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5. CONCLUSÃO

5.2. Influência das conferências: além do que se vê

Considerados os valores da democracia participativa e analisada sua evolução no Brasil, parece ser uma pergunta óbvia - movida pela ciência ou pela simples curiosidade -, entender quais os resultados de toda essa engenharia. Afinal, as políticas formuladas nessas instituições participativas são implementadas pelo governo?

O problema motivador da investigação aqui realizada se enquadra nessa perspectiva, em âmbito mais específico: toda a centralidade que adquiriram as conferências é reverberada nas decisões governamentais?

Conforme visto ao longo do trabalho, debruçou-se especialmente em compreender a influência que a I e a II Conferência Nacional de Políticas das Mulheres (CNPM) desempenharam sobre o governo Lula. O último capítulo foi inteiramente dedicado à questão.

De forma simples, pode-se afirmar que a conclusão a que se chegou foi de confirmação da influência inicialmente suposta. A análise subjetiva do pronunciamento das fontes estatais e civis, cruzada com a objetividade das diretrizes aprovadas nas conferências e leis ou projetos de fato implantados pelo governo, apontou coincidências importantes que podem, mesmo sendo poucas - até pelo pequeno alcance da pesquisa realizada - , demonstrar que houve influência, ou seja, que o governo tomou decisões pautado por deliberações participativas nas instituições em foco.

No mesmo sentido, apresentaram-se diversas pesquisas e evidências em torno da capacidade que as conferências e mesmo outras instituições participativas têm em influir sobre as alternativas de políticas e as decisões públicas. São dados relevantes que devem ser considerados pela sociedade política, pela sociedade civil e pela sociedade acadêmica. Os debates sobre a formulação de políticas, a inclusão de temas na agenda pública e a disputa pelos recursos e decisões encontram nas novidades participativas uma fonte de possibilidades. Como visto ao longo do trabalho, essas IPs são espaços privilegiados de mediação política, em que o poder econômico e as estruturas tradicionais têm pouca incidência.

Com as conferências nacionais de políticas públicas, o Estado abraçou a sociedade civil de forma sem precedentes na história brasileira. Este é um fenômeno importante a ser observado, pois a alteração no padrão de relação Estado-sociedade implica diretamente na forma de democracia. Por mais que se esteja, com o modelo vigente, adotando eventualmente políticas liberais, encontra-se sem dúvida em jogo uma alteração no modelo liberal de democracia.

Muitas democracias avançadas preservam ainda uma separação nítida entre Estado e sociedade civil, mantendo intactas as mediações políticas convencionais da democracia liberal e do Estado moderno. No Brasil, tal separação vem deixando de ser nítida devido ao avanço de práticas participativas e deliberativas como as conferências nacionais de políticas públicas, que trouxeram a sociedade civil para dentro do Estado, e o fizeram por meio das instituições representativas, com o Poder Executivo e o Poder Legislativo (IUPERJ, 2010, p. 87).

A relação de influência apontada, entretanto, é acompanhada por diversas considerações. A primeira e mais importante delas é que as decisões públicas estão submetidas a uma imensa variedade de influências, sendo praticamente inviável determinar uma única fonte como determinante. Como visto, o governo é influenciado por seu programa de governo e compromissos eleitorais, por seu partido e coalização de partidos que o sustenta, pela correlação de forças no parlamento e na sociedade, pela conjuntura econômica e internacional, e um sem número de variáveis objetivas e subjetivas.

O que resta constatado, pelos casos analisados e pela bibliografia estudada, é que indubitavelmente as conferências conseguem ser um desses elementos influenciadores, incluindo dentre o leque de alternativas do governo propostas oriundas de um rico processo de mobilização social.

Além da complexidade que envolve o processo de tomada de decisões públicas, foram apontados outros fatores que incidem sobre a capacidade de implementação das reivindicações das conferências, relacionados ao funcionamento delas mesmas, como: o grau de organização e mobilização da sociedade civil; a natureza e o lugar estratégico das políticas que trabalham; o desenho institucional delas, etc.

