisboa: Parque Expo, 2008. p 121

6 MENEZES, Marluci - Património Urbano: por onde passa a sua salvaguarda e reabilitação? In Cidades-

Figura 11 - Mapa assinalado a amarelo, as fotografias em estudo de Alfama e Mouraria presentes no Arquivo Municipal de Lisboa. Elaborado por Inês Sousa

Ensinamentos da cultura árabe, como os muxarabis, rótulas, gelosias e andares de ressalto, em que os pisos superiores em consola para a rua proporcionam uma extensão do espaço habitacional, foram prevalecendo ao longo dos tempos. Contudo, a partir do século XV estes elementos entram em declínio e após o terramoto de 1755, com o primeiro Alvará em 1759, surgiram uma série de proibições e limitações que incidiam na construção de muxarabis ou a limitavam o seu avanço sobre a rua: “Prohibido da mesma sorte, que nas janelas das casas, situadas em ruas, que tenhão quarenta palmos de largo, e dahi para cima, haja rótulas, ou gelosias, que além de deturbarem o prospecto das ruas, tem o perigo de se communicarem por ellas os incêndios de huns a outros edifícios: eceptaunado-se somente as lojas e casas térreas, que se acharem no andar das ruas, expostas à devassidão dos que por ellas passão”7.

7 Collecção da Legislação Portugueza - Legislação de 1750 a 1762 [em linha] [3 setembro 2019] Disponível em WWW:<

Este Alvará, surge quatro anos após o terramoto da cidade de Lisboa e no momento da reconstrução da cidade, a imposição da eliminação dos elementos de madeira nas fachadas, tinha como intuito a prevenção de possíveis incêndios, em consequência da inflamação do material, a madeira. Porém, a extinção destes elementos não foi possível, e a importância estética e funcional foi prevalecendo por parte de alguns moradores8.

Figura 12 – Alvará de 15.6.1759

Considera-se que através da imagem, da representação e da divulgação dos Bairros de Alfama e Mouraria, é possível depreender a sua importância no presente e no passado. As diversas fontes de trabalho são consequentes de um impulso e interesse pelas áreas históricas da cidade, resultantes do revivalismo do século XIX, que tinha como premissa o gosto pelo pitoresco e pelas formas medievais9. Dessa forma, suscitou um interesse por parte de fotógrafos nacionais e internacionais, que registavam esse espaço. A imagem que era transmitida sob a forma de fotografia, fixa o momento da cidade num determinado tempo. Deste modo, foram recolhidas, analisadas e mapeadas 75 fotografias do Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa entre 1898 e 1971, que correspondem a registos de muxarabis, rótulas e gelosias nas áreas em estudo. Através de registos diferenciados, procurou-se compreender estas estruturas desde a escala geral até ao pormenor que isola o objeto. Depreenderam-se três momentos distintos, em que se categoriza quarenta e quatro fotografias realizadas no período compreendido entre 1933-1974, vinte fotografias realizadas antes deste período e somente quatro efetuadas posteriormente, porém sete foram consideradas indefinidas.

8 CARVÃO, Rafael Bezerra - A eliminação dos muxarabis, rótulas e gelosias do Brasil – Um caso de

dominação económica. Évora: Departamento de História - Universidade de Évora, 2009. Dissertação de

Mestrado. p. 57

9 LUCAS, Pedro Galvão – Representação de Arquitetura – Introdução às várias formas de

Este mapeamento revela que a localização destes elementos na fachada está intrinsecamente relacionada com a malha urbana do bairro, uma vez que estão localizados em becos, ou ruas estreitas, nos quais a dimensão das fachadas dianteiras é reduzida, descorando a privacidade, com vãos de fachada relativamente próximos. As visitas ao local, com o intuito de percecionar o espaço e realizar registos in loco, foram imprescindíveis, a fim de compreender o espaço e de modo a relacionar os registos do arquivo com a actualidade.

