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Incompatibilidade da subcapitalização no Direito Comunitário – Ac Lankhorst-

3. SUBCAPITALIZAÇÃO – OS PRIMÓRDIOS DO ACTUAL REGIME

3.6 Incompatibilidade da subcapitalização no Direito Comunitário – Ac Lankhorst-

No âmbito da apreciação (in)compatibilidade do regime da subcapitalização a nível do direito comunitário, surge um importante Ac. do TJCE61 que cumpre fazer referência.62 A questão foi suscitada no âmbito de um litígio que, opôs a sociedade Lankhorst-Hohordt GmbH, com sede em Reine, Alemanha ao Finanzamt Steinfurt, administração fiscal alemã, a respeito da liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas correspondente ao exercício entre 1997 e 1998.

Neste processo, a questão prejudicial centrou-se na análise da compatibilidade da norma do §8a, n.º1 KStG, intitulado “Financiamento pelos sócios” referente à subcapitalização alemã, com o art. 43.º do TCE, respeitante ao princípio de liberdade de estabelecimento. A norma germânica estabelecia: “a remuneração do capital externo

que uma sociedade de capitais, sujeita a tributação sem qualquer limitação, tenha recebido de um sócio sem direito a crédito de imposto que, no decurso do exercício em causa, tenha detido uma participação substancial no capital social inicial da sociedade, será considerada uma distribuição encoberta de dividendos quando haja sido acordada

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CUNHA, Paulo de Pitta e SANTOS, Luís Máximo dos, Sobre a incompatibilidade com o direito

comunitário do regime fiscal da subcapitalização, in Fisco, Lisboa, 2005, n.º 119/121, (Março/ Abril),

p.7.

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Actual TJUE.

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uma remuneração por referência a uma fracção do capital e o capital externo seja mais de três vezes superior ao capital correspondente à participação do referido sócio no decurso do exercício, a menos que a sociedade tivesse podido obter o referido capital externo de outra entidade terceira em igualdade de condições ou se o capital externo constituir um empréstimo destinado a financiar operações bancária habituais (…)63

Resultou do despacho de reenvio, que não gozavam de direito ao crédito de imposto, por um lado os sócios não residentes, por outro as pessoas colectivas de direito público e as pessoas colectivas que exerciam uma actividade económica num sector específico ou que assumiam missões que deviam ser incentivadas. Fazendo a comparação com o regime português, o regime alemão não contemplava a distinção presente nos termos do n.º 1 do art. 61.º do CIRC, que expressamente aplicava o regime aos não residentes, mas aplicava duas imposições. Primeiro o regime alemão não atribuía o crédito de imposto a não residentes e às referidas pessoas colectivas e em segundo aplicava o regime da subcapitalização apenas aos que não usufruíssem do referido crédito – ou seja, aos não residentes e a outras pessoas colectivas.

No acórdão em apreço houve um empréstimo concedido por parte da sociedade- mãe Lankhorst Taselaar BV (doravante LT BV), com sede nos países baixos à Lankhorst-Hohorst.64

A administração fiscal alemã considerou que os montantes pagos à LT BV, a título de juros decorrente do empréstimo contratualizado, eram equiparáveis a uma distribuição de lucros ocultos nos termos do §8a, n.º1 KStG, tributando os juros à taxa de 30%. Ao contrário da norma portuguesa que discriminava explicitamente em função da residência, a norma alemã discriminava indirectamente em função da impossibilidade do sócio gozar do crédito de imposto, englobando não só não residentes, outras pessoas colectivas de direito público como ainda aquelas que prosseguiam interesses gerais.

A norma portuguesa e alemã distinguiam-se não apenas em função da residência e o crédito de imposto, mas também quanto ao tratamento dos juros excessivos. A norma portuguesa não permitia a dedutibilidade de juros considerados excessivos,

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Tradução obtida em CUNHA, Paulo de Pitta. e SANTOS, Luís Máximo dos, Op.Cit., p.14

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A sociedade LT BV renunciou ao reembolso no caso de instauração de um processo principal em que a Lankhorst-Hohorst fosse demandada por terceiros credores.

acima do coeficiente legal estabelecido, enquanto a norma alemão tributava os juros como se de uma distribuição de dividendos oculta se tratasse. No caso do ordenamento alemão, a tributação dos juros excessivos como distribuição de lucros, implicava casos de dupla tributação económica, na medida em que os juros seriam tributados no Estado da Fonte, isto é no Estado beneficiário do empréstimo, e seriam também tributados, no Estado de residência do mutuante.

