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A infância pobre e doente como questão de defesa nacional – governo

2. ESTUDOS ACERCA DA HISTÓRIA DA INSTITUCIONALIZAÇÃO E DA

2.5 A infância pobre e doente como questão de defesa nacional – governo

Na década de 30, destacaram-se práticas e estudos eugênicos que apesar de surpreenderem deixaram frutos que até hoje influenciam na atuação das psicólogas junto a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Isto porque representou o início do que atualmente se denomina “patologização e medicalização da vida”. Era o caso do Laboratório de Biologia Infantil (Rio de Janeiro, 1935-1941) e do Instituto de Pesquisas Juvenis19: ambos voltados para os estudos das causas que levariam crianças e jovens a delinquir, transgredir, a serem viciosas. Os profissionais destes laboratórios eram especialistas em educação e saúde (pedagogia, psicologia, medicina legal e serviço social), realizavam estudos e relatórios acerca das causas da delinquência e do abandono, responsáveis pela “triagem” das crianças e adolescentes “recolhidos” pela polícia. Porém, tais pesquisas não tinham âmbito social, mas analisavam a pobreza como uma doença que deveria ser diagnosticada e tratada pela assistência social. Rizzini (2009) enfatiza que estes “serviços auxiliares” visavam subsidiar as práticas judiciárias e romperam com as concepções predominantes da época:

Após o domínio absoluto da causalidade moral, começaram a crescer, em importância, as causas psíquicas, físicas, sociais e econômicas, na explicação do desvio de comportamento do menor. Às causas morais, como os “maus costumes”, a frouxidão moral”, o “enfraquecimento da autoridade familiar”, juntaram-se os “distúrbios físicos e psíquicos” a “hereditariedade”, o “urbanismo”, o “industrialismo” e o “pauperismo” (LOUZADA, 1940, apud RIZZINI, 2009, p, 251). (...) No processo de identificação das causas da sua conduta e/ou estado de abandono, o menor recebia um diagnóstico (ou “apreciação”), que definia a sua condição de indivíduo física e psiquicamente normal ou anormal. Auxiliado por esses exames técnicos, o Juízo atribuía ao indivíduo as causas de seu comportamento desviante, embora o discurso dos agentes reconhecesse a importância das causas sociais e econômicas da criminalidade. O diagnóstico (que não era somente médico,

19Por serem muito impressionantes recomenda-se a leitura sobre estas práticas pesquisas no

mas também psicológico), formulado por uma instituição que tinha respaldo na ciência médica, como o Laboratório, legitimava, cientificamente, uma prática de exclusão e discriminação. (RIZZINI, 2009, p. 251).

Formalmente foi desta maneira que os profissionais especialistas começam a colaborar diretamente na justificação do sequestro de crianças de suas famílias pobres e no aprisionamento destas e das consideradas delinquentes. Sem terem oportunidade para se defenderem, famílias ficavam à mercê de uma ciência que atendia a ideologias contraditórias e dominantes: ao mesmo tempo em que médicos, juristas e políticos intencionavam melhores condições de vida para estas populações, como acesso à educação e saúde, submetiam-nos à seus valores, interesses e controle.

O Serviço de Assistência a Menores (SAM) criada pelo governo Vargas (1930-1945) em 1941 era subordinado ao Ministério da Justiça e com ele reforçava-se o olhar sobre as famílias. O “menor” continua a ser identificado como um problema proveniente dos lares e a partir daí há uma crescente ideologização dos discursos dos representantes do Estado: “Na ditadura implantada por Getulio Vargas, intervir junto à infância torna-se questão de defesa nacional” (RIZZINI e RIZZINI, 2004, p. 32). Haja vista a política da época, que se preocupava com as ameaças socialistas.

