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5 DISCUSSÃO

5.6 Incapacidades físicas e fatores associados no pós alta de hanseníase

Sabe-se que os danos neurais são de elevada prevalência e reconhecidos com um problema crônico e de difícil manejo (JOB; PATH, 1989; GARBINO, 1998; PIMENTEL et

al., 2003). As características clínicas dos danos neurais têm sido bem explorados e descritos

na literatura. No entanto, os padrões epidemiológicos do comprometimento neural como sua prevalência e fatores associados ainda são escassos (SAUNDERSON, 2000).

No momento pós alta, a alta prevalência do comprometimento neural, motor e sensitivo detectados nessa avaliação por meio do monitoramento da função nervosa, reafirma a necessidade de instituir um acompanhamento sistematizado bem como plano terapêutico pelos serviços de saúde.

Observou-se que o comprometimento do nervo ulnar foi o mais frequente, confirmando sua importância como fator predisponente para deformidades como mão em garra e úlceras, o nervo tibial responsável pelas úlceras plantar foi o segundo mais acometido (PIMENTEL et al., 2003). A proporção de lesões nervosas variou em outras avaliações (GARBINO, 1998; CARVALHO; ALVAREZ, 2000; AMARAL, 2006). Dentre os nervos avaliados e atingidos pela neurite na hanseníase e que passam por estruturas compressoras na ocasião do edema, o nervo ulnar é quase três vezes mais acometido. Acredita-se que esse evento ocorra em maior frequência devido a uma maior susceptibilidade deste nervo à isquemia da compressão local, pois a fibrose do nervo não permite o seu deslizamento e o estiramento com o movimento da articulação (DUERKSEN; VIRMOND, 1997; DUERKSEN, 2004).

A estimativa de prevalência de incapacidades foi significativa para os homens no pós alta. Esse fato pode ser explicado devido os homens terem sido classificados em maior proporção nas formas clínicas multibacilares, as quais são determinantes para o comprometimento neural e sensitivo e consequentes incapacidades, caracterizando assim o diagnóstico tardio nesse grupo, (LANA et al., 2003; KUMAR; GIRDHAR; GIRDHAR, 2004), bem como a questão do auto cuidado. O comprometimento da função neural, bem como os episódios reacionais são mais frequentes em homens do que em mulheres (CROFT et

al., 2000; KUMAR; GIRDHAR; GIRDHAR, 2004). Pessoas que residiam na zona rural

tiveram maior estimativa de incapacidades, pois residir na zona rural dificulta pelo menos em tese, o acesso aos serviços de saúde e por isso pior situação clínica pode ser encontrada. Estudos apontam que a presença de incapacidades e deformidades foram mais frequentes em pessoas provenientes da zona rural (KARTIKEYAN; CHATURVEDI, 1992; PANDEY; UDDIN; PATEL, 2005; MOSCHIONI et al., 2010).

A associação significativa das incapacidades com os casos com 40 anos ou mais ocorreu porque esse grupo houve maior proporção de pessoas multibacilares e com episódios reacionais o que condiciona o comprometimento neural, motor e sensitivo, podendo assim,

comprometer a capacidade laboral e econômica desses indivíduos. Corroborando com este estudo, foi exposto que a baixa escolaridade foi associada às incapacidades físicas em outras realidades (KARTIKEYAN; CHATURVEDI, 1992; PRATA; BOHLAND; VINHAS, 2000; RAPOSO, 2008), e que esta condição pode ampliar a vulnerabilidade dessa população.

O comprometimento neural e sensitivo ocorre em todas as formas da hanseníase (PEARSON; ROSS, 1975; CROFT et al., 2000). A extensão e o grau da perda de sensibilidade e paralisia variam de acordo com o estágio da doença, sua extensão, duração e presença de episódios reacionais (JOB; PATH, 1989).

Assim, as formas clínicas multibacilares e os episódios reacionais se mostraram importantes preditores para as incapacidades físicas no pós alta (CROFT et al., 2000). Após a conclusão do tratamento os fatores de risco para dano neural são neuropatia, nervos espessados e presença de episódios reacionais (SAUNDERSON, 2000). O diagnóstico tardio das neuropatias, a falta de protocolos padronizados pelos serviços de saúde para o monitoramento dos episódios reacionais e uso de drogas antirreacionais é que irão determinar, de fato, a maioria das incapacidades e deficiências principalmente após terem recebido alta da PQT, pois os casos deixam de fazer parte das estatísticas oficiais (OLIVEIRA et al., 2007). A situação epidemiológica de casos avaliados e que apresentaram comprometimento neural e sensitivo na presença de episódios reacionais foi de 36% na Ásia (VAN BRAKEL; KHAWAS, 1994; 1996).

