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Capítulo II- Ciência e poder: o assistencialismo em cena

2.2 A infância e o assistencialismo em saúde na Paraíba: o Instituto de Proteção e Assistência à

2.2.1 A infância em evidência

Dando continuidade ao nosso estudo da saúde na Paraíba, iremos analisar a seguir os serviços assistenciais destinados à promoção da saúde infantil no estado realizados pelo Instituto de Proteção e Assistencia a Infância, e como estas práticas se relacionaram com a ciência médica do período e os poderes públicos constituídos. Sendo assim, faz-se pertinente discutir o conceito de infância elaborado por diferentes pesquisadores no âmbito da história e de outras ciências humanas, dentre os quais destacamos o conceito construído pelo historiador Philippe Ariès, em História social da criança e da família, em que este explica a descoberta do sentimento de infância. Em seu estudo, Ariès argumenta que, no período anterior a Idade Moderna, não havia um reconhecimento de uma particularidade infantil em relação às crianças. Para o autor, as crianças foram tratadas como adultos em miniatura: na sua maneira de vestir-se, participar ativamente de reuniões, festas e danças. Os adultos se relacionavam com as crianças falando vulgaridades, realizando brincadeiras grosseiras, participando de jogos sexuais. Desta forma, não se acreditava na possibilidade da existência de uma inocência pueril ou na diferença de características entre adultos e crianças.

O surgimento do “sentimento de infância” na Idade Moderna, segundo Ariès, esteve relacionado com os sentimentos de paparicação e apego. A paparicação destinada às crianças contribuiu para que os adultos se aproximassem cada vez mais de seus filhos. O sentimento de apego surge a partir do século XVII, como uma manifestação da sociedade contra a paparicação da criança e, propõe separá-la do adulto, buscando uma educação dentro dos costumes e da disciplina através de uma visão mais racional. Na Idade Moderna, “a criança passa a ser vista como indivíduo social, dentro da coletividade, e a família tem grande

124 preocupação com sua saúde e sua educação. Tais elementos são fatores imprescindíveis para a mudança de toda a relação social” (ROCHA, 2002, p. 57).

A discussão sobre a infância no Brasil surge com o sociólogo Gilberto Freyre, que, em

Sobrados e Mocambos (1936),200 analisa a figura da infância mostrando a sua influência sobre o ambiente em todos os seus aspectos (culturais, sociais, político e econômico). Nesta obra, em que o autor estuda a decadência do patriarcalismo e o desenvolvimento urbano, a infância aparece como objeto de estudo em suas relações com o pai (autoritarismo/autoridade) e com a mãe (refúgio maternal), nos processos de escolarização e brincadeiras nas ruas, onde se constituiu a figura do moleque, que surge com o desenvolvimento urbano. Além disso, neste período de crescimento das cidades as relações entre adultos e crianças se reformulam em todas as instituições: na família, na escola e nas instancias de higiene pública. A família se preocupa em cuidar dos filhos, no aspecto da saúde e da educação, não é apenas uma questão sorrisos e brincadeiras, pois as novas regras morais se concentram na higiene, na amamentação direta pelas mães, na vestimenta, em exercícios para o bom desemvolvimento do corpo. Na educação, a preocupação era com os aspectos do aprendizado do aluno em termos de noções básicas de português e matemática, higiene e saúde.

Dessa forma, Ariès e Freyre nos auxiliam na compreensão do conceito de infância na historiografia internacional e brasileira. Nesse contexto, iremos também destacar outros conceitos de infância no Brasil e, mais especificamente, a assistência à infância no país enfatizando as políticas desenvolvidas em prol desta.

Remontando a obra História Social da Criança Abandonada, da historiadora Maria Luiza Marcílio, Vera Lúcia Braga de Moura, em A invenção da infância: as políticas públicas para a infância em Pernambuco (1906-1929), explica as três fases do assistencialismo infantil no Brasil. A primeira fase, do período colonial até meados do século XIX, é definida como a fase caritativa. O assistencialismo dessa fase era baseado no pressuposto da solidariedade sob inspiração religiosa, em que a criança abandonada poderia ser recolhida pelo poder público e dirigida para alguma instituição de caridade, ou ser recolhida por uma pessoa caridosa para adoção como filho de criação ou para as Casas dos Expostos, surgidas no Brasil no século XVIII e extintas em meados do século XX sob a crítica de que matavam mais as crianças recolhidas do que as salvavam. A segunda fase, foi denominada de filantrópica, vigorou do final do século XIX até meados do século XX. Nesse período, havia a pretensão de desqualificar o projeto de assistência caritativa para desenvolver a filantropia científica. No

200

FREYRE, Gilberto. Sobrados e mocambos: decadência do patriarcado e desenvolvimento do urbano. 15º Ed. São Paulo: Global, 2004.

