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Inclusão social da pessoa com deficiência e incapacidade: dos modelos médico e

CAPÍTULO 2 Direitos Humanos, Inclusão e Qualidade de Vida

1. Inclusão social da pessoa com deficiência e incapacidade: dos modelos médico e

Em 1948 foi proclamada e adotada pela Organização das Nações Unidas a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que reconheceu a dignidade intrínseca de todos os seres humanos, pela primeira vez. A Convenção consagrou as suas liberdades e direitos iguais e inabaláveis. A realização de todos os direitos para todos tem sido um processo lento e árduo. A adoção da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), veio reafirmar o estatuto das pessoas com deficiência como cidadãos do mundo global, reconhecendo a sua particularidade e diversidade. O novo Tratado, afirma Pinto, “propõe um modelo inclusivo e pluralista de cidadania” constituindo “um marco importante na luta pelos direitos e dignidade das pessoas com deficiência em todo o mundo e assinala o progresso na causa da justiça social para toda a humanidade” (2012, p. 3). Porém, a autora questiona e analisa a situação social e política em Portugal e conclui que cabe aos cidadãos com deficiência ou não exigir que o Estado assuma as suas responsabilidades no campo da promoção da justiça social (p. 287).

Os estudos sobre a população com deficiência em Portugal têm sido escassos, no entanto as metodologias seguidas têm sido diversas, constatando-se, atualmente, a persistência de uma realidade de profunda exclusão, desigualdade e discriminação para as pessoas com incapacidades (Pinto, s. d.). Torna-se relevante conhecer os diferentes modelos de abordagem à deficiência em Portugal e no resto do mundo, desde o modelo tradicional, conhecido como modelo biomédico, aos mais recentes, e que a introdução da Convenção consubstanciando um novo paradigma de entendimento, pretende transformar.

O modelo biomédico ou modelo médico caracterizado por um enfoque primordial nas características biológicas associa-se a uma imagem da deficiência como uma tragédia pessoal que cai sobre alguns de nós, enraizou-se sobretudo a partir da segunda metade do século XIX. Historicamente e de acordo com o modelo médico ou individual, as pessoas com deficiência são consideradas como seres inativos, dependentes e passivos,

as limitações vivenciadas pela pessoa são decorrentes das incapacidades do corpo e a única solução é a adaptação da pessoa com deficiência ao meio através de intervenção médica e ou reabilitacional. A imagem da deficiência e incapacidade foi associada a privação económica, exclusão social, discriminação, mas a partir dos anos 60/70 na Europa e nos Estados Unidos, veio a afirmar-se um novo conceito, fruto do desenvolvimento do movimento das pessoas deficientes e seus representantes e da luta coletiva pela igualdade e pela participação em condições de igualdade com os outros cidadãos.

O modelo médico, rejeitado pela comunidade internacional dos investigadores da deficiência e pelas próprias pessoas com deficiência que subsiste nos dias de hoje foi sendo substituído por um outro paradigma designado como modelo social da deficiência (Pinto, s. d.). A recente afirmação da ideia de deficiência enquanto construção social e sinónimo de opressão por parte da sociedade é recente, resulta da disseminação do modelo social da deficiência, e da insatisfação face ao Estado-Providência (Fontes, 2009). O Movimento das Pessoas com Deficiência criou esta nova abordagem designada, posteriormente, pelo modelo social (1960/70), vem afirmar a deficiência como algo socialmente criado que oprime e exclui o indivíduo (Fontes, 2009), deste modo são colocadas em causa as atitudes, os sistemas e os serviços (Capucha, 2010). O modelo social apesar de revolucionário não foi imune a críticas. Recentemente, a necessidade de conciliar as duas abordagens levou à emergência do modelo relacional ou biopsicossocial. Capucha (2010, p. 38) refere que no modelo relacional, a pessoa com deficiência é vista numa perspetiva sistémica, multidimensional, “de forma globalizante, incluindo não apenas os traços da sua personalidade e das suas limitações e capacidades” mas também o seu modo de interação no contexto social. Em síntese, o modelo relacional assume que é preciso ativar as pessoas e as instituições simultaneamente. De acordo com Martins, Fontes, Hespanha e Berg (2012), este modelo substancia-se na nova Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 2001), onde a OMS reconhece a deficiência como resultado da interação entre funções do corpo, estruturas do corpo, atividades e participação e, fatores ambientais. Os autores salientam que não obstante as alterações introduzidas, a CIF continua a ser fortemente criticada pelos defensores do modelo social, por permanecer centrada nas consequências das condições médicas,

