• Nenhum resultado encontrado

Influência da anomalia de inverno na formação da região C ionosférica

4 DISCUSSÃO

4.3 Influência da anomalia de inverno na formação da região C ionosférica

Entre outubro e março, observa-se que o período quiescente de ∆c é

substituído por um período onde o efeito de fase ∆c sofre súbitas variações intensas e esporádicas. Uma análise mais detalhada mostra que a evolução temporal de ∆c apresenta estruturas semelhantes entre os diferentes trajetos de propagação de VLF. Na Figura 4.6 identificamos algumas dessas estruturas temporais comuns aos três trajetos NAA – CAS, NAA – PIU e NAA – PLO indicadas pelas setas verticais. Podemos observar que a variabilidade de ∆c

possui escalas temporais típicas na faixa entre 1 e 20 dias.

A intensidade das variações de ∆c estão na faixa entre 0,6°/Mm e 7,8 °/Mm para os trajetos ilustrados na Figura 4.6. Comarmond (1977) apresenta médias semanais de ∆c medido em diferentes trajetos de propagação, e, ao contrário dos resultados apresentados aqui, não foram encontrados períodos onde ∆c

apresente variações intensas. O único caso significativo foi no trajeto de propagação NBA – DEAL (New Jersey), onde ∆c apresentou variações de até 100 % nos meses entre novembro de 1966 e abril de 1967. O período de grande variabilidade do efeito de fase ∆c detectado entre outubro e março e ilustrado na Figura 4.6, é o resultado de medidas diárias, e representa um fato observacional novo pouco reportado na literatura. A razão para isto pode ser o

uso de médias mensais e semanais nos trabalhos anteriores, o que acaba integrando variações temporais mais rápidas.

Figura 4.6 – Detalhe da variação do efeito de fase ∆c entre outubro de 2007 e março de 2008 para os trajetos de propagação NAA – PIU, NAA – PLO e NAA – CAS.

As variações de ∆c observadas entre os meses de outubro e março são muito grandes para serem associadas a flutuações da radiação solar Lyman-α, a qual

94

mantém a região D (TAUBENHEIM, 1983). Segundo as nossas estimativas da secção 4.2, uma variação do efeito de fase no amanhecer de 7,8 °/Mm, como a ilustrada na Figura 4.6, poderia ser explicada por uma variação do fluxo Lyman-α de 4.6 fótons cm-2

s-1. Entretanto, tal aumento da radiação Lyman-α em poucos dias seria maior do que o aumento do mesmo fluxo entre períodos de máximo e mínimo de atividade solar, conforme se vê na Figura 4.5 a.

Para entender melhor as variações intensas de ∆c, mostra-se na Figura 4.7 a variação diurna de fase observada nos trajetos NAA – PLO (esquerda) e NAA – CAS (direita) para os dias 6, 8 e 12 de fevereiro de 2008, referente ao pico intenso entre os dias 402 e 408 e que foi identificado na Figura 4.6 (seta verde). Durante esses dias, ∆c apresentou uma variação de até 80 %, e fica claro na Figura 4.7 que esta variação é associada a uma variação da largura de L do PSRH. Por outro lado, Comarmond (1977) afirma que não foram observadas variações notáveis do parâmetro L e que, em particular, o tempo entre o máximo e mínimo do efeito do PSRH (pontos A e B da Figura 2.2) foi estimado na faixa entre 60 e 75 minutos. Utilizando nossa base de dados, a Figura 4.7 mostra que este tempo pode variar entre 30 e 120 minutos, resultado que se generaliza ao período inteiro estudado. Este fato sugere que o tempo de permanência do reservatório de elétrons responsável pela presença da região C ionosférica é altamente variável, podendo mudar num fator 3 a 4 em dias consecutivos.

Comarmond (1977) relacionou o tempo que transcorre entre o PSRH e o mínimo após o PSRH com os processos de recombinação que acontecem nas altitudes onde se produz a região C, os quais são dependentes da temperatura local. Como observamos na seção 3.3, entre os meses de outubro e março acontecem variações de temperatura produzidas pela anomalia de inverno do hemisfério norte. Para apreciar a relação entre as variações de temperatura

observadas na região correspondente a caixa C1 com os valores de ∆c,

variação do efeito de fase ∆c medida no trajeto NAA – PLO junto com um perfil de temperatura na altitude de 43 km (Fig. 4.8 a, c) e comparamos com as decomposições espectrais em ondas de wavelet destes dois sinais (Fig. 4.8 b, d).

