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3 REFERENCIAL TEÓRICO

A TAR pressupõe que é tarefa do pesquisador documentar os eventos que transformam a rede e a intervenção. Os eventos devem ser ordenados em ordem cronológica para representar a evolução da intervenção, sendo necessária uma ampla gama de dados para capturar a evolução dessas intervenções devido à sua complexidade (BILODEAU; POTVIN, 2016).

Nesta perspectiva, a pesquisa intitulada “Estratégias de institucionalização de intervenções inovadoras no que concerne à equidade em saúde no Brasil: um projeto piloto para um estudo comparativo” desenvolvida em parceria entre a Universidade de Montreal, por meio da Chaire Approches Communautaires et Inegalités de Santé (CACIS), a Universidade Federal da Bahia (ISC-UFBA), o Núcleo de Saúde Pública e Desenvolvimento Social da Universidade Federal de Pernambuco (NUSP-UFPE) e o Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP), no periodo de 2009 a 2012, consistiu em analisar os processos e dispositivos de integração da prática/pesquisa/formação no desenvolvimento e na institucionalização de práticas inovadoras de promoção de equidade em saúde em três intervenções realizadas no Nordeste do Brasil.

A pesquisa em tela utilizou o referencial teórico adotado por esta tese utilizando identificação de eventos críticos e os inserindo em uma linha do tempo e teve como um dos produtos a construção de uma ferramenta denominada Cartão de Eventos Críticos (FIGUEIRÓ et al., 2016) que será utilizada neste estudo. Esta ferramenta foi construída para explorar a dinâmica de intervenções inovadoras em saúde pública e foi testada e utilizada pelos pesquisadores selecionados (FRANCO DE SÁ et al., 2014; FIGUEIRÓ et al., 2011; OLIVEIRA, 2014). O Cartão de Eventos Críticos foi concebido de acordo com categorias baseadas na TAR (LATOUR, 2001, 2000), como segue no Quadro 1.

Quadro 1 - Ferramenta de sistematização de eventos críticos - categorias analíticas, definições e operacionalização.

Categorias Definição Operacionalização

Atores/

Actantes

Entidades humanas e não humanas Os atores na rede podem ser atores individuais ou coletivos, sempre dotados de autonomia e capacidade de construir estratégias em relação aos seus interesses.

Trata-se de um ente que se constitui na ação.

Não pode ser previamente definido, serão diferentes em cada intervenção.

É importante identificar os “atuantes em ação”.

Interesses

Os interesses expressam a lógica subjacente das ações de um ator, cujas estratégias dependem de seus próprios interesses e recursos, bem como as estratégias e táticas adotadas por outros atores no contexto.

Aquilo que está em jogo entre os atores e seus objetivos. Os atores buscam maximizar ganhos e minimizar perdas ao custo de conflito, negociação e integração.

Interações

Relações e conexões estabelecidas entre os atores.

As interações são necessárias para o surgimento e estabilização da rede, incluindo a expansão da rede.

Mediação

Processo que implica a transformação da situação, como a criação de novos atores, o recrutamento de novos parceiros ou a reconfiguração de relacionamentos.

O processo de mediação visa alinhar os interesses entre os diferentes atores, produzindo um evento, uma passagem ou uma modificação nas relações e processos de trabalho ou nas formas em que a informação circula.

Ações

São as práticas, atividades e processos de trabalho dos atores no surgimento, implementação e estabilização dos eventos.

Práticas realizadas pelos atores que impactaram nas intervenções.

Inscrições

Todos os tipos de transformação que dão a uma entidade sua forma material em um sinal, um arquivo, um documento, um pedaço de papel.

São as pistas, as marcas deixadas na trajetória da intervenção.

Lugar

São os locais onde os eventos são produzidos. Eles podem ser os espaços dentro de uma organização, onde as decisões são tomadas, lugares onde os profissionais trabalham ou os espaços de participação social, ocupados por organizações sociais ou comunitárias envolvidas no evento.

Localização onde se passa o evento, podendo ser espaços organizacionais ou delimitações geográficas.

Tempo

É o tempo transcorrido desde o aparecimento do evento, até sua estabilização. O tempo de um evento permite a constituição de um cronograma que tem o potencial para mostrar relações causais entre eventos.

Pode ser representado por um ponto em uma linha cronológica ou por um período.

Consequências

São os resultados dos eventos críticos, aquilo que se produziu após a reestabilização ou ruptura da intervenção. Expressão das mudanças na intervenção.

Identificação dos fatos ou processos que resultaram na ruptura ou consolidação de intervenção. É nas consequências que se observa o resultado dos fatores estratégicos.

Evidências

Fatos, elementos, registros, produtos, sinais que possam identificar os efeitos do evento na intervenção gerando inovações e/ou mudanças.

Identificação das inovações, produtos, novos eventos que impactaram na evolução da intervenção.

Fonte: Adaptado de Franco de Sá et al. (2014); Figueiró et al. (2011); Oliveira (2014); Latour (2001, 2012).

De acordo com Latour (2012), é preciso estudar os processos de inovações,

“a cozinha dos fatos”, pois é nesses espaços que os objetos ganham maior visibilidade. Nesses momentos, as conexões ficam bastante expostas por meio de controvertidas tramas:

A grande vantagem de visitar uma obra em construção é que oferece um ponto de vista ideal para observar as relações entre humanos e não humanos. Uma vez que os visitantes têm os pés bem metidos no barro, sentem rapidamente o espetáculo de todos os participantes trabalhando duro no momento (LATOUR, 2012, p. 131).

Sempre que um fato encontrar alguma oposição, algum obstáculo em sua circulação será empurrado para a “falsidade”. A tentativa, aqui, é de que alguns aliados traiam seus porta-vozes. Encontra-se nesse momento um ambiente de controvérsias. Entraremos em uma batalha dos fatos, que possibilita a “abertura” de uma caixa-preta. Latour faz uma diferenciação entre modalidades positivas - são situações que afastam o artefato de sua condição de produção - e modalidades negativas - argumentos que conduzem o artefato para sua condição de produzido.

Tais modalidades não se situam apenas no campo da política, mas no campo do tecnológico também. São os processos de tradução (NOBRE; PEDRO, 2010).

De acordo com Callon (1986), a teoria da tradução, abordagem sociológica para estudo do poder, envolve três princípios – imparcialidade entre os atores envolvidos na controvérsia; simetria generalizada (compromisso de explicar pontos de vista conflitantes nos mesmos termos) e livre associação (o abandono de todas as distinções à priori entre o natural e o social).

Ao seguir as controvérsias, faz-se necessário ficar atento quanto ao alcance da rede de atores que é construída, entendendo que os atuantes são sempre conexões de redes bem mais amplas e diversificadas. Portanto, a análise das controvérsias pode ser uma ferramenta importante ao analisar as ações em redes que articulam humanos e não-humanos, que é o que se pretende neste estudo.

Se o social é um rastro, então o social pode ser re-rastreado; se é uma articulação, pode ser re-articulado [...] um bom informe da TAR é uma narrativa ou uma descrição ou uma proposta onde os atores fazem algo e não se limitam a cair sentados. Em vez de somente transportar efeitos sem transformá-los, cada um dos pontos no texto pode converter-se em uma bifurcação (LATOUR, 2012, p.186-187).

Para mapear controvérsias em ação, o autor argumenta que nunca se sabe ao certo “quem” ou “o que” nos leva a agir. Devido às características recorrentes nos

argumentos contraditórios sobre o que aconteceu, as ações são sempre parte de um relato. Assim,

[...] as ações aparecem como responsáveis por um feito, como algo que afeta um estado de coisas, transformando As em Bs pela prova dos Cs, de forma que sem relatos, sem tentativas, sem diferenças, sem transformação num estado de coisas, nenhum argumento significativo pode ser aventado em relação à determinada ação.

Portanto, uma ação invisível, que não faça diferença, não gere transformação, não deixe traços, e não entre num relato não é uma ação (LATOUR, 2012, p. 84).

3.2 As diferentes formas de tradução numa intervenção em promoção da