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INDETERMINAÇÃO DO DIREITO, REDAÇÃO DAS LEIS E SEGURANÇA JURÍDICA

No documento ESTUDOS CENTRO BRASILEIRO DE (páginas 97-105)

SEGURANÇA JURÍDICA

3 INDETERMINAÇÃO DO DIREITO, REDAÇÃO DAS LEIS E SEGURANÇA JURÍDICA

43 Hans-Georg Gadamer. Verdad y Método, cit. p. 400.

97 Assente que a indeterminação semântica é um dado objetivo da linguagem, em geral, e da linguagem normativa, em particular, todos os que pensam o direito, nalguma medida, sempre se preocuparam em reduzir os

efeitos, digamos perversos, dessa indeterminação, em nome da segurança

jurídica, um valor que não se compadece com surpresas nem quebras de expectativas, porque, entre outras finalidades, o Direito visa precisamente a estabilizar situações ou prefigurar o amanhã de indivíduos existencialmente

inseguros diante das incertezas da vida.45

Parece uma observação óbvia, reconheça-se, mas de todo indispensável para se apreender o que é mesmo essa coisa segurança jurídica, uma expressão

que está na boca do povo, mas que este não sabe bem o que significa. Segurança

jurídica é a segurança proporcionada pelo Direito, é aquele estado de conforto

psicológico que as pessoas experimentam quando “fecham” um negócio; adquirem um bem; registram uma escritura; obtêm uma certidão; autenticam uma assinatura; saldam uma dívida; pagar um tributo; cumprem um prazo; conduzem um veículo na via e na velocidade adequadas, enfim, quando fazem tudo o mais que traduza a idéia de que, tendo agido em todas essas situações

rigorosamente conforme o direito, se e quando for necessário invocar ou

exercer os direitos decorrentes desse agir correto, o Direito não as abandonará.

Porque fizeram tudo “certo”, porque ordenaram as suas ações como exigido

pelo Direito, confiam em que nada lhes acontecerá de “errado”. 46 Nisto

consiste, ao lado da vertente objetiva, a dimensão subjetiva da segurança

jurídica, aquilo que a doutrina chama de proteção da confiança e confiança

legítima, valores que se ancoram, igualmente, no princípio do Estado de Direito.47 Daí que a pior insegurança jurídica seja a insegurança causada pelo próprio Direito, o que acontece quando as suas normas são postas a serviço do

mal, como nos regimes tirânicos, nos quais, em nome da sua segurança jurídica,

o Estado manipula o Direito para impor uma legalidade iníqua, de que são

45 Helmut Coing. Fundamentos de Filosofía del Derecho. Barcelona: Ariel, 1961, p. 67.

46 Helmut Coing. Fundamentos de Filosofía del Derecho, cit., p. 37.

47 Federico Arcos Ramírez. La seguridad jurídica: uma teoría formal. Madrid: Dykinson, 2000, p. 71/79; José Luis Palma Fernández. La seguridad jurídica ante la abundancia de leyes. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1997, p. 39/42.

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exemplos as famigeradas leis de segurança nacional48; ou, ainda, quando as

normas jurídicas são manejadas, canhestramente, pelos seus operadores, sejam os que as editam, sejam os que as interpretam e aplicam.

Destarte, tanto viola a segurança jurídica uma alteração expressa e formal das regras do jogo, depois que o jogo já começou, quanto uma leitura

surpreendente dessas mesmas regras, na medida em que toda nova leitura de um texto implica sempre a criação de um texto novo, assim como toda atribuição de um novo significado a uma palavra velha equivale à criação de um termo novo. Por isso a aplicação de uma nova regra a situações pretéritas – mesmo quando essa regra decorra apenas de outra leitura de um mesmo enunciado jurídico – implica, sempre, a retroatividade dessa norma, o que é vedado pelo Direito, em geral, e, no caso do direito brasileiro, em particular, pela Constituição ao estatuir que nem a lei prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada. Por isso, afirmam os doutrinadores que, em

obediência à natureza das coisas e ao princípio do Estado de Direito, toda

norma jurídica contém uma cláusula implícita estabelecendo que as suas

disposições obrigam apenas doravante, ou pro futuro, pois seria absurdo

ordenar-se – hoje − que alguém faça, tenha feito ou deixe de fazer alguma coisa

ontem.

