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Indícios de EA na prática docente dos professores atores sociais da pesquisa

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6 RESULTADOS E DISCUSSÃO

6.3 Indícios de EA na prática docente dos professores atores sociais da pesquisa

Neste tópico trazemos a análise dos dados levantados em torno da prática docente dos professores de seis componentes curriculares da área de Biologia do ciclo básico de formação e de dois componentes do final do ciclo profissionalizante que foram indicados pelos estudantes como aqueles onde houveram vivências de EA, apontadas por eles como importantes para a sua formação universitária. Desta maneira, tratamos do terceiro e último objetivo específico da nossa pesquisa, qual seja: analisar os indícios de EA vivenciados na prática docente dos professores da área de Biologia, durante o ciclo básico de formação do Engenheiro Agrônomo e suas repercussões em relação às disciplinas do final do curso.

Os resultados aqui trazidos se referem a oito componentes curriculares obrigatórios à formação do Engenheiro Agrônomo, dos quais seis pertencem ao ciclo básico de formação e são oferecidos pelo Departamento de Biologia, enquanto que os outros dois são oferecidos pelos Departamentos de Agronomia e de Educação e pertencem ao final do ciclo profissionalizante, da formação inicial do Engenheiro Agrônomo.

Considerando o conjunto de informações e dados que cada um deles proporcionou para esta análise, julgamos por bem apresentá-los na mesma sequencia em que esses componentes são vivenciados ao longo do curso, ou seja: Morfologia de Fanerógamos e Zoologia Agrícola (1º período), Genética Geral (2º período), Fisiologia Vegetal e Microbiologia Geral “A” (3º período), Entomologia Geral “A” (4º período), do ciclo básico, e por fim, Manejo e Conservação do Solo (8º período) e Extensão Rural (9º período), do final do ciclo profissionalizante, quando trazemos a análise dos indícios de EA presentes na prática docente desses oito professores, bem como sobre a repercussão dos componentes da área de Biologia do ciclo básico em relação aos componentes curriculares do final do curso e implicações sobre a formação desses profissionais, no que concerne às suas percepções e comprometimentos com a sustentabilidade, sempre refletidas sob a ótica da formação profissional compreendida no campo da formação para a cidadania, pela sua relação com a perspectiva crítica trazida pela EA.

Morfologia de Fanerógamos, juntamente com Zoologia Agrícola, são dois dos componentes obrigatórios oferecidos para as turmas de primeiro período pelo Departamento de Biologia da instituição pesquisada. Morfologia de Fanerógamos tem como carga horária total 60 horas/aula teóricas e práticas, compondo a sua ementa os seguintes tópicos: conceito e divisão da Botânica, célula vegetal, sistemas de tecidos vegetais, organografia e anatomia dos vegetais fanerogâmicos.

Trata-se, pois, do componente introdutório à botânica que, de acordo com Moraes (2019) é a área da Biologia que estuda todas as características apresentadas pelos vegetais, fungos e algas, tais como morfologia, anatomia, entre outras subáreas. Especificamente, o componente se propõe a trazer como assuntos: Botânica (conceito, importância, divisão e ciências auxiliares), Célula Vegetal, Plastos (origem e tipos), Parede celular (função, origem, composição química, estrutura e propriedades), Sistemas de Tecidos Vegetais (Conceito e classificação), Meristemas (localização, origem, características celulares, funções e classificação), Parênquimas (localização, origem, características celulares, funções e classificação), Tecidos protetores (epiderme e periderme: localização, origem, características celulares), Tecidos de sustentação (colênquima e esclerênquima: localização), Tecidos de condução (xilema e floema: localização, origem, características celulares), Estruturas de secreção e excreção (localização e características celulares), Organografia dos Fanerógamos (Órgãos vegetativos: raiz, caule, folha, origem, classificação e adaptações), Órgãos reprodutores (flor, fruto e semente, origem, classificação e adaptações), Anatomia dos Fanerógamos (Raiz: estrutura primária e secundária; Caule: estrutura primária e secundária; tipos de estelos; Folha: tipos de mesofilo: relações com o meio ambiente; Flor: verticilos protetores e reprodutores; Fruto: parênquimas e inclusões; e, Semente: tegumentos, amêndoas e inclusões.

Os referenciais teóricos presentes no seu programa constituem-se de títulos de livros bastante específicos sobre as temáticas da anatomia vegetal, Biologia vegetal, botânica, morfologia externa e interna de vegetais, publicados no período compreendido entre os anos de 1974 a 1993. O referido programa não traz indícios de abordagens que transcendam à perspectiva dos conteúdos específicos da área da Biologia que visa alcançar, e que indiquem a presença de elementos da EA, muito menos daquela situada no campo da EA crítica.