Figura 4.7 – Variação de fase matutina nos dias 06/02/2008, 08/02/2008 e 12/02/2008 observadas nos trajetos de propagação VLF de NAA – PLO e NAA – CAS.

As Figuras 4.8 (b, d) evidenciam que entre os meses de outubro e março,

começam a aparecer rápidas variações de temperatura e de ∆c que

desaparecem ao se aproximar ao período calmo entre março e outubro, o que apóia uma conexão entre o período perturbado de ∆c e a anomalia de inverno do hemisfério norte.

96

Figura 4.8 – (a) Variação de ∆c utilizando o trajeto NAA – PLO (b) e sua transformada wavelet. (c) Perfil de temperatura na altitude de 43 km para a região C1 (d) e sua transformada wavelet. As linhas verticais são as mesmas que na Figura 3.1.

Uma análise mais meticulosa foi realizada e é ilustrada na Figura 4.9. Nela,

mostramos as variações do efeito de fase ∆c e comparamos com perfis de

temperatura medida entre os 35 e 65 km de altitude, obtidos na região

correspondente a caixa C1. Ressaltamos os maiores incrementos de ∆c

utilizando linhas laranjas e setas tal como na Figura 4.6.

A comparação das Figuras 4.9 (a, b) mostram que não existe uma relação única entre as variações de ∆c e as variações de temperatura. Por exemplo, para o intenso incremento de ∆c observado no dia 08 de fevereiro de 2008 não observamos nenhuma variação de temperatura associada. Similarmente, aumentos isolados de temperatura não resultam em modificações notáveis de ∆c. A comparação de periodigramas de cada um desses perfis utilizando o método de Lomb-Scargle confirmou estas conclusões.

Para comprovar isto notamos que Rodger et al. (1998) estudaram de forma detalhada a recombinação eletrônica na baixa ionosfera, e em particular como esse processo depende da temperatura local. Dentre aproximadamente 20 reações químicas de recombinação, os autores destacam as três mais importantes que são relacionadas a seguir:

1 3 39 , 0 13 * * * 2+ +eN +N 1,8×10 (T/300) m s N (4.1) 1 3 55 , 0 13 * * * 2+ +eO +O 1,6×10 (T /300) m s O (4.2) 1 3 83 , 0 13 * * ) 300 / ( 10 5 , 4 + +eN +O × T m s NO (4.3)

Notamos utilizando estas reações que mudanças de temperatura de 20 K resultariam em variações dos parâmetros de recombinação dissociativa de no máximo 10%. Este valor é insuficiente para explicar a diminuição do tempo que transcorre entre o máximo do avanço de fase e o mínimo após o PSRH, durante o período perturbado, que pode atingir um fator 2 à 3.

98

Outra alternativa que merece ser discutida para compreender as variações de ∆c entre outubro e março é a influência de mudanças da concentração de NO. Isto porque durante a anomalia de inverno, há um aumento na concentração deste constituinte entre 60 e 90 km de altitude, o que produz um incremento da concentração eletrônica de até uma ordem de magnitude no amanhecer (MURATA, 1974). O aumento de concentração de NO, durante a anomalia de inverno é geralmente explicado pelo transporte deste constituinte desde as regiões aurorais até latitudes médias (HARGREAVES, 1992, cap. 7.4.5, p. 294). Esta análise não foi realizada devido às dificuldades de se obter concentrações de NO confiáveis a partir da radiância de NO, como foi explicado na secção 3.3.

A aparição do período de grande variabilidade do efeito de fase ∆c durante meses que correspondem à presença da anomalia de inverno não é uma mera coincidência. Porém, precisa-se contar com observações diárias da concentração de NO para compreender melhor o papel da anomalia de inverno nas propriedades da região C ionosférica apresentadas neste trabalho.

Figura 4.9 – (a) Variação de ∆c entre outubro de 2007 e março de 2008 para os trajetos de propagação NAA – PIU, NAA – PLO e NAA – CAS. (b) Perfis de temperatura para a região C1 entre os 35 e 65 km de altitude.

Documentos relacionados