Afinal ─ como advertiu, com desassombro, São Tomás de Aquino ─, nem Deus pode determinar algo retroativamente, pois isso implicaria desrespeitar a Sua própria Lei. O que foi feito está feito e nem por Ele poderá ser desfeito.49

Bem, prossigamos. Se a indeterminação semântica é inerente à linguagem, em geral, e à linguagem jurídica, em particular, e se hoje em dia o

48 Antonio-Enrique Pérez Luño. La seguridad jurídica. Barcelona: Ariel, 1994, p. 27.

49 Para uma exata compreensão dessa reflexão do Doutor Angélico sobre a impotência divina para desfazer o que foi feito, ver Umberto Eco. Os limites da interpretação. São Paulo: Perspectiva, 1995, p. 22: “Há uma quaestio quodlibetalis de São Tomás (V,2,3) que se pergunta: 'utrum Deus possit virginem reparare' ─ isto é, se Deus pode permitir que uma mulher que tenha perdido a virgindade possa ser reintegrada em sua condição original. A resposta de Tomás é corajosa. Deus pode perdoar e, portanto, restaurar a virgem no seu estado de graça, e pode devolver à virgem sua integridade corporal através de um milagre. Mas nem mesmo Deus pode fazer com que aquilo que foi não tenha sido, porque essa violação das leis temporais repugnaria à sua natureza. Deus não pode violar o princípio lógico pelo qual 'p aconteceu' e 'p não aconteceu' surgiriam como contraditórios. Alea iacta est”.

99 direito se manifesta ou se dá a conhecer quase que exclusivamente através de palavras – as palavras da lei –, então o aprimoramento da linguagem jurídica impõe-se como procedimento mais do que necessário, indispensável mesmo,

para que se reduzam as obscuridades e as imprecisões involuntárias das

mensagens legislativas, dado que, muitas vezes, o legislador decide utilizar-se de palavras com significados abertos, múltiplos ou excedentes, significados que

ele entende só devam ser fechados ou tornados precisos quando da sua

aplicação/concretização, porque tais comandos se destinam, precisamente, a reger aquelas situações da vida que, de tão cambiantes ou imprevisíveis, não podem ou não devem ser aprisionadas em expressões semanticamente

fechadas.50 Nessas hipóteses, pode-se dizer que estamos diante de vaguezas

intencionais e positivas, ou seja, de imprecisões semânticas deliberadamente assumidas pelo legislador, sob o entendimento de que tais imprecisões de sentido mais otimizam o direito positivo do que embaraçam ou tornam incerta

a sua realização. Tal é o caso, por exemplo, dos conceitos jurídicos

indeterminados e das cláusulas gerais, fórmulas abstratas com “elevado grau de

indeterminação”, que os intérpretes/aplicadores vão concretizando,

determinando ou tornando precisas a compasso das transformações sociais e tendo em conta a singularidade dos casos a decidir, o que permite dizer-se que, nessas hipóteses, a abertura/vagueza da linguagem jurídica, ao invés de evidenciar um defeito, a ser corrigido, antes configuraria uma virtude, a

merecer aplausos.51 Aqui, mais do que noutro qualquer domínio jurídico,

estamos diante de normas produzidas em dois tempos e a quatro mãos, no âmbito de um acordo tácito – alguns chegam a falar em cumplicidade52 –, por força de cujas cláusulas, em obediência à natureza das coisas e ao princípio da

separação dos poderes, o Parlamento continua detendo o monopólio da redação

50 Josef Maria Vilajosana. Identificación y justificación del derecho, cit., p. 98.

51 Miguel Reale. O projeto de Código Civil. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 45: “... há uma diferença muito grande entre os modelos jurídicos do Código atual e os modelos jurídicos do Projeto. No Projeto foi dada preferência àquilo que eu costumo chamar de ‘modelos jurídicos abertos’. Exatamente para permitir a evolução e a obra da interpretação, quer dos autores, quer da jurisprudência. Com a opção pelos modelos abertos, nós podemos apontar uma sociedade em transformação”; Um artigo-chave do Código Civil, in Estudos preliminares do Código Civil. São Paulo: RT, 2003, p. 75/79.

