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CAPITULO II – Socialização, Identidades, Inclusão e Mobilidade pelo Desporto

2) Inclusão social pelo desporto

O estudo relativo aos processos de exclusão social, integração e inclusão, está a cargo das ciências sociais, em especial das áreas disciplinares da sociologia, da psicologia e da economia social e solidária, que detêm um saber consistente, sobretudo no estudo de problemáticas como as da pobreza, das desigualdades sociais, da educação, da deficiência, e da discriminação racial ou étnica. Contudo, de modo a ser possível contextualizar esta realidade no campo desportivo, é imprescindível problematizar as conceções teóricas já fundamentadas, apreciadas enquanto princípios explicativos da realidade destes campos de análise (Marivoet, 2014).

O estudo da exclusão e inclusão social supõe que exista um saber prévio do conceito. A conceção de exclusão e inclusão social progride de acordo com a época e situação definindo-se por um significado aberto e flexível (Lopes, 2006). A exclusão social consiste num processo “através do qual certos indivíduos são empurrados para a

margem da sociedade e impedidos de nela participarem plenamente em virtude da sua pobreza ou da falta de competências básicas e de oportunidades de aprendizagem ao longo da vida, ou ainda em resultado de discriminação” (COM, 2003: 9, cit. por Borba

e Lima, 2011: 221). Pode, ainda, ser definida enquanto “uma violação das exigências da

justiça social manifestada através de conflitos de oportunidades e associados com a incapacidade de participar efetivamente na política. É um fenómeno distinto da pobreza e da desigualdade económica” (Barry, 1998: 1, cit. por Borba e Lima, 2011: 221).

Exclusão social não é um conceito, mas sim uma nova questão social. Pode ainda ser interpretada enquanto “processo dinâmico, multidimensional, por meio do qual se nega

aos indivíduos — por motivos de raça, etnia, género e outras características que os definem — o acesso a oportunidades e serviços de qualidade que lhes permitam viver produtivamente fora da pobreza” (Mazza, 2005: 183, cit. por Borba e Lima, 2011: 221).

Assim, a inclusão consiste na adoção de políticas sociais atuais que procurem atingir os excluídos que se encontram no limite das privações, através de programas focados que suportem rótulos de “inclusão social” (Lopes, 2006). Consiste ainda numa “questão de

abertura e de gestão: abertura, entendida como sensibilidade para identificar e recolher as manifestações de insatisfação e dissensos sociais, para reconhecer a “diversidade” social e cultural; gestão, entendida como crença no caráter quantificável, operacionalizável, de tais demandas e questionamentos, administráveis por meio de

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técnicas gerenciais e da alocação de recursos em projetos e programas (as políticas públicas)” (Laclau, 2006: 28, cit. por Borba e Lima, 2011: 222). Em suma, a inclusão

social está catalogada com a procura de solidez social através da cidadania social, ou seja, que todos os cidadãos tenham os mesmos direitos na sociedade. A preocupação central da cidadania social baseia-se na implementação do bem‑estar das pessoas enquanto cidadãos (Borba e Lima, 2011).

Nos dias de hoje, em que o quotidiano é marcado pelo fenómeno da globalização, os muros culturais existentes entre as nações tendem a dissipar-se, tornando-se dessa forma percetível a diversidade humana. No entanto, simultaneamente a esta tendência de dissipação, assiste-se a uma reafirmação das identidades e das culturas (Maffesoli, 1988; Friedman, 2000, cit. por Marivoet, 2010), e, em alguns casos, aquilo que se observa são formas de inflexibilidade e agressividade. Por isso, a relevância do valor da condescendência e da inclusão social aumentam. Atualmente, é consensual olhar o desporto enquanto manifesto cultural com colossais competências no que respeita à aproximação das pessoas, das culturas e das nações, quer seja através da dinamização de sociabilidades, quer no transmitir de sentidos identitários, de fazer parte, isto é, de inclusão. A ética do desporto transmite valores articulados ao princípio do fair play, em que a ação desportiva é direcionada sobretudo para a inclusão e o combate a todo tipo de discriminação (Marivoet, 2010).

A União Europeia tem adotado um papel ativo na definição de políticas de crescimento desportivo, sobretudo a partir da assinatura do Tratado de Lisboa em que o desporto se tornou matéria de benefício comum. Precisamente nesse mesmo ano, foi lançado o Livro Branco sobre o Desporto pela Comissão Europeia, onde é ostentada uma proposta de política desportiva europeia comum, na defesa daquilo que se apelida de Modelo de Desporto Europeu. Neste documento de política desportiva europeia é enfatizado o papel social do desporto, e, nesse sentido, estimula-se o uso das competências do desporto “na promoção da inclusão social, no estabelecimento da

igualdade de oportunidades, e na prevenção e luta contra o racismo e a violência e qualquer outra forma de discriminação” (Marivoet, 2014: 5). Contudo, apesar do acordo

geral referente às competências que o desporto apresenta para a inclusão, sobretudo na criação de redes de sociabilidade e ligação em zonas comunitárias ou territoriais, em que é possibilitada a experiência da interação social a jovens inseridos em famílias