perspetivando os aspetos sociais da deficiência apenas por referência aos fatores ambientais da deficiência. Os referidos autores defendem o modelo social como abordagem à deficiência, havendo necessidade de perceber os limites de uma abordagem reabilitacional e caminhar ao encontro de um modelo mais social da deficiência, ou seja, importa que as respostas sociais à deficiência deem conta do facto de que vivemos num regime profundamente opressivo, para as pessoas com deficiências e incapacidades. Com efeito, o modo como a deficiência é perspetivada é essencial na forma como são definidos os problemas e delineadas as soluções, afetando a vida das pessoas. Fontes (2009) refere que a característica essencial do modelo social consiste na separação entre ‘deficiência’ e ‘incapacidade’, referindo-se a primeira ao fenómeno socialmente construído de exclusão e opressão das pessoas com deficiência por parte da sociedade e, a segunda, aos aspetos individuais, biológicos e corporais. Assim, a deficiência passou a ser uma questão social e política, mais do que um problema médico e individual. O modelo social da deficiência tem sido considerado um poderoso instrumento concetual para o avanço dos direitos das pessoas com deficiência. Partindo do modelo médico da deficiência, com base nas práticas integracionistas desenvolvidas durante os anos sessenta e setenta, tornou-se mais sólido a partir dos anos 90. O desenvolvimento do modelo social oferece um potencial emancipatório relativamente à exclusão e opressão e poderá originar a transformação necessária nas políticas sociais nesta área.

Young (1990, citado em Pinto, s. d.) ao protagonizar um modelo de justiça social assente na equidade distributiva de recursos e na criação de condições institucionais, descreve cinco fases da opressão que as pessoas com deficiência enfrentam. Estes constrangimentos sistémicos e injustiças sociais incluem: a exploração, a marginalização, o desempoderamento ou powerlessness, o imperialismo cultural e a violência ou atos sistémicos de violência e abuso dirigida a membros de certos grupos. Neste sentido, é importante promover o respeito pela diferença entre os grupos, sem opressão. Apenas uma visão capaz de perspetivar os problemas das pessoas com deficiência não como um problema individual mas como um problema social pode efetivamente alterar as vidas das pessoas com deficiência e incapacidades (Fontes, 2009). Esta visão acabou por confirmar a inoperacionalidade do modelo precedente. Desde o início do séc. XXI que se tem verificado a expansão deste movimento, constituindo um dos temas atuais.

Com um enfoque na participação das pessoas com deficiência, surge o modelo dos direitos humanos. Este modelo emerge do modelo social, reconhece a deficiência como parte da diversidade humana e sublinha as condições necessárias para a realização de direitos por parte das pessoas com deficiência. Assinala-se uma mudança de paradigma educacional. Saímos de uma homogeneidade e heterogeneidade para o reconhecimento da diversidade humana, onde a diferença surge como uma oportunidade para o desenvolvimento de aprendizagens mútuas, tornando as sociedades mais ricas.

O acesso à educação foi um dos direitos que mais tem vindo a ser reivindicado e no ordenamento jurídico português, foi consagrado constitucionalmente o direito ao ensino. Canotilho e Moreira referem a Constituição da República Portuguesa, no nº 1 do Artigo 74.º, “Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar”. No nº 2 do supracitado artigo, atribuiu-se ao Estado as incumbências de "(...) promover e apoiar o acesso dos cidadãos portadores de deficiência ao ensino e apoiar o ensino especial, quando necessário" [alínea g)] e de "(...) proteger e valorizar a língua gestual portuguesa, enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e da igualdade de oportunidades" [alínea h)]. O direito ao ensino significa, constitucionalmente, em primeiro lugar, um direito de acesso à escola… o direito à escola reveste a natureza de direito positivo, de “direito social”. Em segundo lugar, um direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar” (2007, p. 698). É sobre o acesso ao êxito escolar das crianças com NEE que nos debruçaremos em seguida.

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