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das leis – sejam elas precisas, vagas ou indeterminadas, pouco importa –, mas o

Judiciário, concretamente o Juiz, fica liberado para interpretá-las criativamente,

de preferência se o fizer dizendo que as suas leituras não ultrapassam o sentido

literal possível – um sentido que “não pode ser unívoco nem equívoco, mas simplesmente análogo” – das mensagens normativas enviadas pelo legislador. 53

Idêntica, no particular, é a compreensão de Aarnio, em quem recolhemos as sugestivas considerações transcritas a seguir.

A maquinaria legislativa é demasiado lenta e pesada para responder com a presteza necessária a cada pedido de reforma. Por isso, surge a tensão entre as normas e a realidade social. Só se deixarmos de lado a letra da lei será possível reduzir essa tensão. Nisto consiste a tarefa de adaptar ─ e investigar ─ o direito, criando-o e desenvolvendo-o. Os artigos de uma lei são como uma tira elástica. O intérprete os estica ou ajusta conforme as

circunstâncias. Só quando permite uma única

interpretação, quer dizer, quando forem esticados até o seu limite extremo, é chegada a hora de resolver o problema criando novas regulações. Se raciocinarmos dessa forma, a criação do direito aparecerá como um trabalho em equipe do corpo que formula regras (o parlamento ou alguma outra instância reconhecida) e do corpo que administra justiça (os tribunais e a máquina judiciária).54

Tudo somado, as coisas se encaixam, à perfeição, na tese de que a interpretação/aplicação das leis constitui a derradeira fase do processo

legislativo, funcionando as instâncias judiciais como terceira câmara dos

parlamentos, não só porque as legislaturas e os tribunais são corpos criadores do direito que atuam em cooperação, mas também porque toda lei precisa de consistência judicial.55

Antes dessa unção judicial – por mais que isso possa levar ao desespero

os arautos da separação dos poderes em sentido forte –, antes desse batismo pelos juízes, impõe-se reconhecer que, ao menos em nosso ordenamento

53 Karl Larenz. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Gulbenkian, 1978, p. 366/370; Arthur Kaufmann. Analogía y “naturaleza de la cosa”. Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 1976, p. 40.

54 Aulis Aarnio. Lo racional como razonable. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991, p.33.

101 jurídico, toda lei tem vigência simplesmente temporária – momentânea ou duradoura, pouco importa –, só permanecendo em vigor até que outra a modifique ou revogue (Lei de Introdução ao Código Civil ─ art. 2º), ou venha a

ser seja declarada inconstitucional por decisão definitiva do mesmo STF. 56 Por

isso, pode-se dizer-se que a Ação Declaratória de Constitucionalidade,

concebida como instrumento manejado pelo STF para dirimir controvérsia ou

dúvida relevante sobre a legitimidade constitucional de uma norma, ao fim e ao

cabo, a depender do veredicto da corte, funciona como proclamação – urbi et

orbi – de que o preceito questionado é válido e, por isso, pode continuar em vigor.57

Assim sendo, não será exagero dizer-se que, em geral e efetivamente, as

leis só entram e permanecem em vigor depois de certificadas pelos juizes; antes

disso, não passam de preceitos expectantes, de comandos potenciais

aguardando que os intérpretes/aplicadores a tanto legitimados

reconheçam/declarem ─ o que exige prévia triagem hermenêutica ─, que

ocorreu, de fato, a hipótese de incidência desses preceitos e, só então,

desencadeiem as respectivas conseqüências jurídicas. Afinal, nunca é demais

repetir, situações de fato particulares não esperam pelo juiz ─ ou por qualquer de nós ─ já separadas umas das outras e com etiquetas apostas como casos de incidência da regra geral, cuja aplicação está em causa, e tampouco essa regra geral, em si mesma, pode avançar e reclamar os seus próprios casos de