Vejamos um exemplo prático entre a sociedade-mãe A, residente em Portugal, e a sociedade B filial na Alemanha. Os juros pagos pela sociedade B, proveniente da remuneração de um empréstimo concedido pela Sociedade A, são tributados como dividendos ocultos a uma taxa de 30%. Caso diverso, se a Sociedade A fosse residente na Alemanha, teria direito a um crédito de imposto e os juros seriam tratados como gastos fiscais.

Podemos afirmar que esta medida operada pelo ordenamento alemão além de ser bastante onerosa para os sujeitos passivos, podia provocar situações de dupla tributação económica, exigindo a concertação de dois EM para evitar estas situações, visando o cumprimento do princípio da proporcionalidade.

O TJCE afirma, que a norma §8a, n.º1, segundo parágrafo, da KStG, introduz uma diferenciação de tratamento entre filiais residente consoante a sua sociedade-mãe tenha ou não sede na Alemanha, relativamente à tributação dos juros pagos por filiais às suas sociedade-mãe como remuneração decorrente de capitais externos. A excepção da norma beneficiava apenas as filiais residentes através do direito ao crédito de imposto, considerando os juros pagos como gastos, e não como dividendos ocultos tributados a uma taxa de 30%.

Concluímos, que tanto a lei nacional como a lei alemã, padeciam do mesmo problema, o seu carácter discriminatório aplicava-se mesmo às situações em que as sociedades não residentes financiavam as suas filiais sem qualquer intuito de evasão fiscal. O regime da subcapitalização visava atingir principalmente os casos em que as sociedades mutuárias e mutuante se encontravam em jurisdições distintas, havendo orientações emanadas tanto dos comentários à CMOCDE, como decisões do TJCE, de que as regras da indedutibilidade de juros para sociedades não residentes, com relações especiais, violavam, os princípios de liberdade de estabelecimento

Na perspectiva do sócio mutuante, a norma distinguia entre o financiamento concedido por sócios residentes e não residentes, na medida em que os juros de capitais externos provenientes de empréstimos concedidos por sócios não residentes seriam tributados como se de dividendos se tratassem.

O TJCE pronunciou-se sobre a questão submetida pela administração fiscal alemã, declarando que o art. 43.º do TCE tem ser interpretado no sentido de que se opõe a uma medida como a constante do §8a, n.º 1, segundo parágrafo da KStG. Importa recordar a jurisprudência constante segundo a qual a redução das receitas fiscais não constitui uma razão de interesse geral susceptível de justificar uma medida em princípio contrária a uma liberdade fundamental65, implicando deste modo a desconsideração da norma constante da KStG.

Face ao exposto, o TJCE entendeu que este tratamento diferenciado entre filiais residentes em função da sede da sua sociedade-mãe constituía um obstáculo à liberdade de estabelecimento, em princípio proibidas pelo art. 43.º do TCE. A norma da subcapitalização alemã demonstrava-se discriminatória e incompatível, violando o direito de estabelecimento, prejudicando a contratualização de empréstimos e as transacções entre sociedades não residentes, pondo em causa a criação ou a manutenção de filiais em território alemão.

Apreciando a decisão do TJCE face ao regime adoptado pelo nosso legislador, que discriminava os empréstimos concedidos por sociedades não-residentes, estamos perante uma clara violação das disposições relativas ao direito de estabelecimento presente nos termos do art. 43.º do Tratado da TCE66 e de prestação de serviços nos termos do art. 49.º do TCE.67

No âmbito do ordenamento jurídico português o Ac. Lankhorst-Hohorst veio fixar jurisprudência, evidenciado a clara incompatibilidade da norma prevista nos termos do art. 61.º do CIRC e o direito à liberdade de estabelecimento.