Considera-se o interesse no registo fotográfico da cidade de Lisboa como documento de memória. A intenção de constituir um Arquivo Fotográfico Municipal regista-se na deliberação camarária de 13 de fevereiro de 1871, assinada por Anselmo Ferreira Pinto Basto - Conde de Rio Maior, António – Dr. Joaquim José Alves – Dr Manuel Thomaz que consigna que a "Câmara mande photographar todos os edifícios antigos que seus proprietários pretendem demolir e possam inspirar qualquer interesse archeológico e bem assim todos os locaes que tenham de sofrer transformações importantes”10.

Figura 13 – Documento da Deliberação da Reunião da Câmara de 13 de fevereiro de 1871

Em 1898, a parceria de desenhadores da Repartição de Obras da Câmara Municipal de Lisboa, José Cândido de Assunção e Sousa e Artur Júlio Machado, com 42 e 31 anos respetivamente, elaborara uma proposta para o primeiro levantamento fotográfico da cidade de Lisboa. Aprovado em requerimento a 21 de novembro do mesmo ano, pelo arquiteto José Luís Monteiro, chefe da 1ª Repartição do Serviço de Obras, o levantamento seria realizado a todos os prédios, expropriados ou particulares, cuja demolição fosse eminente de modo a constituir um documento de memória. Registado por Eduardo Freire de Oliveira, chefe do Serviço Central da 3ª Secção (archivo) a

10

Deliberação da Reunião da Câmara de 13 de fevereiro de 1871 [em linha]. Março 2019 [7 setembro 2019] Disponível em WWW: <http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/investigacao/varia/documento-do- mes/marco-2019/>

intenção da Câmara Municipal em adquirir o álbum de modo a integrar no Arquivo Municipal de Lisboa11. O inventário (1898-1912) com cerca de 3.800 negativos em vidro (13x18cm) realizado pela firma Machado & Souza, tinha um carácter estatístico e uma intenção de fotografar, catalogar e mapear cada fachada, incluindo o bairro de Alfama e Mouraria12. Representam o espaço público, a vivência e a malha urbana da capital, do início do século XX e em parte já desaparecida. As fotografias desta dupla sobre o território em estudo demonstram o caráter pitoresco e tradicionalista conferido pelas estruturas de madeira nas fachadas. Estes registos fotográficos deram origem ao designado “Fundo Antigo”, tendo sido catalogadas e descobertos seus autores em 2015, originando a exposição “Lisboa, uma grande surpresa” 13

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Figura 14 e 14a - Rua da Mouraria de Machado & Souza entre 1898 e 1908 | Pormenor da fotografia original

11 Deliberação da Reunião da Câmara de 13 de fevereiro de 1871 [em linha]. Março 2019 [7 setembro 2019] Disponível em WWW: <http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/investigacao/varia/documento-do- mes/marco-2019/>

12 Lisboa uma grande surpresa [em linha]. Setembro 2016 [7 setembro 2019] Disponível em WWW: <http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/eventos/lisboa-uma-grande-surpresa/ >

13

Fundo Antigo do Arquivo Municipal de Lisboa [em linha]. Setembro 2016 [7 setembro 2019] Disponível em WWW: < http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/investigacao/varia/documento-do- mes/setembro-2016/ >

Figura 15 e 15a - Rua da Mouraria de Machado & Souza entre 1898 e 1908 | Pormenores da fotografia original

Figura 15b e 15c - Rua da Mouraria de Machado & Souza entre 1898 e 1908 | Pormenores da fotografia original

