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Polanyi (2013) denomina de Indwelling a integração de elementos particulares a uma entidade coerente, passando por uma expectativa contemplativa. Seria um processo espontâneo e fora do nosso controle consciente, em que ativamos os nossos recursos tácitos subsidiários, formando conjecturas a partir da seleção de material mobilizado pela imaginação, de modo a incorporar elementos imaginativos e criar novas soluções aos problemas.

Se estivéssemos esperando o entendimento só dos particulares, em si, quer dizer, se esperássemos significados só dos fatores externos a nós, não poderíamos identificá-los, mas se considerarmos a integração dos particulares como uma incorporação (interiorização), o panorama fica muito mais claro. Assim, Polanyi atesta:

Torna-se agora um meio de fazer com que certas coisas funcionem como os termos proximais do conhecimento tácito, de modo que, em vez de observá- las em si mesmas, possamos estar cientes delas em relação à entidade abrangente que elas constituem. Isso nos traz de volta para casa; não é olhando para as coisas, mas por habitar nelas, que entendemos seu significado conjunto (ibidem, p. 18). (Tradução nossa.)

As observações astronômicas de um cientista, por exemplo, são feitas vivendo uma teoria astronômica, e é essa satisfação interna com a astronomia que cria o interesse do

astrônomo sobre as estrelas. Se olharmos um mapa secamente e sem subjetivação, não vamos ver o valor científico do experimento. Para Polanyi, o interesse é contemplativo:

É assim que o valor científico é contemplado interiormente. Mas a consciência dessa satisfação perde-se quando as fórmulas da astronomia são usadas de forma rotineira. Só quando se reflete sobre a sua visão teórica, ou se experimentam conscientemente os seus poderes intelectuais, é que se pode dizer que se está a contemplar a astronomia (POLANYI, 2013, p. 199).

Assim, pela teoria proposta, nota-se que é pela intersecção da união entre o nível subsidiário do conhecimento e dos particulares que incorporamos a aprendizagem. Tal incorporação perfeita é a Indwelling. Um cego que usa uma bengala, por exemplo, inicialmente sente na mão quando o instrumento bate no chão. Mas depois de um certo tempo, passa a sentir a bengala como uma extensão de seu corpo e ela passa a residir nele. O sujeito a incorpora em si mesmo. Outro exemplo, é quando aprendemos a dirigir. Inicialmente parece que somos duas entidades separadas, mas depois de um certo treino (ação), estendemo-nos ao limite espacial do carro, passa a ser parte de nós, dando-nos a possibilidade e as habilidades de fazermos proezas no volante. De certo modo, o conhecimento subsidiário é incorporado totalmente pela pessoa, depois é inteiramente processado.

Quando um professor está ensinando, e os alunos estão prestando atenção nos procedimentos da aula, eles estão incorporando o professor. Quando o docente mexe a mão, possivelmente os estudantes estão pensando e tentando saber o significado de todas as ações. É por isso que muitas vezes os alunos aprendem coisas que o professor não ensinou. Os estudantes estão interconectando os saberes tácitos com o explícito a todo momento, e o professor deve ser o facilitador desse processo. Outro exemplo é quando os admiradores de arte acham elementos no quadro que o artista não pintou intencionalmente.

Posso mesmo dar o meu exemplo pessoal: quando estudava francês, aos 12 anos de idade, tive uma professora muito especial, que me fez decidir ser professora. Eu admirava muito as suas aulas dinâmicas e atrativas. Cada ato dela era um deleite para mim, e eu me deliciava a cada momento da aula. Era uma expectativa gostosa de novidade e eu incorporava tudo com o maior interesse nos mínimos detalhes. Até hoje faço uso do que incorporei das aulas dela. Evidentemente que minha apreensão subsidiária e focal hoje é a combinação do que incorporei dela com minhas próprias ações, produzindo mais significações dinâmicas. Esse exemplo pode ilustrar a percepção de Polanyi (2013) abaixo:

A reconstituição do conhecimento pessoal até as suas raízes, na apreensão subsidiária do nosso corpo como fundido com a nossa apreensão focal de objetos externos, revela não só a estrutura lógica do conhecimento pessoal, mas também as suas origens dinâmicas (p. 63).