125 âmbito da filantropia cientifica, “os médicos higienistas buscaram discutir e orientar as políticas públicas em defesa da criança abandonada” (MOURA, 2011, p.30-31). A terceira fase inicia-se após 1960 com a emergência do Estado de Bem-Estar Social, que perdura até os nossos dias atuais. O Estado passa a adotar políticas públicas para a infância, fundando instituições para o atendimento das crianças e também gestada uma legislação pró-infância.

2.2. 2 O Instituto de Proteção e Assistência à Infância: a filantropia científica

Na Paraíba, o Instituto de Proteção e Assistência à Infância (I.P.A.I) representou uma filantropia científica voltada para a assistência médica à infância pobre, não necessariamente abandonada. O I.P.A.I da Paraíba constituiu um das seis filiares do Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro.201 Este instituto tornou-se o centro administrativo responsável pela coordenação de todas as outras organizações criadas por Moncorvo e do qual emanavam suas campanhas de educação e assistência. No início de fevereiro de 1921, por exemplo, o médico já havia organizado dezessete agremiações deste gênero espalhadas por todo o Brasil. (WADSWORTH, 1999). Neste sentido, o médico Moncorvo Filho (1871-1944), grande entusiasta da assistência médica voltada para a infância no Brasil no início do século XX, fundamentou suas ações com base nos seguintes propósitos:

É demais insistir que a creança deve ser cuidada desde a sente e ahi estão para proval-o, com uma clarividência indiscutível, os próprios estudos da Puericultura, as estatísticas dos competentes e os resultados já auferidos, demonstrando que, em todos os sentidos, é preciso cercar o ente humano do maior zelo e esse zelo deve começar em torno da genitora.202

A cruzada, desenvolvida por Moncorvo Filho a partir de 1899, motivou-se pela percepção de que não havia leis que protegiam a infância, assim como, não existia um dispositivo legislativo que garantisse amparo a mulher que trabalhava na fábrica e, sobretudo, a grande mortalidade infantil tornou-se também um elemento motivador da campanha pela assistência e proteção a infância no Brasil.203 Neste sentido, para o referido médico, “uma das partes mais importantes e mais utilitárias do programma do Instituto é, sem duvida alguma, a que se refere a extensa, a pertinaz campanha de higiene infantil junto as mães pobres e cuja maioria é ignorante” (Moncorvo Filho, 1914, p. 46, Apud Zaniani, E. J. M. & Boarini, M. L,

201 Polyclinica Infantil. A Imprensa, n. 15, 27 de fevereiro de 1913.

202 Em torno do Berço: Conferencia Médico-social peloDR. MONCORVO FILHO. A Imprensa, n. 9,p.2, 15 de

setembro de 1914.

203

126 2011). Esses objetivos de Moncorvo Filho para com a infância e a mulher tornaram-se elementos norteadores dos vários institutos que surgiram no Brasil, dentre eles o Instituto de Proteção e Assistência à Infância da Paraíba.

Na Paraíba, o Instituto de Proteção e Assistência à Infância da Paraíba (I.P.A.I) surgiu com os propósitos de reduzir os índices de mortalidade e de proteger a infância que, no período, estavam sem a proteção dos poderes públicos. A entidade tinha a finalidade de “amparar a infância, especialmente a desvalida. Foi fundada em 1 de novembro de 1912, e começou a ter em funcionamento a sua primeira secção: a policlínica em 7 de janeiro de 1913”.204

A instituição estava dividida nas seguintes secções: policlínica205 e maternidade. A policlínica infantil foi um departamento do Instituto de Proteção e Assistência à Infância, e nela se receitava toda criança desvalida até a idade de 10 anos, fornecendo-lhes, inclusive, os medicamentos.206O movimento da policlínica infantil apresentava no ano de 1916 os seguintes números:

Tabela 7- Movimento da Policlinica Infantil em 1916207 SEXO TOTAL Curados Falecidos Em tratamento

Masculino 2.367 2.105 95 167

Feminino 1.967 1.730 75 162

TOTAL 4.334 3.835 170 329

A secção de maternidade,208 ou melhor, refúgio maternal, com 17 leitos, começou a funcionar em 1º de agosto de 1920, e teve sua matrícula até 31 de dezembro de 1930, no númerode 1.294 mulheres, das quais faleceram 34, saindo com seus filhos 1.036. A entidade contava ainda com a enfermaria João Pessoa, inaugurada em 28 de fevereiro de 1929, com 20 camas para as que não podiam ser tratadas ambulatoriamente. Ocorreram matrículas de 102 crianças até o dia 31 de 1930, destas crianças matriculadas, 10 vieram a falecer. Além destas secções, funcionava no instituto: o consultório de lactentes, o serviço de pré-natal e um gabinete dentário. O movimento geral da instituição, de sua fundação até 31 de dezembro de

204 Instituto de Protecção e Assistência à Infância. In: Almanach do Estado da Parahyba, Imprensa Official, João

Pessoa, p.84, 1932.