Araújo (2004), em sua pesquisa envolvendo componentes curriculares obrigatórios do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da USP, chamou atenção para o fato de que esses componentes, em algum momento, devem estabelecer relação entre o seu conteúdo e as questões ambientais, quer contextualizando, quer desenvolvendo práticas que contribuam nesta direção, ou seja, “para aquisição do conhecimento científico articulado com o conhecimento popular e para o desenvolvimento de atitudes éticas para com o meio” (Ibid., p. 115).

Assim, mesmo quando a EA não aparece de forma explícita no programa de um determinado componente, o esperado e recomendável é que o mesmo proporcione abordagens e vivências de EA no processo formativo, conforme preceitua a PNEA e, sobretudo, no caso daqueles componentes da área de Biologia, conforme estimam as expectativas apresentadas

pelos diversos autores que ressaltam suas afinidades com as questões ambientais. Para a formação agronômica, especificamente, a EA assume evidenciada importância, necessitando estar presente e articulada nos diferentes componentes curriculares que compõem a matriz do curso onde, dadas as peculiaridades do exercício desta profissão, possa ajudar no desenvolvimento de reflexões e práticas que considerem o ambiente e as questões a ele relacionadas, numa perspectiva interdisciplinar e crítica.

Desta maneira, apesar da EA não aparecer explicitamente no programa da disciplina, levamos em conta a indicação feita pelos estudantes e acompanhamos algumas aulas para as observações que buscaram revelar com maior clareza esta questão, conforme previa a metodologia desta pesquisa. A observação participante nas aulas, como forma de levantamento de dados, é destacada por Araújo (2012b) por possibilitar a aproximação concreta do pesquisador com o ambiente da sala de aula.

Assim, acompanhamos sete aulas de Morfologia de Fanerógamos, realizadas nos dias 17/11/2017, 20/11/2017, 27/11/2017, 1º/12/2017, 18/12/2017, 8/1/2018 e 15/01/2018, perfazendo um total de 14 h/aula observadas. No Quadro 10 a seguir, objetivando situar o leitor do cenário que vivenciamos no acompanhamento realizado, apresentamos algumas informações, de ordem geral, sobre cada uma dessas aulas, conforme preenchidas originalmente na ficha de observação cujo modelo se encontra no Apêndice F desta tese e que serão comentadas neste tópico.

Quadro 10 - Resumo das aulas de Morfologia de Fanerógamos observadas na 3ª etapa da pesquisa.

Aula do dia 17/11/2017: prática sobre anatomia foliar com observação microscópica de

lâminas previamente preparadas, onde os 24 estudantes presentes verificaram a Síndrome de Kranz28. A estratégia didática envolveu registro fotográfico da imagem visualizada ao microscópio para posterior apresentação, pelos estudantes, da descrição da estrutura anatômica visualizada. O professor pontuou questões relativas ao sombreamento nos consórcios entre culturas vegetais na produção agrícola, debateu sobre eficiência fotossintética entre plantas C3 e C4, exemplificando como o Engenheiro Agrônomo poderia utilizar o conhecimento daquela aula para orientar a escolha, por exemplo, de uma espécie para produção de pastagem. O professor fez ainda conexões entre o conteúdo e o comportamento de algumas plantas em áreas recém desmatadas.

Aula do dia 20/11/2017: avaliativa sobre estruturas celulares e de tecidos vegetais, onde o

professor colocou questões e pediu que os 18 estudantes presentes sugerissem outras, mostrou slides com imagens de estruturas vegetais, ouvia a descrição que os estudantes faziam e ia dialogando e reconstruindo tais descrições, a partir dos conteúdos trabalhados nas aulas anteriores.

Aula do dia 27/11/2017: aplicação de avaliação e correção, com 27 estudantes presentes que,

após responderem à avaliação escrita, tiveram um momento de comentários pelo professor acerca de todas as questões e suas respectivas respostas.

Aula do dia 1/12/2017: prática de campo sobre morfologia de estruturas vegetais, com visão

panorâmica sobre o campus sede da universidade, destacando a sua diversidade botânica e visita ao herbáreo29 do departamento, com a participação de 26 estudantes.

Aula do dia 18/12/2017: expositiva sobre morfologia floral, com 21 estudantes em sala. Aula 8/1/2018: Com 16 estudantes presentes, prosseguiu com o assunto estruturas florais.