Vários autores reconhecem que o comprometimento neural está associado com a instalação de incapacidades físicas de grau 1 ou 2 (JOB; PATH, 1989; GARBINO, 1998; PIMENTEL et al., 2003; MOSCHIONI et al., 2010). As incapacidades associaram-se significativamente com a presença de espessamento e/ou dor neural na avaliação pós alta. Nessa avaliação, a prevalência de incapacidades físicas foi quase 2,5 vezes maior nas pessoas com algum comprometimento neural. No Rio de Janeiro, 103 casos multibacilares foram avaliados por um período médio de 64,6 meses e foi observado que a presença de nervos afetados teve associação estatística com o grau de incapacidade física durante a PQT e no pós alta (PIMENTEL et al., 2003). Os dados são concordantes com os achados desse estudo e da literatura e confirmativo da relação entre nervos afetados e incapacidades (JOB; PATH, 1989; PIMENTEL et al., 2003; MOSCHIONI et al., 2010).

O tratamento dessas neuropatias que em grande parte passam despercebidas pelos serviços de saúde devido a ausência de um monitoramento sistematizado após saída do registro ativo, devem fazer parte da estratégia de controle da doença com foco para a promoção da saúde pela ação da prevenção de incapacidades físicas, sociais e econômicas.

O fato de não haver associação das incapacidades com o tempo de pós alta, ou seja, pós alta precoce até 2,5 anos após a conclusão do tratamento ou pós alta tardio após 2,5 anos do tratamento, reforça a necessidade de vigilância monitorada dos casos por tempo prolongado, pois a qualquer tempo em maior ou menor frequência as pessoas em alta podem apresentar incapacidades físicas. Essas medidas são primordiais para diagnóstico precoce das neuropatias bem como tratamento adequado com a finalidade de minimizar e prevenir incapacidades e deformidades (CROFT et al., 2000; MOSCHIONI et al., 2010).

Recomenda-se que as pessoas atingidas pela hanseníase que apresentam espessamento e/ou dor neural, bem como diminuição e/ou perda da sensibilidade devem ser assistidas com prioridade de um monitoramento contínuo pelos serviços de saúde por pelos menos cinco anos após a alta da PQT.

5.7 Limitações do estudo

A principal limitação desse estudo foi a não localização ou mudança de endereço de 70% das pessoas em pós alta de hanseníase e ainda pelo não comparecimento 17%. Isso possivelmente pode apresentar-se como principal viés por não se saber sobre o real número de participantes com incapacidades físicas instaladas não assistidos pelos serviços de saúde. A cidade de Araguaína está situada geograficamente numa área de entroncamento e divisão de estados o que pode contribuir para mudanças de endereço, o que sinaliza a instabilidade econômica desse grupo, os quais podem migrar em busca de oportunidades.

Considera-se limitação também o preenchimento, algumas vezes inadequado, das fichas de notificação do SINAN, bem como de lacunas nas informações nos prontuários. No entanto, essas inconsistências foram minimizadas pela investigação minuciosa em todos os tipos de registros (ficha de notificação e investigação, prontuários, livros de registro dos casos, boletins de acompanhamento) e confrontamento dos dados. Ainda em referência ao dados secundários, foi possível verificar na coleta de dados que outro fator limitante seria a

validade e qualidade dos dados quanto o registro do grau de incapacidade, pois os registros dessa classificação por profissionais da rede não seguem muitas vezes o método preconizado na avaliação das funções neurais (ex.: não ter habilidade para palpação de nervos ou ainda para aplicação do estesiômetro seguindo a classificação do grau quanto às cores relacionadas).

Os vieses potenciais quanto ao resultado da avaliação clínica foram minimizados considerando que a coleta de dados foi realizada por pessoas experientes na área e ainda treinadas para fins de nivelamento e garantia de qualidade dos dados.