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CAPÍTULO 2 HISTÓRIA COM REFLEXÃO: ENTRE OS TEXTOS E AS

2.1.4 Os indígenas no Brasil de hoje

O tema dos índios no Brasil de hoje é contextualizado no livro destinado à terceira série, em dois textos com os títulos “Os índios no Brasil de hoje” e “Conhecendo a vida e os costumes dos Pai Tavyterã ou Kaiowá-Guarani”.

No primeiro texto acima citado, os autores descrevem em quatro parágrafos a situação atual dos indígenas:

Hoje, muitos dos povos indígenas vivem em reservas. São áreas escolhidas e demarcadas pelo governo que acredita que ali o indígena deva ficar protegido e possa levar uma vida de acordo com seus hábitos e costumes.

Mas a escassez de fontes naturais de alimentos em várias destas áreas vem modificando seus costumes. Eles passam a depender cada vez mais da ajuda do governo e outras entidades para sobreviver.

O índio pode sair, ir à cidade vender e comprar produtos, mas ele deve voltar para a reserva. O índio não é considerado responsável por seus atos. Se ele quer viajar de Goiás para a Bahia, precisa pedir autorização por escrito.

Quem responde pelos atos dos índios brasileiros é a Fundação Nacional do Índio (FUNAI). (MARIN; QUEVEDO; ORDOÑEZ, 2001, p. 30)

Santos (1995) descreve que, desde a década de 1980, com o processo de democratização do país, foi elaborada a constituição e promulgada uma nova Constituição Federal na qual, em seu capítulo VIII, delineou as bases políticas em que se devem efetivar as relações entre os povos indígenas e o Estado Brasileiro, reconhecendo aos índios a sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Ao assegurar estes direitos aos indígenas, Cunha (1995) sinaliza que ainda na década de 80, constata-se, por um lado, uma retomada demográfica geral das populações indígenas, mas, em matéria de demarcação territorial, o Brasil, ocupado por grandes latifúndios, mantém as sociedades indígenas em locais onde a predação e a espoliação permitiu que ficassem.

Ao observar este pequeno texto trazido pelos autores, que descreve os índios nos dias de hoje, notei que eles tiveram a preocupação de retratar, de modo bastante simplificado, a realidade vivenciada pelas sociedades indígenas nos dias atuais, porém, esta “simplificação” nas palavras permitiu que a noção de um índio genérico, passivo e

desprovido de um discernimento crítico de sua própria situação, também estivessem presentes no texto.

Um outro texto do livro didático, intitulado “Conhecendo a vida e os costumes dos Pai Tavyterã ou Kaiowá- Guarani”, descreve, em duas páginas, dados comparativos entre o passado e o presente desta sociedade. Nestes dados, está incluído o local onde vivem, o trabalho na agricultura, seu tipo de moradia, a constituição familiar, o nome do chefe religioso e a crença religiosa e, por último, está incluído o papel da escola indígena, onde eles aprendem a ler e escrever em guarani e português.

Junto a este texto, estão quatro imagens, sendo que três delas (Ilustração 19, Ilustração 20 e Ilustração 21) retratam o trabalho da escola na reserva dos Kaiowá- Guarani.

Ilustração 19 – Professores preparam um mapa da região onde vivem. Fonte: (MARIN; QUEVEDO; ORDOÑEZ, 3ª série, 2001, p. 33)

Ilustração 20 – Curso de Formação de professores. Fonte: (MARIN; QUEVEDO; ORDOÑEZ, 3ª série, 2001, p. 34)

Ilustração 21 – Crianças Kaiowá-Guarani diante da escola na reserva. Fonte: (MARIN; QUEVEDO; ORDOÑEZ, 3ª série, 2001, p. 34)

As imagens são fotografias tiradas pela professora Veronice L. Rossato e estão bem visíveis nas páginas do livro. Ao lado de cada uma delas, há uma tarjeta com as inscrições da fotografia. Entre a imagem e o texto escrito parece não haver uma

unicidade na composição, pois, enquanto as imagens retratam o trabalho para o qual a escola se destina, o texto se dedica, em treze parágrafos a fornecer os dados gerais da sociedade Kaiowá-Guarani. Apenas dois parágrafos fazem referência sobre a escola. Percebi que as imagens buscaram valorizar a presença da escola na reserva. Silva e Ferreira (2001) verificam que a escolarização das sociedades indígenas é um processo antigo na história do país, entretanto, a problematização e o debate sobre ela são bem atuais. Segundo Silva e Ferreira (2001), o Brasil vive, neste momento, o ápice de um movimento que tem como objetivo a transformação das escolas das aldeias em um lugar do e para o exercício indígena da autonomia. A justificativa deste movimento se dá pelas reivindicações indígenas no direito à manutenção de suas línguas e culturas, de seus modos próprios de produção, reelaboração e transmissão que estão assegurados pela Constituição de 1988. Neste sentido, as imagens inseridas junto ao texto “Conhecendo a vida e os costumes dos Pai Tavyterã ou Kaiowá- Guarani”, ao focalizarem as atividades da escola, parecem ter tido mais cuidado em apresentar “ uma escola indígena diferenciada”, com educação intercultural, bilíngüe, comunitária e voltada aos interesses de seu próprio povo do que realmente descrever aos alunos as diferentes características sócio-econômicas-culturais que possuem as diversas sociedades indígenas no Brasil.

Quanto ao livro destinado aos alunos da quarta série, este não faz nenhuma referência aos indígenas no Brasil de Hoje. Embora o livro tenha uma unidade específica, que estuda o “Brasil brasileiro”, torno a afirmar que nem mesmo nesta unidade os autores fizeram referências à atual situação dos indígenas no Brasil.

Encerram-se aqui as análises da temática indígena inseridas no livro didático História com Reflexão, destinado a terceira e quarta séries do segundo ciclo das séries iniciais. Sumariamente dialogando com a apreciação bibliográfica realizada no primeiro

capítulo, vemos ainda, nestes dois livros didáticos, a permanência de representações sobre a temática indígena que foram elucidadas na apreciação. Estas representações perpassam os livros didáticos por meio de estereótipos, preconceito e etnocentrismo que são encontrados nos mesmos, através das categorias de índio genérico, com traços culturais genéricos, como ator coadjuvante da história, como supersticiosos, como seres inferiores.

Por outro lado, tenho que destacar que o livro destinado à terceira série evidenciou um aspecto que não foi constatado na apreciação bibliográfica. Ao incluir dados dos indígenas nos dias atuais e se especificar na história dos Kaiowá-Guarani, o livro trouxe como mudanças a identificação étnica de uma sociedade, caracterizando-a em suas formas sociais de organização e cultura. Ao perceber que o livro didático sinaliza a presença de mudanças e permanências, estereótipos, preconceitos e visão etnocêntrica, parto para o próximo capítulo, procurando compreender os sentidos dados pelos professores destas respectivas séries, para com os conteúdos destes dois livros didáticos.