A divulgação destes bairros intensificou-se em artigos de jornais e revistas, acompanhados de gravuras e ilustrações. Santos Tavares no artigo “Bairros da cidade” publicado em 1904, na Revista “Ilustração Portugueza”, relata Alfama cheia de miséria e pobreza com um grande nível de criminalidade e diversas intervenções de polícia14. Refere os aspetos característicos deste bairro, nomeadamente os pátios, as fachadas com gelosias, os azulejos na Rua do Castelo, e os andares de ressalto no Largo de Santo Estevão, que proporcionavam um ambiente sombrio, uma vez que, a iluminação direta penetrava por um período curto de tempo15. Descrevia um território com dejetos que apodreciam nas valetas, as habitações acumuladas e sem simetria. As descrições são complementadas por ilustrações, onde a realidade arquitetónica coexiste com o quotidiano bairrista. São apresentadas 9 ilustrações sobre o bairro de Alfama, 4 dos quais apresentam estruturas de madeira nas fachadas. Segundo jornais da época, o município pretendia arrasar o bairro, contudo, o autor da notícia defendia a abertura de avenidas amplas de modo a integrar esta área da cidade, uma vez que “(…) ao menos que a fome tenha ainda onde abrigar a deshonra da sua angústia, já que a época actual reclama que a miséria se oculte para que a felicidade, passando, não sinta a sua própria provocação”16.

Figura 16 - Artigo da Revista “Ilustração portugueza. nº13 (1904)” p.198 | 199

14 TAVARES, Santos– Bairros da cidade In CHAVES, José Joubert. (1904) p.198 15

TAVARES, Santos– Bairros da cidade In CHAVES, José Joubert. Ilustração portugueza. nº13 (1904) p.198

16 TAVARES, Santos– Bairros da cidade In CHAVES, José Joubert. Ilustração portugueza. nº13 (1904) p.199

Figura 17 e figura 17a- Ilustração do Pátio na Rua dos Castelo, Picões, presente no artigo “Bairros da cidade” – “Ilustração portugueza” | Pormenor da gravura original

Figura 18 e 18a - Ilustração do Arco da Rosa, presente no artigo “Bairros da cidade” – “Ilustração portugueza” | Pormenor da gravura original

A obra “Lisboa Velha” 17 (1925) do pintor e desenhador Roque Gameiro reúne cem aguarelas e desenhos de espaços velhos da cidade. Com prefácio de Afonso Lopes Vieira, poeta português que acompanhou o desenhador ao longo dos percursos pelas zonas históricas considera: “Tudo isto Roque Gameiro nos oferta no seu Álbum, este Auto da Lisboa Velha, composto em décadas de carinhoso trabalho, e onde a mestria do ilustre desenhista nos surge, como sempre, sincera na comoção com que se enterneceu vendo o que amou ou lhe deixou saudades”18.Gameiro retratou Lisboa do século XIX de modo a expressar o carácter dos bairros, sob o ponto de vista do aspeto pitoresco invocando uma realidade com tendência a desaparecer e a degradar-se. Constitui um documento histórico precioso que recorre à representação não só da arquitetura, como também da vivência e das interações com o espaço. Representa os muxarabis, rótulas e gelosias, desde o olhar geral da rua, com uma representação do seu lado vernacular, até à representação da interação das pessoas com as estruturas de madeira. Assim, com uma presença maioral nos registos de Roque Gameiro, considera-se que estas estruturas representam e fazem parte de Alfama do ilustrador e dos seus habitantes. Em consequência, diversos autores recorrem às suas gravuras e aguarelas de modo a ilustrarem os seus livros ou notícias, enaltecendo a essência única captada por Roque Gameiro.

Figura 19 e 19a - Pátio de uma casa na Rua de Castelo Picão de Roque Gameiro Estampa número 23 do livro “Lisboa Velha” e divulgada na Revista “Ocidente” no artigo Exposição de Aguarela da sociedade de Belas-Artes a 20-01-1914 e consequentemente exposta em 1914 na Escola de Belas-Artes | Pormenor da gravura original

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GAMEIRO, Roque – Lisboa Velha ed 1º. Lisboa: Vega, 1925.

Figura 20 e 20a – Rua do Bemformoso, Mouraria de Roque Gameiro | Pormenor da gravura original

O documentário “Alfama a velha Lisboa” (1930) realizado por João de Almeida e Sá, com apoio do diretor fotográfico Artur Costa de Macedo, constitui um documento histórico, que reflecte a arquitetura, a vivência e imagem da cidade. Este documentário representa uma viagem pelas áreas de Alfama “a Nascente, a Porta do Sol com o

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