205 Prestavam serviços na Policlínica os Drs. Jayme Lima e Seixas Maia. Ver:Instituto de Protecção e Assistência

à Infância. In: Almanach do Estado da Parahyba, Imprensa Official, Parahyba, p.338, 1922.

206

Polyclinica infantil, In: Almanach do Estado da Parahyba, Imprensa Official, Parahyba, p.304, 1917.

207Idem,p.304, 1917

208 Prestavam serviço na maternidade, Dr. Jayme Lima e d.Clarice Justo,como assistente. Ver: Instituto de

Protecção e Assistência à Infância. In: Almanach do Estado da Parahyba, Imprensa Official, Parahyba, p.338, 1922.

127 1930, apresentou a matrícula de 22.329, dos quais 1.108 faleceram, apresentando uma de mortalidade de 4,9%.209

A instituição foi fundada pelo médico Walfredo Guedes Pereira210 e um grupo de Damas Protetoras, sendo por este dirigida desde sua fundação e subvencionada pelo estado. Além disso, também recebia contribuição de particulares para a manutenção de seus serviços. Como constatamos na seguinte relação de contribuintes:211

Tabela 8- Contribuições de particulares Marianna de Hollanda ... ...10$000

Raphael de Hollanda...5$000 Júlia Quirino... .5$000. Augusto de Oliveira... . 5$000 Octavio F. de Melo... 5$000 José Candido de Oliveira... 5$000 Raphael Bezerra... ..5$000 Francisco Londres... ... 5$000 Um maçom da Branca Dias... 5$000 Engenheiro Eugenio Gabba...3$000 João Belisio de Araújo... 3$000 Franca Filho...2$00..0 Josué M. Vieira... 2$000 João Magliano ... 2$000 Agostinho Lima... 2$000 Romualdo Rolim... 2$000 Antonio Mendes Ribeiro ... 2$000 Maria Augusta... 2$000 Um aspirante da Branca Dias... 2$000 Pedro Henriques... 2$000 Alfredo Campello... 2$000 J. Fragoso... 1$000 Maria Izabel da Nóbrega ... 1$000 Um catholico ... 1$000 Benjamim Soares... ... 1$000 Julio d`Atahyde... .. 1$000 Severina Costa Real... $500 Geralda Costa Real... $500 Djanira Quirino... $500 Dulcinéia Quirino...$500 Quota entre o pessoal administrado

209

Ver: Instituto de Protecção e Assistência à Infância. In: Almanach do Estado da Parahyba, Imprensa Official, João Pessoa, p.84, 1932.

210

Humberto Walfredo Pereira Guedes nasceu no municio de Bananeiras. Alfabetizou-se em sua própria cidade natal. Prosseguiu os estudos no Liceu Paraibano, pelo regime parcelado, vencendo as humanidades em três anos. Depois, transferiu residência para o Rio de Janeiro onde se matriculou na Faculdade de Medicina , em 1902,. Formou-se em dezembro de 1907 ea 1º abril seguinte, defendeu a tese sob o titulo Pseudo Paralisia de Parrot, tornando-se Doutor. (Cf NÓBREGA, 1979, 236.).

128

por Manuel

Quirino...56$500

TOTAL...140$000

Diferentes sujeitos de segmentos sociais e religiosos diversos, tais como políticos; donas de casa; católicos; representantes dos maçons; profissionais liberais; etc contribuíram financeiramente para com Instituto de Proteção e Assistência à Infância com o objetivo de fortalecerem os serviços de assistência à infância paraibana oferecidos pela entidade. Estes contribuintes conseguiam alcançar uma visibilidade na sociedade local através da propaganda do ato filantrópico pela imprensa que, na sociedade do início do século XX, era atributo indispensável para a construção de uma boa imagem perante os grupos sociais. Já os sócios beneméritos da instituição conquistavam uma maior visibilidade não só no seu meio social, mas, sobretudo, no próprio espaço interno institucional, pois a estes era reservado uma honraria muito maior, a exposição de sua imagem através do quadro exposto na sala de reunião da entidade, acompanhado da divulgação pela imprensa, como identificamos na reunião de posse da nova diretoria Instituto de Proteção e Assistência à Infância para o ano social de 1918 a 1919:

Devendo ser apostos no salão do Instituto os retratos dos sócios beneméritos Senador Epitácio Pêssoa, Desembargador Salustino Gomes da Silveira e d. Jordulina Holmes, foi dada a palavra ao consocio dr. Manuel Tavares que, em substanciosa alocução, enalteceu a benemerência dos referidos sócios, aos quais o Instituto era muito grato, e declarou inaugurado os seus retratos.212

A exposição dos retratos dos sócios beneméritos representa a imortalização do sujeito considerado “caridoso” por sua obra de benemerência no espaço institucional, sendo para estes sócios uma estratégia de promoção de sua imagem e, para instituição, um mecanismo estratégico para a conquista de novos sócios mediante a promoção imagética e nominal do sujeito “caridoso”. Contribuintes e sócios beneméritos, independente de suas aspirações de promoção pessoal através da propaganda do ato caritativo pela imprensa, contribuíram financeiramente para o I.P.A.I simbolizando, pois, um movimento de reorganização social no contexto do abandono da infância e ausência do estado neste setor. Observando a atuação da sociedade no campo da assistência à saúde infantil, bem como, os desejos e as necessidades da população em torno da promoção da saúde das crianças paraibanas, segundo o artigo do jornal A Imprensa, “O Instituto de Proteção e Assistência à Infância arrancando do sofrimento

212

129 e da miséria essas criaturinhas, que estavam condenadas à morte ou a invalidez, presta um serviço de grande relevo à sociedade e á Pátria, preparando-lhes homens fortes e úteis.”213 A mobilização social em torno da assistência médica e proteção à infância na Paraíba, no início do século XX, relaciona-se com o pensamento eugenista e higienista, os quais mantêm interface com os discursos da construção da nacionalidade. Este pensamento eugenista repercutiu na Paraíba com a publicação do artigo “A ciência do aperfeiçoamento moral e physico”, na coluna médica da Revista Era Nova:214

Galton, o sonhador da eugenia, que é a ciencia do aperfeiçoamento moral e fisico do homem, seria de fato um grande herói se as suas idéais não passassem, infelizmente, apenas, como sonho dos que se entregam aos vícios chics, da cocaína ou ópio ! o aperfeiçoamento da humanidade, avariada desde a origem, exigiria uma profilaxia etiológica como etiologia deveria ser a terapeutica. Mas, desgraçadamente, as boas ideais não têm proselitos, e si os têm não vencem, porque os partidários das más são em numero maior escala!Com Galton o combate a sifilis seria a propaganda tenaz do saneamento dos costumes e das doenças,ao mesmo tempo que o tratamento deveria ser o das causas eficientes- o tratamento de origem- e não a terapeutica sintomatologico- Seriam vistos as causas e não os efeitos!..Que nos adeanta tratar os doentes, tentar contra as moléstias, quando outra deveria ser a nossa linha de conduta ? O verdadeiro papel da higiene é evitar, e por isso, mesmo que a higiene é a ciência médica do prevenir.215

A imprensa paraibana considerava que, “Galton promoveria, de acordo com seus princípios, os meios de higiene preventiva, os meios de não se chegar à moléstia, por que este é de fato, o papel da verdeiro higiene.” 216O discurso do fundador e diretor do Instituto de Proteção e Assistência à Infância, Walfredo Guedes Perreira, publicado pelo jornal A

Imprensa, também sinaliza essa tríplice relação entre os discursos eugenistas, higienistas e

nacionalistas:

Tendo sido sempre o nosso principal intento entrar o quanto antes em acção, demonstrando praticamente que não queríamos o esforço, a dedicação e, até mesmo, sacrifício presentes, para benefícios futuros, que seriam naturalmente remotos em virtude do pessimismo e da descrença, e sim, para applical-os immediatamente na construcção de um presídio para a sede do Dispensário e, sobretudo, em soccorer à infância desvalida e soffredora,

213

Instituto de Protecção e Assistência à Infância, A Imprensa, n.20, 11 de novembro de 1917.

214 A Revista Era Nova, foi uma revista quinzenal, ilustrada na década de 1920, produzida na Paraíba,

inicialmente, foi fundada em Bananeiras, e logo depois, seu núcleo foi transferido para Parahyba do Norte, (capital), Se manteve circulando de 1921 a 1926, quando, dela, se tem notícia pela última vez. Seu primeiro nº, do ano I,data de 27 de março de 1921, sendo oficialmente apresentada por seu diretor Severino de Lucena e seu redator-chefe Guimarães Sobrinho, com a proposta de inaugurar uma nova era nos círculos literários e intelectuais paraibanos (RODRIGUES, 2013).

