• Nenhum resultado encontrado

4 O CONTROLE JUDICIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

4.3 LIMITES DA ATUAÇÃO JUDICIAL

4.3.3 Incapacidade institucional do Poder Judiciário

Além das críticas supramencionadas, a incapacidade institucional do Poder Judiciário também aparece como um fator de destaque quando o tema é o controle judicial das políticas públicas. Ou seja, essa crítica diz respeito à ausência de capacidade técnica do Judiciário para realizar um olhar macroestrutural, global, comprometido com os parâmetros da macrojustiça citada anteriormente.

É como salienta Renata Elisandra de Araujo

[...] a verificação da disponibilidade de orçamento e o controle de sua distribuição exigem conhecimentos técnicos específicos, estudos e domínio de informações por parte dos gestores e administradores, questões que estão fora do alcance do Poder Judiciário que não dispõe de uma visão global dos

recursos disponíveis e das necessidades da população como um todo.195

Nesse sentido, Barroso, referindo-se ao juiz, diz que “Ele nem sempre dispõe das informações, do tempo e mesmo do conhecimento para avaliar o impacto de determinadas decisões, proferidas em processos individuais, sobre a realidade de um segmento econômico ou sobre a prestação de um serviço público.”196 E, observando essa conjunção de fatores, verifica-se que principalmente (mas não só) no setor da

195 ARAUJO, 2009. p. 322.

83 saúde, a incapacidade institucional do Judiciário encontra uma de suas maiores expressões, pois

Ao lado de intervenções necessárias e meritórias, tem havido uma profusão de decisões extravagantes ou emocionais em matérias de medicamentos e terapias, que põem em risco a própria continuidade das políticas públicas de saúde, desorganizando a atividade administrativa e comprometendo a

alocação dos escassos recursos públicos.197

Ou seja, o Judiciário não tem aptidão para identificar as necessidades sociais que de fato são prioritárias, pois a maioria dessas informações são prestadas pelos próprios poderes Executivo e Legislativo, cujo fundamento primeiro de sua atividade é representar a população, pressupondo-se, portanto, uma aproximação maior destes com a população, o que viabiliza um conhecimento muito mais apurado de suas reais necessidades – aproximação que inexiste no Poder Judiciário.

Defende-se, diante desse cenário, que exista uma integração maior entre os Poderes (funções) do Estado, pois embora cada um desenvolva uma função típica, nada impede que haja um diálogo entre eles, a fim de buscar uma concretização ainda maior dos preceitos constitucionais. A partir dessa aproximação, é prudente que o Judiciário, ao dialogar com os outros poderes, verifique se, em relação à matéria tratada, um outro Poder não teria maior qualificação ou conhecimento para auxiliar na decisão do magistrado, que deve inspirar-se a partir daí. Além disso, a promoção de espaços de democracia participativa, com audiências públicas, por exemplo, em que o debate se torna muito mais rico e multicolorido, também pode ser um ponto importante para uma decisão mais acertada por parte do Judiciário.

Assim, é preciso que o Judiciário, ao realizar o controle judicial das políticas públicas, acima de tudo, respeite os espaços de discricionariedade administrativa e legislativa. Isto é, respeite as escolhas do legislador e do administrador quando elas forem juridicamente válidas, razoáveis e cumpram os objetivos a que se propuseram ou que foram propostos pela própria política pública em questão.

Diante desse cenário, e considerando o agigantamento do Judiciário e a ampla judicialização da política (observando, também, os riscos que daí advém, como o

84 ativismo judicial e a politização da justiça) é preciso desenvolver, cada vez mais, parâmetros objetivos para que o Judiciário realize o controle das políticas públicas. Isso porque, mesmo nos casos em que o controle é admitido, o Judiciário deve buscar um melhor aparelhamento para melhor discutir tais questões e, assim, melhor decidir.

Guardada a importância do controle judicial das políticas públicas, é preciso que ele seja feito de modo responsável, pois além de trazer relevantes impactos para atividade financeira estatal, um controle judicial feito de forma inconsequente pode paralisar ou até mesmo comprometer toda uma estratégia de ação, coerente e juridicamente válida, já traçada para de fato implementar uma política pública.198

Ora, não é dado ao juiz substituir a discricionariedade administrativa e a discricionariedade legislativa pela sua própria. Assim, colacionando-se as palavras de Barroso,

Quando tenha havido atuação do Legislativo ou do Executivo, o Judiciário deve ser deferente. O Poder Legislativo e o Poder Executivo, cujos membros são eleitos, têm uma preferência geral prima facie para tratar de todas as matérias de interesse do Estado e da sociedade. Decisão política em uma democracia, como regra, deve ser tomada por quem tem voto. E quando tenham atuado, os órgãos judiciais devem preservar as escolhas legislativas ou administrativas feitas pelos agentes públicos legitimados pelo voto popular. A jurisdição constitucional somente deve se impor, nesses casos, se a contrariedade à Constituição for evidente, se houver afronta a direito

fundamental ou comprometimento dos pressupostos do Estado

Democrático.199

Nesse sentido, embora se saiba que cada uma das funções estatais tem um papel importante no que concerne ao equilíbrio do poder do Estado, é preciso que essas instituições trabalhem em um verdadeiro regime de cooperação entre si, principalmente quando questões referentes às políticas públicas fazem parte do debate. Pois, embora não seja razoável admitir que os poderes do Estado possam trabalhar em regime de substituição; eles não só podem, como devem trabalhar de forma integrada, a partir de estruturas e práticas que promovam a aproximação e o diálogo entre essas instituições, justamente a fim de oportunizar uma visão global acerca da política pública em análise.

É preciso, portanto, uma postura mais acauteladora do Judiciário ao promover o controle judicial dessas questões, afinal não há nada que garanta que a escolha promovida escusamente na antessala dos tribunais seja mais adequada do que a opção

198 VALLE, 2009. p. 103.

85 feita nos espaços tradicionais de debate e representação democrática, ou seja, no Legislativo e no Executivo.

Além disso, por fim, é preciso recuperar “os espaços de participação da comunidade no processo da tomada das decisões judiciais,”200 pois, conforme muito bem salienta José Sérgio da Silva Cristóvam,

[...] em uma autêntica ordem constitucional radicalmente democrática e materialmente republicana (o que ainda é uma promessa distante em terrae

brasilis), os espaços por excelência do debate político e da construção das

decisões sobre os interesses da sociedade devem ser ocupados em condomínio pelas instituições sociais, associativas e corporativas (participação popular direta, associações comunitárias, organizações não

governamentais), e pelos órgãos legislativos e administrativos.201

Ou seja, é necessária uma aproximação muito maior não só das instituições estatais entre si, mas também entre elas e as entidades de representação popular, evitando que o controle judicial seja uma forma de imposição unilateral da vontade do juiz. Priorizar uma democracia efetivamente participativa, principalmente no tocante à decisão de questões que envolvem políticas sociais, é o passo inicial e, quiçá, fundamental para desmantelar práticas (não só, mas especialmente) jurídicas, em que se utiliza o aparato da justiça para dar aos amigos os favores e, aos demais, os seus rigores. Afinal, embora a promessa ainda esteja distante, não se pode deixar de acreditar.

200 APPIO, 2003. p 95.

86