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desprotegidas ou subordinas a qualquer tipo de isolamento, com base no respeito recíproco e na igualdade baseada do sentido de pertença ao grupo, combatendo dessa forma as experiências exclusivas a que as sociedades tendem a subjugá-las, a verdade é que ainda persistem e manifestam-se casos de exclusão no desporto, seguramente tanto mais quanto maiores forem, em cada sociedade, as disparidades sociais, assim como preconceitos étnicos, religiosos, de género, de carência e de orientação sexual em cada sociedade. Ou seja: se, por um lado, o desporto se patenteia enquanto configuração social no sentido que Elias e Dunning (1986, cit. por Marivoet, 2014) lhe atribuíram, configuração essa que se revela “potenciadora da inclusão, da promoção da tolerância,

do respeito pelo outro, da cooperação, lealdade e amizade, valores associados ao fairplay, princípio basilar da ética do desporto” (Marivoet, 2014: 6); por outro, através

dele também se podem manifestar inflexibilidades e exclusões, designadamente discriminações raciais e étnicas (Kassimeis, 2008; Hylton, 2009, cit. por Marivoet, 2014). É em resultado disso que surge “a importância que tem vindo a ser dada pelas entidades

ou órgãos da União Europeia, na promoção e divulgação de estudos e iniciativas consideradas positivas” (Marivoet, 2014: 6).

Os clubes ou estruturas desportivas apresentam-se como espaços de produção de redes sociais geradoras de capital social, da mesma forma que acontece em outros domínios da vida social, como a família, a escola, a igreja e outros. É através destas redes sociais que “o indivíduo adquire sentimentos de pertença, de fazer parte da sociedade, e

por isso de inclusão geradora de empowerment” (Pinto, 2011, cit. por Marivoet, 2014:

7). Bourdieu chamou a atenção para o facto de os indivíduos conseguirem obter benefícios mediante a participação em grupos ou redes sociais, existindo a capacidade do capital social ser transformado em capital cultural ou económico, sendo que, no caso das práticas desportivas, se poderia adicionar os capitais corporal e desportivo, promovendo o desporto enquanto espaço impulsionador de recursos geradores de inclusão. Por inclusão social no desporto entende-se “a existência real de igualdade de oportunidades

no seu acesso, constituindo boas práticas a promoção da prática desportiva generalizada, e a presença de pessoas tendencialmente excluídas na sociedade no exercício das actividades dirigentes e técnicas, i.e., que não seja exercida discriminação no acesso a estes cargos por motivos raciais, étnicos, religiosos, deficiência, género, orientação sexual, classe social ou outros” (Sherry, 2010, e Haudenhuyse, Theeboom e

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Nols, 2012, cit. por Marivoet, 2014: 8). Por outro lado, a inclusão social através do desporto direciona-se a um “desenvolvimento de competências pessoais, sociais, motoras

ou outras, capazes de produzir empowerment junto dos grupos-alvo em intervenção, em que as boas práticas se dirigem à promoção do desporto formativo, isto é, privilegiando os princípios éticos do desporto e valores associados junto de crianças e jovens em meio escolar ou em situações de risco de discriminação” (Sherry, 2010, e Haudenhuyse,

Theeboom e Nols, 2012, cit. por Marivoet, 2014: 8). O desporto, além de ser uma forma de criar uma identidade desportiva para a inclusão social, é um dos indicadores do poder de um país fortalecendo a identidade nacional, regional ou local, permitindo ao cidadão comum ter uma sensação de pertença a um grupo. É um fenómeno que aproxima jogadores e públicos, sócios e não sócios, proporcionando-lhes dessa forma uma relação de pertença e igualdade de direitos.

Em suma, segundo Marivoet (2012), o desporto é imprescindível enquanto agente de inclusão, uma vez que o indivíduo vai passar por uma vivência onde irá sentir justamente o contrário da exclusão, ou seja, ele vai sentir que é aceite, que é útil, que faz parte. Segundo a autora, junta-se o gosto pela atividade ao facto de os indivíduos se tornarem mais pró-ativos, empreendedores e empenhados nos objetivos comuns. Os projetos que são desenvolvidos nas escolas ou clubes têm vindo a possibilitar a partilha de experiências entre crianças e jovens de distintas origens sociais e étnicas. Também os projetos aplicados em zonas residenciais mais desfavorecidas, como é o caso dos bairros sociais, possibilitam a sociabilidade entre crianças e jovens provenientes de diferentes etnias, ou ainda de comunidades ou grupos cujos relacionamentos podem ser conflituosos. O viver a inclusão em si mesma, o pertencer, o sentir a sua existência enquanto ser humano para além dos estigmas ou preconceitos sociais, de género, raciais, étnicos, religiosos, ou de orientação sexual, é perspetivado pela autora como uma das grandes vantagens, mas para além disso, considera igualmente importante o auto-controlo emocional na resolução de conflitos com base no diálogo, no respeito mutuo, no sentido da partilha e da amizade, e ainda na aquisição de hábitos saudáveis como os cuidados com o corpo, a atividade física, a higiene e a alimentação.

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