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O início da produção calçadista no Brasil, com estrutura artesanal, é datado entre os anos 1864 a 1870 e está associado à imigração alemã no Rio Grande do Sul. A primeira fábrica de calçados do país foi fundada em 1888, no Vale do Rio dos Sinos, Rio Grande do Sul

(SANTOS, 2008; ABICALÇADOS, 2015). Ao longo do tempo, conforme a expansão e demandas, se formou no estado gaúcho um dos maiores clusters4 calçadistas mundiais da atualidade (SEBRAE, 2012; BUENO, 2013; ABICALÇADOS, 2015). A região do Vale dos Sinos é descrita como um “superaglomerado” industrial, por causa da concentração de fornecedores de matérias-primas e prestadores de serviços da cadeia de abastecimento calçadista (FERRER et al., 2012).

Na década de 1990, a crise que atingiu este setor brasileiro, mostrou as consequências da globalização e a necessidade de algumas mudanças na cultura das organizações (RENNER, OLIVEIRA et al., 2006). Este novo cenário obrigou o setor a repensar a gestão dos negócios nas indústrias calçadistas em todos os aspectos, de modo que permanecessem no mercado.

Conforme Jacques (2011), o Brasil tem características de um país desenvolvedor e produtor de calçados, além de consumidor, o que o torna importante para o setor no contexto mundial e para a economia do país. Ademais, o Brasil apresenta autossuficiência em todos os processos produtivos de calçados, o que o torna independente na área produtiva (BUENO, 2013).

Seguindo essa premissa de autossuficiência, cabe realçar que a indústria calçadista incorpora, além de processos de produção do calçado propriamente dito, atividades vinculadas à fabricação de insumos, componentes e equipamentos necessários à elaboração do produto final. Essa independência produtiva existe, pois o país desenvolveu: (i) o maior conglomerado calçadista do mundo; (ii) rebanhos bovinos e curtumes; (iii) indústrias de todos os componentes de calçados; (iv) instituições de ensino voltadas à formação de especialistas na área; (v) centros de pesquisas para o desenvolvimento de novos projetos e pesquisas (BUENO, 2013).

Os principais fornecedores de insumos para a indústria calçadista são os curtumes, a indústria têxtil, a indústria de manufaturados plásticos, a exemplo dos solados injetados (cadeia petroquímica), a indústria de borracha natural e a de borracha sintética (cadeia petroquímica) (SPÍNOLA, 2008 apud SILVA et al., 2015).

Apesar de possuir uma abrangente gama industrial que favorece o desenvolvimento do setor, em consequência, apresentam-se os problemas ambientais. Dentre estes problemas, os mais proeminentes na indústria calçadista se enquadram dentro das cinco áreas propostas no conceito Berço ao Berço de McDonough e Braungart (2002), conforme mostra a Figura 3: (i) a toxicidade de materiais e processos produtivos; (ii) a dificuldade nas soluções de fim de ciclo                                                                                                                

4 Cluster - Traduzido para o português a palavra significa grupo ou aglomerado, que no caso do presente trabalho se refere a um aglomerado de empresas.

de vida; (iii) o consumo de água e (iv) energia na fabricação das matérias-primas; (v) e a exposição dos trabalhadores deste setor a condições de trabalho muitas vezes inadequadas (JACQUES, 2011).

Figura 3 - Principais áreas de problemas ocasionados pela indústria do calçado.

Fonte: Adaptado de McDonougth e Braungart (2002)  

Conforme demonstrado na Figura 4, dados recentes divulgados pela Abicalçados demonstram que o Brasil é o terceiro maior produtor de calçados do mundo, em segundo a Índia e em primeiro a China (BUENO, 2013).

Figura 4 - Cenário mundial de produção e consumo de calçados em 2014.

Fonte: Portal Couromoda (2015)  

Além disso, conforme dados atuais, demonstrados na Figura 5, o Brasil produz aproximadamente 944 milhões de pares por ano, por um parque industrial composto de mais de

7,7 mil empresas que empregam diretamente 300 mil pessoas. Em 2016, foram exportados para 150 países aproximadamente 126 milhões de pares, o que gerou 999 milhões de dólares com exportações (ABICALÇADOS, 2018).

Figura 5 - Cenário Brasileiro produtivo de calçados em 2016.