aplicação.58 Em síntese, sem a mediação dos operadores jurídicos, as situações

de fato e as regras gerais não se encaixam; os textos não falam; o seu significado latente não se manifesta; e o direito deixa de cumprir a sua função precípua de

instrumento ordenador das relações sociais.59

56 Miguel Reale. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 9ª ed., 1982, p. 550: “Cada modelo jurídico, em suma, considerado de per si, corresponde a um momento de integração de certos fatos segundo valores determinados, representando uma solução temporária (momentânea ou duradoura) de uma tensão dialética entre fatos e valores, solução essa estatuída e objetivada pela interferência decisória do Poder em dado momento da experiência social.” (grifos no original).

57 Gilmar Mendes, in Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho & Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 5ª ed., 2010, p. 1294/1297.

58 Herbert L. H. Hart. O conceito de direito, cit., p. 139.

59 Karl Larenz. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Gulbenkian, 1ª ed., 1978, p. 396; 2ª ed., 2009, p. 282 e 439/441.

102 Por isso, relembrando a comparação de Cappelletti entre os textos legais

e outras formas significativas, bem assim as observações de Rigaux sobre a

legislação judicial, pode-se dizer que, por mais que se esforce em permanecer

fiel ao seu “texto”, o intérprete/aplicador do direito será sempre forçado a ser

livre e a dobrar a lei, fazendo uma leitura pessoal dos enunciados normativos, porque não há texto legislativo, nem tampouco texto musical ou poético, que

não deixe espaço para variações e nuances, para alguma criatividade

interpretativa.60

De mais a mais, é de se registrar que a cada concretização, as fórmulas que veiculam os comandos jurídicos – já de si abertas –, vão se alargando e adquirindo novas possibilidades de utilização, que não poderiam ser imaginadas sequer pelo mais profético dos legisladores históricos, até porque num direito legislado existem mais lacunas do que disposições e a vida, a todo instante, se diverte com as previsões legais.61 Mais ainda, os casos decididos com o alargamento da bitola passam a valer como precedente e ponto de partida ou de avanço para novas aplicações/ampliações, sem que se possa dizer

até onde vai esse processo de constante regeneração normativa.62 Nesse

sentido, invocando outra lição de Gadamer, dir-se-ia que a idéia de um ponto final nesse processo, de uma interpretação definitiva, encerraria uma contradição nos termos, pois toda interpretação é algo que está sempre a

caminho, que nunca se conclui.63 Em síntese, a interpretação não tem ponto de

chegada.64

60 Juízes legisladores?, cit., p. 22; François Rigaux. A lei dos juízes. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.185.

61 Henri De Page. De l’interprétation des lois. Bruxelas: Swinne (reimpressão), 1978, p. 60; Karl Engisch. La idea de concreción en el derecho y en la ciência jurídica actuales. Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra, 1968, p. 331.

62Karl Larenz. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Gulbenkian, 1989, p. 251, 264/265 e 352.

63 Hans-Georg Gadamer. A razão na época da ciência, cit., p. 71.

64 Hans-Georg Gadamer. A razão na época da ciência. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983, p. 71; Giovanni Reale & Dario Antiseri. Hans-Georg Gadamer e a Teoria da Hermenêutica, in História da Filosofia. São Paulo: Edições Paulinas, vol. III, 1991, p. 630; Umberto Eco. Semiótica e Filosofia da Linguagem. Lisboa: Instituto Piaget, 2001, p. 243; José Lamego. Hermenêutica e Jurisprudência. Lisboa: Fragmentos, 2000, p. 182 e Nota 12. Sobre abertura/mudança/controvérsias/conflitos/correções de entendimento, no âmbito da hermenêutica jurídica, ver, por exemplo, a Súmula 343 do STF: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de