Mencionou questão de falta de chuvas e os problemas trazidos para ninhos de tartarugas marinhas que, com o ressecamento, terminam morrendo. Incentivou os estudantes a formarem duplas de estudo, para facilitar a cooperação e o aprendizado. Destacou ainda a importância das plantas autógamas30 para a preservação das características genéticas desejáveis.

Aula do dia 15/1/2018: Apresentação de seminários pelos estudantes, tendo como temática

estruturas florais. O professor fez algumas intervenções orientando sobre aspectos botânicos em si, mas também sobre técnicas de comunicação oral e de montagem de slides.

Fonte: elaborado pelo autor (2020).

O Professor de Morfologia de Fanerógamos, a quem passaremos a denominar de “P1”, é licenciado em ciências biológicas, mestre e doutor em botânica, sua experiência em botânica tem ênfase em ecologia vegetal, dos tipos e grupos funcionais de plantas dos biomas caatinga, restinga e mata atlântica. A análise do seu currículo revelou relação com as ciências

28 “A síndrome Kranz é um conjunto de características anatômicas, ultra-estruturais e bioquímicas que culminam na realização da fotossíntese C4. Tal síndrome apresenta grande diversidade dentre as Angiospermas” (ANTONUCCI, 2010, p. 13).

29 Coleção de plantas dessecadas, conservadas e organizadas segundo uma sistemática, para fins de pesquisa científica.

ambientais, geografia, socioeconomia, biodiversidade, desenvolvimento sustentável, influências antrópicas, fatores climáticos, presentes nas suas inserções em outras instituições, bem como em algumas publicações em periódicos, participação em bancas de mestrado, orientação de trabalhos de alunos de graduação, eventos organizados, orientações de monografias de especialização, dissertações e teses.

Na entrevista realizada, P1 ressaltou que sempre valorizou a prática como forma de aprender “sempre me vi aprendendo/praticando e isso me estimulou muito para, cada vez mais, gostar de aprender” (1P1), diante disso, revelou que, ao longo da sua vida, sempre considerou estudar como sendo uma “diversão, uma alegria, um prazer. Ir para a escola sempre foi um prazer” (2P1). Com a aprovação no vestibular para ciências biológicas destacou que alí havia se encontrado, pois “alí havia tudo o que queria” (3P1), inclusive a curiosidade, a qual atribui ser uma boa característica da profissão escolhida, que busca estimular junto aos estudantes, no sentido que também a desenvolvam para a sua formação profissional: “uma boa característica da profissão do biólogo, que exerço, é a curiosidade, e isso não é só para o biólogo, eu digo aos alunos que um bom profissional é sempre aquele que tem curiosidade de aprender mais, saber mais, saber o porquê” (6P1).

Também valorizou a contextualização como forma de estimular o raciocínio e a memória, revelando buscar sempre exercê-la nas suas atividades de ensino: “eu sempre contextualizo o que faço” (9P1), “hoje em dia eu pratico ao máximo a integração do conteúdo com a vida profissional deles” (20P1), “eu acho chato ficar repetindo a mesma coisa, dar aquela aula padrão. Não! o aluno tem que perceber o conteúdo contextualizado, no dia-a-dia, na profissão, no ambiente, no planeta” (33P1).

Além da contextualização e a busca de aplicabilidade do que ensina para o exercício da profissão dos engenheiros agrônomos, P1 destacou que, tendo iniciado suas atividades docentes em instituições privadas de educação superior, a universidade pública representou para ele sentimento de maior liberdade para a prática da interdisciplinaridade, de estabelecer interfaces para além do que estabelecem os programas dos componentes curriculares: “sempre fiz interfaces, desde sempre que eu estudo e desde sempre que eu ensino, e nos últimos anos eu fiz isso com mais autoridade. Antes eu achava que tinha de seguir estritamente os programas das disciplinas” (7P1.i), entretanto, admitiu que o ambiente da universidade pública lhe proporcionou maior liberdade para ir além do que consta no programa do componente curricular:

Eu me senti com mais autoridade para praticar a interdisciplinaridade, a multidisciplinaridade, e transdisciplinaridade e eu descubro que eu sou isso tudo na sala de aula. É aí que me sinto mais à vontade, me sinto mais eu, o professor. Sendo

ciência você não pode tratar só de uma coisa (8P1.i).

Essa sensação de liberdade que é inerente ao ambiente da universidade pública, e que foi percebida e destacada por P1, foi um aspecto que tratamos no Capítulo 3 desta tese quando, apoiando-nos em Buarque (1994), trouxemos o chamamento que é feito pelo referido autor, com o qual temos concordância, de que a educação superior precisa transgredir na perspectiva de contribuir com uma educação que prime pela ética cidadã, imbuída na defesa dos direitos humanos e da democracia. Justamente para essa transgressão, a liberdade se torna condição importante, apoiada na autonomia, outro pilar que é fundamental para a este alcance. Sua negação levará a universidade a se tornar uma mera “reprodutora de velhos conhecimentos, uma desenhista das mesmas técnicas ou uma inventora de novas técnicas dentro dos mesmos objetivos na mesma estrutura (Ibid., p. 128).

Por outro lado, atribuir-se ser multidisciplinar, interdisciplinar e até transdisciplinar é algo contraditório, vez que a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade pressupõem o diálogo entre as diferentes disciplinas, em torno dos objetos. Tal prática não está facilmente presente nas universidades, até pela sua natureza de funcionamento da estrutura institucional, com os saberes separados em disciplinas, áreas, departamentos.

Embora avalie que ainda “falta muita conexão entre os professores, para que os conteúdos sejam mais adequados para a formação dos profissionais” (64P1), P1 destacou a importância da coragem para que se dê a quebra de paradigmas e que, muito embora na sua fase de formação durante o ensino fundamental e médio, estivesse mais ligado ao conteúdo, a universidade, sobretudo a pública, representou para si um importante cenário para o alcance dessa liberdade: “no meu ensino fundamental e médio eu era mais ligado no conteúdo. Na faculdade foi diferente, fui me sentindo mais livre e mais livre ainda quando eu cheguei na universidade pública, pois me senti mais livre que na universidade privada” (32P1).

É curioso ainda observar que, muito embora P1 fale em contextualização, em interdisciplinaridade e em transdisciplinaridade, ele não relaciona isso com EA.

Indagado sobre sua concepção de EA, P1 atribuiu que a compreende como a “socialização de tudo que se aprende na vida, de dentro e de fora da universidade. É a educação aplicada ao ambiente onde você está: sala de aula, laboratório, rua, shopping, no campo, fazendo seu trabalho” (54P1), com isso destacou perceber que ela é mais aprendida pela vivência prática, do que propriamente pelo que se vê em eventos e cursos. É a partir dessa

percepção do aprendizado pela prática, que P1 tem ressalvas no que tange ao interesse dos estudantes pela temática, alertando que “fazer com que ele se interesse é outra história, você tem que trabalhar com mais envolvimento, para que ele queira seguir adiante naquele conhecimento” (54P1).

Justificou que insere EA nas suas aulas por perceber que o Engenheiro Agrônomo é

[...] um cidadão, como outro qualquer. Eles têm que aprender além do conteúdo fundamental científico, eles têm que saber aplicar o que estão aprendendo, eles têm que ter consciência se fizerem errado, que não devem repetir, que devem corrigir, serem exemplos bons para os outros (35P1).

Destacou ainda que:

Para a EA, para você ter um profissional de maior valor, não só técnico, mas também como cidadão, para trazer retorno de tudo o que foi investido nele, tem que passar pela EA e para ter EA tem que ter integração entre os professores, porque cada um fazendo do seu jeito fica complicado (55P1).

A perspectiva cidadã inserida no contexto da formação é encontrada na compreensão de Reigota (2001) que traz a EA compreendida como educação política que reivindica e prepara as pessoas para exigir justiça social, cidadania, autogestão e ética nas relações sociais e com a natureza. Tal concepção dialoga com a EA crítica (eacr) pelos ideais democráticos e emancipatórios, destacados por Carvalho (2004) e com a EA transformadora (eat) que se configura enquanto práxis social e atuação política consciente e ecológica, ressaltados por Loureiro (2012).

A despeito da entrevista trazer algumas falas que valorizam a interdisciplinaridade (i), a perspectiva cidadã dos processos formativos, a importância da contextualização como forma de estabelecer relações entre os conteúdos trabalhados em Morfologia de Fanerógamos, na observação das aulas, muito embora ficasse bem evidenciada a competência no domínio do vasto conteúdo específico do componente curricular, sua aplicabilidade prática e grande destreza no trato didático, nas aulas observadas aconteceram raras abordagens de EA, e estas situadas numa concepção conservadora.

Na entrevista ficou fortemente caracterizada a perspectiva conservadora de EA (eac) e, em alguns momentos ingênua, conforme se esboçam nas compreensões a seguir destacadas:

Sobre a EA na minha trajetória formativa, a ênfase nela surgiu a uns 20 anos, quando eu comecei a perceber e me incomodar com a atitude das pessoas no dia-a-dia. Quando

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