215A sciencia do aperfeiçoamento moral e physico.Era Nova, Ano III, n. 49, Setembro de 1923. 216

130 vimos tendo sempre o acolhimento mais ou menos desejado e, desta mesma forma, preenchendo a tão grande lacuna que nos sensibiliza e nos envergonha.

Per infantes futuro servíamus,(grifo do autor). Tratando da infância servimos ao futuro. É este o lema que nos serve de bandeira e que precisa ser propagado e bem comprehendido não só pela baixa e media classes, como principalmente pelos altos poderes de nosso País, a fim de nos tornamos uma nação digna pelo número de seus filhos, pela resistência e pelo patriotismo consciente de cada um deles. ”217

Neste sentido, observamos que o discurso que motivou a criação da instituição, como também, a contribuição dos particulares para com esta, se baseou na concepção de que o estado estava ausente no que diz respeito à assistência médica e proteção à infância paraibana. Somado a isto, para Guedes Pereira, cuidar da infância seria servir ao futuro, ou seja, prevalece a concepção de que a criança é o futuro da nação, tendo-se então a intrínseca relação entre eugenia, em seu intuito de melhoramento da raça; a higiene, meio de prevenção de doenças e, a ideia de nação, em que a construção de uma nação desenvolvida e produtiva depende da construção de corpos belos, perfeitos e saudáveis os quais resultariam da implementação dos procedimentos eugenistas e higienistas. Abaixo podemos observaro Hino da instituição composto pelo poeta Américo Falcão:

Do seio das multidões Sobe uma voz dolorida A supplicar attenções Para os que entram na vida

Avante! Tendo a certeza De que se marcha seguro Pela estrada da grandeza Para o Brasil do futuro .... Cuidemos dos pequeninos Com o mais constante afã Pois de agora, estes meninos São os homens de amanhã! Formemos os veteranos Futuros da Pátria amiga

Como outrora entre os romanos E os filhos da Grécia antiga

O Brasil agigantando A caminho da bonança Implora, ordena cuidado

217

131 Pela vida da criança218

Na letra do hino da instituição, observamos a presença discurso nacionalista que enfatiza a necessidade de cuidar da infância como quem cuida da nação, pois, no seio das multidões surge uma voz dolorida que suplica atenção, esta voz seria o choro das crianças abandonadas que precisavam de cuidados. Neste contexto, a letra do hino apresenta um diagnóstico sobre o passado, no caso, a ausência de cuidados com a infância e a percepção de que é preciso cuidar das crianças do presente, para que se tenha, no futuro, os homens fortes e produtivos para servir a pátria. Este hino sinaliza um dos aspectos importantes do nacionalismo brasileiro da década de 1920, o qual caracterizou-se pela atuação dos intelectuais engajados, que, independentes de sua origem de classe e da sua formação acadêmica procuraram difundir ideias e projetos de assistência a infância como parâmetros a partir dos quais se daria a construção de uma nova consciência nacional. Neste novo nacionalismo de matrizes social e politica, o problema da infância adquiriu contornos de questão social, assim identificamos nas palavras de Moncorvo Filho, criandor do I. P.A.I do Rio de Janeiro e um dos maiores expoentes na luta em prol da higiene da infância no Brasil:

Raro, muito raros mesmo têm encarado o problema sob o seu aspecto profundamente civilizador e político- o da economia social. Não há, de fato, despesa mais compensadora do que aquela com a qual, mitigando-se as rudezas do grande assedio de males à infância, se prepara uma raça vigorosa, inteleigente e adestrada para os embates da existência. É esse, evidente, o alicerce sobre o qual deve assentar a grandeza da pátria que tanto amamos (MONCORVO FILHO, 1923, p.123).

Para Moncorvo Filho, o Brasil ainda estava na fase da infância e, cuidar da infância seria uma maneira de construir os alicerces sobre os quais deveria fundamentar a grandeza da nação, sendo assim, sugeriu o dia 12 de outubro como dia dedicado à criança. Dessa forma, em conformidade com o pensamento de Moncorvo Filho, o hino do I. P. A. I sinaliza a missão da entidade e os seus propósitos de contribuir para a construção de um futuro civilizado, próspero e seguro para o Brasil. A regeneração da raça, através dos modelos eugênicos e higienistas, seriam os métodos a serem a adotados no cuidado com a infância, pois consideravam que os pequeninos do presente, seriam os homens do futuro e,