O então presidente, além de embasar suas políticas na eugenia, realizava suas articulações a fim de agradar tanto o âmbito privado – empresas – como o público e o religioso (Igreja Católica), pois pretendia “um governo centralizador e intervencionista” (FALEIROS, 2009). No entanto, tendo como prioridade o recrutamento do maior número possível de trabalhadores para “fazer crescer o país” os empresários acabavam por exercer grande influência – positivas e negativas - nas decisões governamentais voltadas para o povo, inclusive nas políticas públicas voltadas à infância e adolescência. Travaram muitas batalhas no poder legislativo para reduzir a idade mínima de trabalho do Código de Menores para menos de 14 anos, e chagaram a obter algum sucesso. Porém, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT de 1943) o trabalho infantil só liberado a partir dos 14 anos.

Na elaboração da Constituição de 1937 conseguiram adicionar artigo que estabelecia o ensino industrial com objetivo de preparar os jovens das classes menos favorecidas para o trabalho, através do ensino privado, mas com financiamento público. É assim que nasce o SENAI e o SENAC em 1942 e 1946, respectivamente.

Foi no Código Penal de 1940 que a maioridade penal de 18 anos foi estabelecida, e com a CLT de 1943, a idade permitida para crianças/adolescentes trabalharem passa a ser de 14 anos, a não ser que se obtenha autorização judicial.

Já em relação à “política” dos “menores”, o governo criou quatro órgãos que funcionariam integrando-a entre Estado a instituições privadas: o Conselho Nacional de Serviço Social (1938), o Departamento Nacional da Criança (1940), o Serviço Nacional de Assistência a Menores (SAM, 1941) e a Legião Brasileira de Assistência (LBA, 1942) (FALEIROS, 2009, p. 53). O SAM (citado anteriormente) era voltado para as questões de ordem social e tinha como principais objetivos:

(...) orientar e fiscalizar educandários particulares, investigar os menores para fins de internação e ajustamento social, preceder ao exame médico-psicopedagógico, abrigar e distribuir os menores pelos estabelecimentos, promover a colocação de menores, incentivar a iniciativa particular de assistência a menores e estudar as causas do abandono. (FALEIROS, 2009, p. 54)

Ainda segundo mesmo autor, o judiciário visava a “manutenção da ordem e preservação da raça”, realizando o julgamento do “menor” através do estudo de sua personalidade e da sua inclinação à periculosidade. Igualmente a décadas anteriores, porém, de maneira mais intensa, juízes continuavam a associar a delinquência ao abandono, reforçando a concepção de que a família pobre não dava conta da educação de seus filhos.

E as políticas reforçavam este ideário, pois investiam de maneira desigual nos educandários. Alguns, para onde os filhos das classes mais abastadas eram encaminhados, a educação era de qualidade.

Mas nas instituições onde permaneciam os mais pobres, vigorava o interesse do lucro obtido “por cabeça”, não havia benefícios, projetos ou supervisão adequada:

No imaginário popular, o SAM acaba por se transformar em uma instituição para a prisão de menores transviados e em uma escola do crime. A passagem pelo SAM tornava o rapaz temido e indelevelmente marcado. A imprensa teve papel relevante na construção desta imagem, pois ao mesmo tempo em que denunciava os abusos contra os internados, ressaltava o grau de periculosidade dos “bandidos” que passavam por suas instituições de reforma (RIZZINI e RIZZINI, 2004, p. 43). Diante destes fatos, o SAM assemelhava-se a um depósito onde crianças e adolescentes abandonadas e/ou infratoras permaneciam internadas no mesmo local. Inicialmente a política era definida como “portões abertos” para ambos (SILVA, 1998, p. 70), mas isto permitia que alguns entrassem e saíssem com frequência da instituição, o que incomodava a ordem pública. Até que em 1963 foi criada o Recolhimento Provisório de Menores (RPM) onde os menores infratores de 14 a 18 anos deveriam aguardar futuros encaminhamentos, já que apresentavam “resistência” em mudar seu modo de vida (Ibid., p. 70).

Importantíssimo frisar que para este mesmo autor, a “política dos portões fechados” também favoreceu a “tranquilidade para o trabalho dos técnicos e dos especialistas das várias modalidades profissionais” (...) que se constituíam e constituíam as “instituições totais (...) onde se fazem experiências com o eu” (GOFFMAN apud SILVA, 1998, p. 70).