103 Nesse contexto de resignação dos juristas diante da congênita ambigüidade das palavras da lei e da indeterminação/sobra de significados inerente aos enunciados normativos, a permitirem infinitas interpretações, nesse contexto assume papel relevante para reduzir os efeitos perversos das suas imprecisões semânticas, a boa redação das leis, a ser observada desde a elaboração de preceitos constitucionais até à feitura de dispositivos de menor hierarquia, porque todos eles integram os ordenamentos jurídicos e suscitam

problemas em seu mútuo relacionamento nesses conjuntos normativos.65

Daí a presença obrigatória desse tópico na obras de Legística e de Técnica Legislativa, bem assim a edição, em distintos ordenamentos jurídicos, de leis especiais com regras e procedimentos que, devidamente observados – acredita-se –, mesmo não conseguindo evitá-los de todo, por certo reduzem, significativamente, os prejuízos causados pelo descuido ou pelo amadorismo na redação dos diplomas legais, riscos que se potencializam, nos dias atuais, com a

aceleração do processo legislativo e a superprodução de leis.66

Trata-se de duas patologias ou, se quisermos, de duas formas da mesma doença, a debilitar a segurança jurídica, na medida em que legisladores “motorizados” e múltiplos centros de nomogênese jurídica vão produzindo leis em quantidade tamanha que os seus destinatários – a rigor, as suas vítimas – já não têm como saber se aquilo que antes lhes era permitido passou a ser proibido, ou se condutas outrora vedadas ou autorizadas, tornaram-se deveres/obrigações, cujo descumprimento poderá acarretar-lhes sanções igualmente incertas. Afinal, é sabido que todo excesso de leis provoca

interpretação controvertida nos tribunais”. “Ainda que a jurisprudência do STF venha a fixar-se em sentido contrário, não cabe a ação rescisória (RE 91.369)”.Roberto Rosas. Direito Sumular. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 146/147.

65 Sobre o que identifica como sendo os problemas do ordenamento jurídico, ver Norberto Bobbio. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: Editora da UnB, 1999, p. 34/35.

66 Carlos Blanco de Morais. Manual de Legística. Critérios científicos e técnicos para legislar melhor. Lisboa: Editorial Verbo, 2007; e José Joaquim Gomes Canotilho. Relatório sobre programa, conteúdos e métodos de um curso de teoria da legislação. Coimbra: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1990. No direito positivo brasileiro, cite-se a Lei Complementar nº 95, de 26/2/98, alterada pela Lei Complementar nº 107, de 26/4/01, e o Decreto nº 4.176, de 28/3/02, onde, em cumprimento ao previsto no art. 59, parágrafo único, da Constituição, se estabeleceram padrões a serem observados na elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

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insegurança jurídica, assim como polícia demais intranqüiliza as pessoas.67 Sob

essa perspectiva, dir-se-ia que bom mesmo era o velho Estado liberal, que editava poucas leis e raramente se intrometia na vida privada. Mas, essa é uma outra história...

Em suma, a pretexto de se combater o que alguns juristas e cientistas

políticos chamam de inércia legislativa, morosidade do processo legislativo ou

crise de deliberação dos parlamentos – críticas que, a seu ver, seriam

justificadas em nome de um suposto estado de necessidade legislativa –,

abandona-se a sábia lentidão das assembléias deliberativas no estudo e reflexão

sobre as leis e, num clima de frenesi normativo e de pulverização do direito, legisla-se depressa, legisla-se muito e legisla-se mal, provocando a mais grave das formas de insegurança, que é precisamente aquela insegurança causada pelo próprio Direito.68

Nesse contexto, continuam de grande valia e permanente atualidade as considerações de Victor Nunes sobre o tema, com especial destaque para a célebre advertência de que a elaboração das leis assemelha-se ao acondicionamento de materiais explosivos, porque – dizia ele –, embora as conseqüências da imprevisão e da imperícia no trato com os textos legais não sejam tão espetaculares, e quase sempre só de modo indireto atinjam o seu

manipulador, em verdade podem causar danos irreparáveis.69

4. INDETERMINAÇÃO DO DIREITO, DISCRICIONARIEDADE

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