• Nenhum resultado encontrado

5. DISCUSSÃO

5.1. Influência do calor na máxima fase estável do lactato

O principal resultado do presente estudo foi a menor MFELc e MFELw no ambiente quente quando comparadas ao ambiente temperado. Este foi o primeiro estudo que investigou a influência da temperatura sobre a MFEL.

Existem algumas hipóteses para tentar explicar a menor MFELc-40. Como pode ser visto na Figura 24, a lactatemia para uma mesma potência em exercício progressivo foi significativamente maior no ambiente quente a partir de 135W. Já em exercício constante com mesma potência (FIGURA 23), apesar de não apresentar diferença significativa entre os dois ambientes, houve uma tendência a maior [Lac] no ambiente quente no minuto 30 de exercício (p<0,09). Desta forma, o critério estabelecido de variação máxima de 1mM durante os vinte minutos finais de exercício é atingido em intensidades mais baixas de exercício no calor, visto que o aumento da lactatemia é mais rápido neste ambiente. Quando a MFELc foi relativizada pela MFELw (mM•W-1) não foi encontrada diferença significativa entre as situações experimentais, o que demonstra que a lactatemia é dependente também da potência.

É bem relatado na literatura que o exercício realizado no calor promove um acúmulo acelerado de lactato muscular e sangüíneo (FINK et al., 1975; YOUNG et

al., 1985, FEBBRAIO et al., 1994a; FEBBRAIO et al., 1994b, HARGREAVES et al.,

1996). Fink et al. (1975) encontraram que a taxa de utilização de glicogênio foi maior durante o exercício realizado no calor (41°C) do que no frio (15°C). Os autores atribuíram este resultado a uma possível hipóxia muscular causada pela redução no fluxo sangüíneo muscular. Young et al. (1985) encontraram maior [Lac] e muscular após exercício realizado no calor (49°C), antes e após um período de aclimatação, quando comparado a um ambiente temperado (21°C). A RER também foi maior no ambiente quente, evidenciando uma maior utilização do metabolismo glicolítico em exercício realizado nesta condição. Além disso, Febbraio et al. (1994a) encontraram maior lactatemia, menor concentração de creatina fosfato e maior utilização de glicogênio muscular após exercício realizado no calor.

A [Lac] reflete o balanço entre a produção muscular, o efluxo para o sangue e a remoção da corrente sangüínea. Rowell et al. (1968) mostraram que a remoção de

lactato sanguineo é reduzida no calor como resultado da diminuição do fluxo sangüíneo esplânico (vasoconstrição compensatória).

A redistribuição do débito cardíaco durante exercício realizado no calor pode promover o aumento no acúmulo de lactato muscular e sangüíneo através de vários mecanismos. Se o aporte de oxigênio para o músculo é comprometido por uma redução no fluxo sangüíneo muscular, resultando em hipóxia tecidual, o requerimento para síntese de ATP por fontes anaeróbias aumenta, desencadeando assim um aumento na formação de lactato (YOUNG et al., 1985). No entanto, Nielsen et al. (1990) e Savard et al. (1988) verificaram que o fluxo sangüíneo para os músculos ativos não diminui em exercício submáximo realizado no calor, sendo compensado por aumento do débito cardíaco. González-Alonso et al. (1998) encontraram redução no fluxo sanguíneo para o músculo ativo quando o exercício realizado no calor era acompanhado de aproximadamente 4% de desidratação. No entanto, no presente estudo, o nível de desidratação na MFEL-40 foi de apenas 1% da massa corporal. Além disso, a extração de oxigênio pelo músculo não é completa em exercícios submáximos, de forma que a diminuição na oferta de oxigênio pode ser compensada por um aumento na extração, ou seja na diferença artério-venosa de oxigênio (HOLLOSZY, 1973). Estes fatos tornam improvável a hipótese da redução do fluxo sangüíneo para o músculo ativo como principal causa para o aumento no acúmulo de lactato no calor.

Por outro lado, a redução do fluxo sangüíneo muscular poderia reduzir a lactatemia através da diminuição do efluxo de lactato do músculo para o sangue. No entanto, é improvável que a magnitude de alguma redução no fluxo sangüíneo para os músculos ativos deva ser suficiente para prejudicar significativamente o efluxo de lactato do músculo (YOUNG et al., 1985). Petrofsky et al. (1981) indicaram que o efluxo de lactato do músculo ativo não é prejudicado até que o fluxo sangüíneo muscular seja reduzido a valores próximo dos níveis de repouso.

Como a redução do fluxo sangüíneo para o músculo ativo não deva ser a causa do aumento no acúmulo de lactato sangüíneo em exercício realizado no calor, outros mecanismos que podem explicar este resultado também devem ser considerados. Young et al. (1985) verificaram que a utilização de glicogênio muscular foi maior nas fibras de contração rápida em exercício realizado no calor. Os autores propõem que o exercício no calor possa ser acompanhado por uma alteração no padrão de recrutamento neuromuscular, favorecendo uma maior

utilização de fibras de contração rápida do que de fibras contração lenta. Entretanto, Febbraio et al. (1994b) não encontraram correlação significativa (r=0,06) entre o percentual de fibras de contração rápida e a concentração de lactato muscular pós- exercício realizado no calor. Os autores, apesar de acharem que a análise histoquímica das fibras musculares não seja o melhor método de medida do padrão recrutamento motor, encontraram maior glicogenólise nas fibras de contração lenta, contradizendo os resultados de Young et al. (1985).

Outro possível mecanismo pelo qual o acúmulo de lactato durante o exercício possa estar aumentando no calor é que a elevação na temperatura muscular promove o efeito Q10 na glicólise. Os altos níveis de NADH podem favorecer o aumento na conversão de piruvato a lactato via lactato desidrogenase (YOUNG et

al., 1985).

Febbraio et al. (1994b) e Dolny et al. (1988) encontraram maiores concentrações sangüíneas de adrenalina em exercício realizado em ambiente quente. Durante o exercício, a concentração elevada de adrenalina pode aumentar a taxa glicogenolítica estimulando a conversão da fosforilase, enzima chave da regulação da glicogenólise, da forma menos ativa para mais ativa (RIETCHER, 1984; SPRIET et al., 1988). A interação adrenalina-receptor -adrenérgico aumenta a atividade da adenilato ciclase, provocando um aumento na concentração de AMP cíclico e ativação de proteína cinase, que por sua vez media a transformação da fosforilase cinase b para a e por último a conversão da fosforilase b para a (SPRIET

et al., 1988). Stainsby et al. (1984), Jansson et al. (1986) e Spriet et al. (1988)

verificaram um aumento na glicogenólise após infusão de adrenalina. Mazzeo e Marshall (1989) verificaram um comportamento semelhante entre a resposta da adrenalina plasmática e da lactatemia em exercício progressivo realizado em esteira e cicloergômetro. Estes autores sugerem a existência de uma relação causal entre o aumento da adrenalina e da lactatemia e propõem a identificação do “LA” através da concentração plasmática de adrenalina. Febbraio et al. (1994b) atribuem à maior concentração de adrenalina como a principal causa do aumento no acúmulo de lactato em exercício realizado em ambiente quente.

Moquin e Mazzeo (2000) encontraram aumento na concentração plasmática de adrenalina e lactato em intensidades submáximas de exercício progressivo em indivíduos com 2,6% de desidratação. Os autores encontraram alta correlação entre a lactatemia e a concentração plasmática de adrenalina (r=0,95, hidratado; r=0,97,

desidratado) e cominaram a redução no “LL” dos indivíduos desidratados ao aumento na concentração plasmática de adrenalina. O nível de desidratação no calor (1%) encontrado no presente estudo, somado ao estresse térmico do ambiente, faz deduzir que a concentração de adrenalina deva estar elevada, fortalecendo assim, a hipótese adrenérgica como causa do aumento no acúmulo da lactatemia no calor.

No entanto, outros autores não têm encontrado diferenças significativas na lactatemia após exercício realizado no calor (SAVARD et al., 1988; MARINO et al., 2001; NIELSEN et al., 1990; YASPELKIS et al., 1993). Convém ressaltar que as diferenças nos métodos utilizados por estes autores podem explicar a contradição nos resultados. Savard et al. (1988) e Nielsen et al. (1990) estudaram indivíduos que realizaram exercício no calor imediatamente após se exercitarem em ambiente frio, o que pode ter resultado na alteração na lactatemia inicial, assim como na concentração de glicogênio muscular. Já no estudo de Yaspelkis et al. (1993) a temperatura ambiente foi 33°C, enquanto que os estudos que encontraram diferenças na concentração de lactato muscular e sangüíneo a temperatura ambiente foi ~40°C.

Documentos relacionados