Fonte: Abicalçados (2018)  

Segundo considerações de Jacques (2011), mesmo com números significativos, é importante considerar o cenário de variadas pressões em que as empresas calçadistas estão inseridas, como a situação instável do mercado interno e a forte concorrência internacional, principalmente, por parte dos países asiáticos. Essa situação, que se mantem até os dias atuais, favorece a competição em relação a custos, bem como a diminuição da margem de lucro, sendo estes os pontos de maior fragilidade do setor.

Para sobreviver, muitas vezes, as empresas aplicam estratégias de diminuição de custos e aumento de vendas, aos moldes do fast-fashion, inserindo no mercado produtos complexos, com pouca qualidade e com grande diversidade de materiais e componentes. Pode-se dizer que os baixos custos propiciam a criação de calçados com vida curta e pouco valor material, o que nada mais são, em essência, que futuros resíduos (FRANCISCO, 2016).

Diante disso, percebe-se que o problema de final de ciclo de vida e de descarte é algo latente, em amplo crescimento e cada vez mais difícil de ser solucionado, caso não haja redirecionamento das preocupações industriais. Os altos números de produção de calçados, sendo estes, muitas vezes, produtos de má qualidade, também sinalizam um montante volumoso de resíduos pós-consumo. Como agravante da situação, o grande problema do descarte de calçados está na complexidade de tratamento desse tipo de resíduo, uma vez que as junções dos

diversos componentes do calçado, dificultam a separação ao final de sua vida útil, sendo o destino mais comum desse tipo de produto: lixões e aterros sanitários (FRANCISCO, 2016).

O gerenciamento inadequado dos resíduos da indústria calçadista pode resultar em riscos para a qualidade de vida das comunidades, criando, ao mesmo tempo, problemas de saúde pública e se transformando em fator de degradação do meio ambiente, além dos aspectos sociais, estéticos, econômicos e administrativos envolvidos (OLIVEIRA et al., 2013). Segundo a classificação do INEMA – Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Governo Brasileiro, (2017) a indústria de calçados, de componentes de calçados e a indústria do couro, apresentam médio e alto potencial poluidor.

Por conta disso, é fundamental que a indústria calçadista crie políticas que promovam a preocupação ambiental e social, buscando utilizar produtos com baixos níveis de toxicidade, ou investindo no uso consciente de matéria-prima, incentivando o racionamento de água e energia em sua rotina de produção (FRAGMAQ, 2014), bem como, elaborar um destino adequado para o descarte de seus produtos.

Em paralelo, existe um esforço na adoção de práticas ambientais pelas empresas, indústrias e organizações que ganha força por conta de exigências de legislação, ou quando questões ambientais se apresentam como graves problemas no meio produtivo (JACQUES, 2011). Observa-se que estas duas circunstâncias são propulsoras da busca por soluções de projeto, manufatura e ciclo de vida (LAYRARGUES, 1997; DIAS, 2011). Entretanto, essas pressões públicas, quando ocorrem, contribuem para um despertar de consciência, mas não têm resolvido o problema do final do ciclo de vida do calçado em si.

Para Staikos e Rahimifard (2007c), Jacques e Guimarães (2011) e Francisco (2013) o estabelecimento de uma logística reversa (ou logística verde) no setor, bem como novos processos técnicos de reciclagem que permitam o retorno de materiais ao ciclo produtivo, são fundamentais nas soluções para o destino dos calçados pós-consumo, a fim de que estes, gerem menos impacto no ambiente ao final da sua vida útil.

As práticas ambientais ainda não são disseminadas na indústria brasileira de calçados como um todo e, quando adotadas, geralmente, são limitadas e restritas. A dificuldade de incorporar estas práticas, talvez esteja relacionada à preocupação dos seus dirigentes quanto à perda de competitividade devido ao presumível encarecimento nos custos dos produtos sustentáveis, demonstrando que as práticas tradicionais estão fundamentadas na construção e comercialização dos calçados e em aspectos de crescimento dos valores de faturamento e de lucratividade (VIEIRA e BARBOSA, 2011) ligados, portanto, somente ao pilar econômico do conceito de sustentabilidade.

Outro aspecto a ser considerado é que a fase de fim de vida dos produtos merece atenção, não somente porque apresenta maior possibilidade de impacto ambiental, mas, também, porque até hoje, é a fase que menos envolve os atores que projetam e que produzem tais produtos (MANZINI E VEZZOLI, 2008).

O próximo item aborda o ciclo de vida dos produtos da perspectiva de correntes ambientalistas e eco conscientes.