Tendo esses conhecimentos de Indwelling, o educador deve buscar compreender o nível metafísico que se apresenta. Não é a informação passiva que vai ser friamente entendida pelos alunos. Peguemos o exemplo de uma tabela de verbos em inglês: para que os alunos os aprendam, eles vão precisar que aconteça algo a mais do que só a informação à sua frente; vão precisar de um engajamento dinâmico do conhecimento tácito, numa paixão intelectual. Quando a pessoa se engaja no assunto, já está incorporando o conhecimento (Indwelling). A habilidade de um motorista nunca poderá ser substituída pelo ensino em uma autoescola. E nem o conhecimento das regras de rima e de prosódia nos farão entender o que um poema nos transmite. Nós, como pessoas operativas, “derramamo-nos nós próprios nas nossas operações, assimilamo-las como parte de nossa própria existência. Aceitamo-las existencialmente, vivendo e habitando (dwelling) nelas.” (POLANYI, 2013, p. 62)

É um processo transformador - e se não for assim, parece que o aluno não aprende, e o professor não ensina. O educador tem de estar aberto e ciente de que ele não sabe o que vem pela frente. É sempre um reconhecimento surpreendente, atraente, divertido e encantador a novidade e a surpresa da Indwelling. Talvez, essa seja a explicação de morarmos com uma pessoa por 10, 20 ou 30 anos e volta e meia nos surpreendermos com alguma atitude inesperada dela.

É importante ter em conta que podemos destruir nosso entendimento de assuntos complexos pela descontrolada lucidez da nossa ciência positivista. Se escrutinarmos de perto só os particulares para melhor entendê-los, acabaremos por perdê-los e destruiremos a capacidade de abarcar o todo. Se repetirmos palavras várias vezes, prestando atenção somente nos movimentos dos lábios e da língua para perceber o som que se faz, podemos perder eventualmente o sentido do que se ensina, uma vez que a aprendizagem se torna vazia e estéril. Se um pianista fica prestando atenção nos seus dedos, tirando o foco da música que executa, pode, temporariamente, paralisar os seus movimentos.

Outra forma de destruição das possibilidades de significação pela indwelling é quando um aluno tira uma nota baixa numa prova, e já é excluído do contexto harmônico da aula. Ou, quando um aluno que está motivado e quer ir mais além do que é ensinado na aula não encontra espaço por causa do enquadramento objetivo dos métodos tradicionais de ensino, que seguem determinados pré-requisitos. Assim, os sistemas objetivos de avaliação podem funcionar como

fatores inibidores do processo de aprendizagem, por estarem bloqueando a percepção tácita e o encadeamento de significações.

No entanto, se voltarmos a incorporar os particulares, se as palavras forem proferidas novamente em um contexto adequado e o pianista usar sua mente com suas mãos em prol da música, tudo volta à vida e recobra seus significados e relações de compreensão. Deste modo, estaremos de volta à convicção de que sempre há algo a ser descoberto.

Em algum momento, alunos estimulados corretamente vão compreender que podem inventar ou reinventar algo a partir de alguma coisa. É nesse momento que, possivelmente, estaremos conseguindo ler o que antecede o conhecimento. Nessa hora, entra a função do professor, que deve tentar usar maneiras adequadas para o resgate das competências tácitas dos alunos. Em primeiro lugar, o docente deveria ter a preocupação de procurar a captação desse significado em sua própria vida, buscando meios de atualização constantes, completando o que vê com aquilo que sabe, estabilizando e interpretando as informações, dando-lhes significado. Pode ser um tanto quanto difícil essa volta à percepção dos fenômenos interiores, porque estamos muito habituados ao uso do conhecimento objetivo de classificação e de interpretação do mundo. Entretanto, esse paradigma adotado já não responde mais a nossos anseios. Precisamos de novos caminhos, que nos levem a conhecimentos mais profundos e nos façam compreender que podemos reinventar, abstrair, amar e agir, chegando mais à essência dos seres e das coisas, a partir de conhecimentos pré-existentes em nosso interior, combinados com o universo externo.

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