Outros elementos foram identificados como limites à efetividade das decisões conferenciais, destacadamente: a falta de um marco legal que vincule as decisões do governo; problemas formais como a grande quantidade de propostas aprovadas e o conteúdo muitas vezes puramente ideológico delas; e a falta de mecanismos de encaminhamento, seguimento e monitoramento das diretrizes; contradições internas ao governo, etc.

Mais que a sentença fria do "sim ou não" sobre os efeitos da participação nas decisões, é o mapa de barreiras e limites a principal contribuição desses estudos, pois traz subsídios à formatação de modelos mais potentes, ou seja, favorecem ao necessário aperfeiçoamento da experiência participativa brasileira.

Por outro lado, outra surpreendente descoberta ao longo do processo investigativo foi que a influência das conferências compreende muito mais perspectivas que apenas a

implementação das diretrizes. Todas as fontes consultadas minimizaram essa pretensão. Talvez pela consciência quanto à complexidade que envolve o mundo das decisões políticas, talvez por realmente darem maior valor a outros produtos desse processo participativo.

Não é que se despreze a importância de que as conferências influenciem as decisões do governo, o que obviamente motiva a própria existência da democracia participativa. Mas é muito mais amplo o leque de "influências" e "consequências" reivindicados pelos atores, assim como incrivelmente satisfatória a posição deles em relação à I e à II CNPM, mesmo que não consigam apontar muitas diretrizes de fato implementadas.

Assim, as pesquisas acadêmicas têm-se debruçado sobre a questão da efetividade invocando sua multidimensionalidade, conforme detalhado no capítulo quarto. Fala-se em efetividade deliberativa e efetividade participativa; fala-se em influência sobre a deliberação/representação, influência sobre as políticas públicas e influência sobre o bem- estar social; enfim, demonstra-se a amplitude da discussão e, inclusive, o desenvolvimento de metodologias avaliativas mais avançadas sobre outros efeitos que não o da influência sobre as decisões.

É a influência "indireta" relatada nos documentos e entrevistas de entidades e militantes feministas, de participantes e organizadores das conferências das mulheres. O reconhecimento dos setores sociais organizados em torno da luta por políticas públicas de gênero e a visibilidade que a pauta adquiriu nos últimos anos são as principais consequências apontadas. Mas a multiplicação de organismos executivos de políticas das mulheres nos estados e municípios, o aumento do número de etapas locais e mulheres participantes das conferências, o crescimento do número de mulheres em espaços de poder e gestão, a pressão sobre os outros setores do governo, etc. também são consideradas como resultado das conferências, às vezes com mais destaque que políticas concretas implementadas.

Não é que se despreze a implementação das diretrizes, repita-se, é que parece consolidada a consciência de que fortalecer a pauta e os atores que se mobilizam em torno dela pode ter mais efeitos concretos que a simples satisfação das diretrizes. Por exemplo, embora não seja uma decisão das conferências, constata-se que após a realização delas o orçamento do governo para a política de gênero aumentou significativamente. Quer dizer, a visibilidade da pauta influenciou uma conquista objetiva que não havia sido exigida formalmente. Muitas vezes, membros do governo utilizam as instituições participativas para

fortalecer demandas que disputam a agenda e os recursos dentro da própria gestão, embora isso não esteja explícito nas diretrizes, evidentemente.

Enfim, por todo o exposto ao longo dessa centena de páginas, conclui-se que a experiência participativa em curso no Brasil é significativa social e academicamente, sendo múltiplas as dimensões de suas consequências e os ângulos de observação.

De toda forma, percebe-se que há influências diretas e indiretas oriundas dessas conferências, que diretrizes aprovadas nesse espaço comum de mediação política adquirem visibilidade e maior força social, que logram alimentar um ambiente de pressão que dificilmente pode ser ignorado pelos agentes governamentais.

Faz-se necessário o incentivo a pesquisas voltadas ao tema, em busca de aperfeiçoar essas instituições participativas, fazendo-as mais inclusivas e capazes de influenciar não só as decisões públicas, mas toda vida democrática.

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