• Nenhum resultado encontrado

O convívio com violinistas, ao longo de todo o seu percurso, foi permanente, e isso, poderá ter influenciado Fernando Lopes-Graça a escrever para violino. A quantidade de obras destinadas ao violino deve-se, essencialmente, ao contacto e amizade que Fernando Lopes-Graça estabeleceu com alguns violinistas.

As obras para violino e piano são quase todas dedicadas exclusivamente a violinistas; relativamente a duas delas, o dedicatário é no entanto desconhecido [Trois pièces e Quatro

miniaturas]. São vários os motivos que o levaram a dedicar essas obras a esses tantos violinistas:

48 Existem muito poucos dados disponiveis sobre este violinista.

49 Ver programas da “Sonata” (Volume I: 28/12/1942 – 6/1/1948 e Volume II: 6/2/1948 – 6/5/1960), pertencentes à

AAM.

50 Ver programas da “Sonata” (Volume I: 28/12/1942 – 6/1/1948 e Volume II: 6/2/1948 – 6/5/1960), pertencentes à

AAM.

gratidão, amizade, admiração pelo músico intérprete e o sentido de oportunidade de a obra vir a ser tocada por um grande mestre violinista [no caso de Tibor Varga].

Numa fase inicial (anos 1930), Fernando Lopes-Graça terá mostrado interesse em escrever para esta formação [violino e piano], mediante a forte convivência com os irmãos Mota Lima, em Tomar. Salienta-se a influência que há-de ter exercido sobre ele o irmão violinista Augusto da Mota Lima. A obra Pequeno tríptico foi escrita para Augusto da Mota Lima a pedido do seu irmão Aquiles da Mota Lima, para ser tocada no concerto das Comemorações do Infante D. Henrique e da Fundação de Tomar. Fernando Lopes-Graça terá escrito essa peça com reduzidas dificuldades técnicas para o violino, pois Aquiles da Mota Lima pediu-lhe que compusesse uma obra “não muito transcendente” porque o seu irmão Augusto da Mota Lima se encontrava doente nessa altura52.

No que diz respeito à influência na escrita/construção das obras em estudo, especula-se que não houve contacto directo entre o compositor e o intérprete violinista na sua génese, ou seja, as obras não foram experienciadas tecnicamente pelo músico durante a sua composição. Segundo a opinião de alguns entrevistados (violinistas), nomeadamente Evandra de Brito Gonçalves e Luís Pacheco Cunha, a ligação entre compositor-intérprete não terá influenciado, na maioria dos casos, a construção da obra em si, intervindo excepcionalmente em alguns casos pontuais, mas já depois da obra estar terminada53.

Vasco Barbosa e Blaise Calame foram dos poucos violinistas que se atreveram a pedir a Lopes-Graça que, nas suas peças, alterasse algumas notas ou as distribuísse de outra forma. Chegaram mesmo a trocar algumas impressões com o compositor, das quais resultou uma praticabilidade acrescida das obras.

Blaise Calame escreveu uma carta a Fernando Lopes-Graça a 15 de Setembro de 1960 a pedir que alterasse a distribuição dos acordes difíceis de executar no violino:

“[...] Il n'y a pas de difficulté violonistique insurmontable dans vos trois pièces, rassurez-vous, tout au plus dans le “dithyrambe” 1ère ligne page 8. Je vous signale que ces accords ne sont pas très pratiques à faire sonner:

Ex. I: Excerto do último andamento – Ditirambo, da peça para violino e piano de FLG – Pequeno tríptico.

à cause des notes extrêmes sol et la qui tombent sous le même doigt. Peut-être pourriez-vous garder les mêmes notes dans une autre disposition? Sinon on sera obbligé d’arpéger l’accord pour que cela sonne bien. Je me réjouis de jouer cela avec vous, et de le jouer à gauche à droite [...]”54.

52 Ver nota de rodapé n.º 13.

53 Ver excertos das entrevistas grupo Doppio Ensemble e ao violinista Luís Pacheco Cunha [anexos].

Vasco Barbosa pediu a Fernando Lopes-Graça se poderia omitir algumas notas na peça

Prelúdio, Capricho e Galope, nomeadamente no 3º andamento – Galope:

“[...] Todas as obras têm as suas dificuldades técnicas. Mas houve uma obra dele que na minha opinião tinha notas a mais, eu pedi para ele tirar e ele tirou. Refiro-me ao Galope. