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5 3 3 GESTÃO DA EDUCAÇÃO 3ª DIMENSÃO

5.3.5 Inclusão digital promovendo a cidadania

As educadoras do CEDEL e a monitora percebem a inclusão digital como um aspecto importante em relação à promoção do exercício da cidadania. Consideram,

entre os fatores positivos promovidos pela inclusão digital, o fato dos jovens se sentirem pertencentes ao mundo de hoje, pois ter um login e uma senha que lhes habilite a uma conta de e-mail, encontra-se no mesmo patamar de ser reconhecido por possuir um documento de identidade. Um documento que nos identifique é considerado como um dos elementos que nos faz ser reconhecidos e considerados, enquanto cidadãos. Possuir uma conta de e-mail que lhes oportunize interagir com outras pessoas, também faz com que se sintam valorizados.

Outro aspecto importante é que os usuários do Telecentro Lupicínio Rodrigues, a partir do uso da Internet, aprenderam a regularizar a situação do seu Cadastro de Pessoas Físicas - CPF, a realizar inscrição em concursos, preencherem fichas para seleção de emprego.

Hoje em dia, bom, ter um espaço digital é o mundo. E, mesmo diante de uma realidade difícil, distante de algumas coisas, não deixa de ser uma festa, porque isso aparece na televisão. E a gente pensa que eles nem sabem do que estão falando, mas não, sabem sim, são adolescentes como qualquer outro, que vão sonhar, que querem ter coisa de marca, de grife, então eu acho que é uma coisa [...] uma questão de cidadania, é mais o que a gente pode oferecer para que essa pessoa acabe pertencendo a essa sociedade. Senão fica aquela coisa de “ET”, só se fala em computador, em e-mail, carta não existe mais, daí a pessoa se sente em outro mundo, né. (EC).

A monitora do Telecentro disse ser uma situação comum a pessoa adulta da comunidade, ao entrar no Telecentro pela primeira vez, sentir-se intimidada em usar o computador. Mas, após familiarizar-se com essa ferramenta, retorna com muita freqüência.

Na opinião da coordenação da Prefeitura, mais do que ensinar informática aos usuários dos Telecentros, o Programa de Inclusão Digital, através de um modelo pedagógico, pode abrir um espaço de discussão e construção de conhecimento junto às comunidades sobre questões relativas à orientação sexual, violência contra as mulheres, discriminação racial.

A idéia de integrar os vários programas e as políticas públicas da Secretaria de Direitos Humanos e Segurança Urbana - SDHSU faz parte do planejamento da coordenação da Prefeitura. Também foi relatada a busca, por essa coordenação, de universidades que queiram firmar parcerias para disponibilizar cursos na modalidade de EAD. Os alunos desses cursos teriam a possibilidade de utilizar a infra-estrutura

tecnológica existente nos Telecentros, apoiando o desenvolvimento das atividades curriculares desses cursos.

Essa coordenação também relatou sua intenção em realizar, nos Telecentros, uma capacitação que apresenta, como objetivo, preparar as comunidades para participarem do Orçamento Participativo, ensinando-os a acessarem as informações disponibilizadas no site Observatório da Cidade de Porto Alegre, desenvolvido pela PROCEMPA – órgão do governo municipal. Para tanto, nos Telecentros, além de computadores mais robustos, também é necessário existir uma conexão rápida e potente com a Internet, pois as bases de dados desse site fornecem muitas informações de forma gráfica e, tanto os computadores quanto a conexão existentes, até então nos espaços de inclusão digital, não oportunizariam a realização dessa capacitação. A coordenação disse que essa capacitação estaria alinhada a diretriz do governo municipal de estabelecer uma governança local, aproximando a comunidade da tomada de decisão das questões do município.

O observatório tem todos os dados da cidade de Porto Alegre e a gente quer fazer o trabalho dentro do Telecentro, preparando a comunidade pra votar sabendo o que tem de creche na sua região, o que tem de escolas, o que tem de assaltos. O que realmente precisa naquela região. Que ele realmente estude e vá para uma votação, não sendo influenciado por um político ou sua comunidade, mas que ele saiba, na sua comunidade, o que é que tem. Então, pra isto, nós precisamos mesmo de um telecentro rápido. (CCK).

Para a coordenação da Prefeitura, promover o acesso ao computador e a Internet, possibilitando que as comunidades tenham e-mails, participem de comunidades virtuais, é o mínimo que um Programa de Inclusão Digital pode oferecer. Por isso, além da disponibilidade dos Telecentros para as comunidades, essa coordenação pretende estabelecer uma parceria com o SENAC para que esta instituição promova cursos de informática com ênfase em cidadania para grupos de pessoas que serão encaminhadas pela SDHSU.

O conceito de cidadania, para as educadoras, remete ao direito do homem à vida, à alimentação, ao trabalho, a uma moradia digna, enfim, ao respeito pelo ser humano e atendimento as condições básicas para garantir a sua sobrevivência, igualdade de direitos. Para a monitora, este conceito se amplia ao entender que faz parte da cidadania os deveres a serem atendidos por todos, buscando uma sociedade melhor.

A coordenação da Prefeitura acredita que a importância desses cursos, com ênfase em cidadania, reside na possibilidade das pessoas obterem “uma melhor

percepção da realidade” (CCR). Essa coordenação enfatizou que, uma população

com acesso a uma educação de qualidade e um bom conhecimento sobre cidadania, terá melhores condições de exercer seu direito de voto. Desta forma, essa população escolherá os seus governantes de acordo com sua criticidade, ficando menos suscetível a atender a qualquer tipo de manipulação, participando, de forma efetiva, de um processo de desenvolvimento democrático.

Para as educadoras do CEDEL, assim como para a monitora do Telecentro Lupicínio Rodrigues, uma das oportunidades gerada pelo uso da Internet é possibilitar que os jovens possam se reconhecer pertencentes a um grupo cada vez mais reconhecido pela Sociedade do Conhecimento, isto é, o grupo daqueles que pode navegar pela Internet. E, ao navegar, apoiado por processos educativos, pode ampliar o leque de suas competências e suas habilidades. Desta forma, esses jovens obtêm garantias de conseguirem um trabalho, e com isto, desenvolvem sua auto-estima, pois se sentem capacitados para melhorar suas vidas.

A educadora EJ relata que as crianças que estão sob seus cuidados, externam muito prazer em ir para o Telecentro, sendo estimulados pelas possibilidades que ali podem usufruir. Jogar, trocar e-mails é visto por eles como algo prazeroso e lhes estimula a competitividade, a busca por um desempenho melhor. Para a educadora isto é bastante positivo, pois proporciona que, ao se engajarem em um processo de melhoria, possam ter interesse, esperança de melhorarem suas realidades, enfim, desenvolverem competências e habilidades para lidar com suas vidas.

Segundo Dowbor (2001-a), a inclusão social tem, na inclusão digital, um pilar muito significativo, pois, estando a sociedade cada vez mais organizada em grupos sociais, que possam utilizar a tecnologia da informação para a produção do conhecimento, e, estando a organização da economia e do trabalho cada vez mais mediadas pelo computador e pela comunicação em rede, a qualificação para o avanço tecnológico não deverá ficar restrita à possibilidade de garantir renda. Deverá estar principalmente, voltada a qualificar as pessoas para que possam entender as dinâmicas dessa nova economia e posicionar-se sobre ela, aumentando desta forma o exercício da cidadania, requerendo os seus direitos, melhorando sua

qualidade de vida, aumentando a sinergia para a geração de um desenvolvimento sustentável do país.

O acesso digital, além de dar mais chances na obtenção de emprego, alavanca muitas possibilidades em prol da cidadania. Quanto maior o número de cidadãos, maior será a consciência coletiva em identificar soluções para a exclusão social. (DOWBOR, 2001-a).

A coordenação do Telecentro Lupicínio Rodrigues apresentou o uso do computador e da Internet como uma ferramenta que possibilita aos educadores do CEDEL, promover atividades voltadas à construção da cidadania das crianças e dos adolescentes.

Em relação aos princípios educativos, utilizados no Telecentro, citou a responsabilidade, o respeito pelas outras pessoas, atendimento as normas estabelecidas para o uso do espaço de inclusão digital. É importante que o uso do computador e da Internet, pelas crianças e adolescentes, não fique restrito aos jogos, atendendo também o desenvolvimento de atividades que os façam refletirem sobre outros aspectos de suas realidades. Mas é necessário que as crianças e os adolescentes tenham domínio da ferramenta e essa é uma das funções do monitor.

O monitor do Telecentro Lupicínio Rodrigues os auxilia a construírem os seus e-mails, permitindo, dessa forma, que as crianças e os adolescentes possam se comunicar com outras pessoas, inclusive com aqueles que já realizaram algum tipo de serviço voluntário no CEDEL. Segundo a coordenação, isto faz com que eles estabeleçam vínculos e, para muitos deles, é muito importante, pois moram em abrigos públicos e integram turmas da FASE58 em que vínculo é algo não comum em suas vidas.

Outra atividade orientada pelo monitor do Telecentro Lupicínio Rodrigues é a construção de currículo. Ao escrever este documento, os adolescentes se dão conta

58 FASE - A Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do Rio Grande do Sul - FASE-RS - é responsável pela execução das Medidas Sócio-Educativas de Internação e de Semiliberdade, determinadas pelo Poder Judiciário, a adolescentes autores de ato infracional. A FASE-RS é órgão do Governo do Estado, vinculada à Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social.

de que já construíram algo: ou fizeram um serviço voluntário, ou um curso de informática. Isso, e a própria redação do currículo, lhes dá uma percepção de cidadania, pois demonstra o acesso a algumas oportunidades que os levaram a desenvolver competências. Cinco jovens que freqüentaram o Telecentro Lupicínio Rodrigues estão estagiando.

Ao falar sobre cidadania, a coordenação do Telecentro Lupicínio Rodrigues disse perceber que os jovens, de modo geral, fazem uma associação direta de cidadania com ter direito, enquanto este termo abrange mais do que isso, significando também ser solidário, ter respeito, responsabilidade com o Outro. Mais do que ter acesso às coisas básicas que garantam sua sobrevivência é também ter oportunidades, ter liberdade de escolha, ter sonhos, ter conhecimentos.

Segundo informação da coordenação da Prefeitura, muitas pessoas que procuram os telecentros, não possuem certidão de nascimento, sequer carteira de identidade. Esta situação exemplifica a necessidade de que os cursos de informática, oferecidos pelo Programa de Inclusão Digital, tenham ênfase em cidadania, pois um indivíduo sem nenhuma documentação não é reconhecido pela sociedade, enquanto cidadão.

Em relação à identidade, a coordenação do Telecentro Lupicínio Rodrigues, ao relatar um caso, apresentou uma outra conotação à questão de possuir uma identidade. No referido caso, a identidade não foi relacionada com ter ou não ter uma documentação de registro, mas sim, ter um endereço eletrônico, pois nos dias de hoje, não ter um e-mail significa não apresentar condições de se comunicar com as outras pessoas e, portanto, não ser reconhecido pelas outras pessoas.

A coordenação da Prefeitura relatou a promoção de cursos de informática, através de um convênio firmado com o SENAC. Nestes cursos participaram 50 adolescentes infratores da FASE que, através dessa participação, tiveram a oportunidade, assim como os demais participantes desses cursos, de ampliar os seus conhecimentos e sua qualificação e, conseqüentemente, ampliando suas chances de inserção no mercado de trabalho. Para a coordenação da Prefeitura essa foi uma ação que demonstrou a possibilidade de incluir socialmente através da inclusão digital, pois o mercado exige, até para preenchimento de vagas em trabalhos mais simples, conhecimentos básicos de informática.

[...] hoje a pessoa que não tem os conhecimentos mínimos dificilmente ela poderá disputar uma vaga no mercado de trabalho. Até uma caixa de supermercado Nacional, Zaffari, enfim, precisa ter conhecimento mínimo pra que possa disputar uma vaga no mercado de trabalho. (CCE).

A coordenação do Telecentro Lupicínio Rodrigues mostrou-se solidária à coordenação da Prefeitura, quanto à possibilidade da inclusão social se dar através da inclusão digital. Embora não tenha acompanhamento de indicadores que possam demonstrar esse fato, disse ter percebido que os adolescentes que tiveram a oportunidade de se dirigirem ao Telecentro e acessar os recursos oferecidos nesse espaço, obtiveram chances de acesso a estágios e postos de trabalho. “É nesse

sentido que reinsisto em que formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas, [...].” (FREIRE, 1996, p.15).

Finalizando a apresentação desse último aspecto, integrante da terceira dimensão analisada nesse trabalho, à pergunta “o que é ser cidadão”, responde-se com base nas palavras de Pinsky (2003). Ser cidadão é ter direitos civis, políticos e sociais. O exercício pleno da cidadania é sustentado pela conquista dessa tríade: direitos civis, isto é, ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei; direitos políticos, ou seja, participar do destino da sociedade, votar e ser votado e, finalmente, direitos sociais, que garantem ao sujeito sua participação na riqueza coletiva, na educação, no trabalho, na saúde. Cidadania é um conceito histórico, portanto, seu sentido se modifica ao longo da história da civilização.

As ações que fomentem a universalização do acesso às novas tecnologias da informação e comunicação comungam com um dos compromissos estratégicos da Unesco: “o acesso eqüitativo, a capacitação e o compartilhamento do conhecimento

como formas de promover o empoderamento e a participação na Sociedade da Informação.” (SORJ, 2003, p.10).

A revolução tecnológica faz parte de um conjunto de transformações, que ao permitir a globalização da vida social, unificou “temas de defesa dos direitos

humanos e do acesso universal a bens de consumo coletivo.” (SORJ, 2003, p.12).

Essa unificação promoveu o entendimento de que

[...] cada indivíduo como sujeito de direitos humanos, permitindo que hoje seja legitimo a qualquer pessoa no planeta, independente de seu lugar de nascimento e posição social, construir seus sonhos de acesso a melhores

condições de vida tendo como referencia as informações recebidas de todos os cantos do mundo. (SORJ, 2003, p.12).

Portanto, políticas públicas, que promovam o acesso às novas tecnologias de informação e comunicação, tornam-se fundamentais na luta contra a desigualdade social, visto serem essas tecnologias elementos que integram a vida social. (SORJ, 2003).

Com isto, considerando ser o conceito de cidadania construção contínua no processo histórico da humanidade, a inclusão digital promovendo a inclusão social, está, nos dias de hoje, diretamente relacionada ao pleno exercício da cidadania.