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2. P OISON P ILLS B RASILEIRAS

2.3. F INALIDADE : P ROTEÇÃO AO C ONTROLE OU À D ISPERSÃO A CIONÁRIA ?

Muito se discute quanto a real finalidade das poison pills no direito societário brasileiro. Isto porque o objeto de suas homônimas americanas era a proteção do controle contra possíveis takeovers. De fato, para parte das companhias brasileiras, as cláusulas de poison pill foram inseridas com tal objetivo, porém quanto à uma modalidade específica de aquisição do controle. Hoje, no Direito Brasileiro, com sede no art. 254-A da Lei das S.As., reside uma modalidade de Oferta Pública de Aquisição de Ações de cunho obrigatório. Esta OPA legal incidirá sempre que houver uma aquisição derivada do controle acionário, isto é, quando a companhia já apresentava um controle definido nas mãos de um determinado acionista ou grupo de acionistas e, mediante uma negociação privada deste bloco de controle, seja constituído um novo acionista controlador.

Entretanto, o instituto presente no art. 254-A acima referido, também conhecido como direito do Tag Along, somente exigirá a realização de oferta pública no caso descrito, pois quando houver uma aquisição originária do controle, não haverá incidência deste dispositivo legal58. Conforme relatado pelo antigo diretor da CVM, Yazbek:

(...) se não houver aquele controle preexistente, não há, também, que se falar em transferência, mas sim na chamada aquisição originária de controle. Em linhas gerias, a aquisição originária de controle seria aquela em que o bloco de controle tenha se constituído sem que, antes, houvesse controle definido. É o caso, por exemplo, da assunção de posição de controle por meio de aquisições realizadas de diversos alienantes, em mercado59.

Neste sentido, quando houver a aquisição derivada de controle, já existe uma oferta pública obrigatória prevista na lei societária. Por este motivo, as ofertas públicas estatutárias

vigente, em especial a regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM e os regulamentos da BM&FBOVESPA aplicáveis.”

57 EIZIRIK, Nelson. Direito Societário: Estudos e Pareceres. p. 609.

58 COSTA, Luiz Guilherme Duarte Martins. et al. Mecanismos de Reforço do Poder de Controle nas Companhias do Novo Mercado: As Poison Pills Brasileiras. In: PENTEADO, Mauro Rodrigues (Org.). Mercado de Capitais Brasileiro II: Doutrina, Cases & Materials. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 286.

trazidas pelas poison pills brasileiras, complementarmente ao Tag Along, não terão o seu gatilho acionado em casos de alienação do controle, mas apenas quando houver aquisição, em uma ou mais operações de compra e venda de ações do free float, de um percentual minoritário de ações que poderá levar o seu adquirente a prevalecer nas Assembleias Gerais da companhia, ainda que não possa eleger a maioria absoluta dos administradores60.

Importante notar, apesar do exposto acima, que no mercado de capitais brasileiro, notadamente dominado por companhias de controle definido, apresentando um número reduzido de companhias com capital disperso, as cláusulas de poison pill adotadas pelas companhias não decorrem única e exclusivamente da intenção dos acionistas de proteger um controle minoritário.

Portanto, percebe-se mais uma diferença significativa entre a poison pill brasileira e a americana, a sua finalidade. As companhias norte-americanas justificavam o uso de poison pills e demais modalidades de shark repellents na tentativa de manter o controle acionário da companhia, onerando e inviabilizando tomadas hostis de controle acionário.

Entretanto, hoje em dia, as poison pills e outras medidas defensivas americanas não têm mais a função de impedir as tomadas hostis, mas como mecanismo de negociação do valor das ações diante do interesse do ofertante. Neste cenário, a finalidade da poison pill será promover operações em condições mais vantajosas aos acionistas, e não impossibilitar a troca de controle. Entretanto, no Brasil, as companhias de capital aberto com controle definido, e que não planejam dispersar o capital, vêm adotando as referidas cláusulas61 mesmo não havendo qualquer possibilidade de tomada de controle. Com o mesmo raciocínio, Moraes afirma que:

No Brasil, as técnicas de defesa (poison pills) vão desde as medidas adotadas por companhias com controlador definido, tendo por objetivo evitar a concentração de liquidez em um único acionista, até as que se destinam a prevenir uma tomada de controle hostil, em companhia com controle societário pulverizado62.

Logo, podemos afirmar ainda que as OPA estatutária possui finalidade diversa daquela trazida pela art. 254-A da Lei das S.As.63, visto que esta visa proteger acionistas minoritários

60 CARVALHOSA, Modesto. Op. Cit. p. 594.

61 NASCIMENTO, João Pedro Barroso do. Op. Cit. p. 152.

62 MORAES, Luiza Rangel de. A Pulverização do Controle de Companhias Abertas. RBD. São Paulo: RT, n. 32, pp. 49-84, abr/jun. 2006. p. 77.

63 Além da poison pill legal, também será diferente a finalidade da poison pill contratual, disposta pelo art. 118 da LSA, pois o objetivo desta é “possibilitar o exercício do direito de prelação e coordenar o exercício do direito de voto entre os acionistas vinculados por acordo neste sentido”. COSTA, Luiz Guilherme Duarte Martins. et al. Op. Cit. p. 298.

ao garantir condições de venda de suas ações semelhantes à do controlador. Diferente também é a finalidade das poison pills americanas que possuíam, em sua origem, a pretensão de proteger o controle acionário da companhia64 e, atualmente, de possibilitar um maior poder de barganha aos administradores de forma a valorizar as ações da companhia.

Conclui-se então que a poison pill estatutária adotada pelas companhias brasileiras poderá ter finalidades diversas de acordo com a estrutura de capital da companhia. Quando presente em estatutos de companhias de capital pulverizado, haverá a finalidade de proteção contra tomadas hostis de controle. E, quando em companhias com bloco de controle definido, onde o controle não pode ser adquirido por meio de aquisição de ações no mercado, a finalidade será de proteger a dispersão acionária da companhia, evitando que um único investidor possa reduzir a liquidez das ações do free float e prejudique os acionistas que permanecerem na companhia6566.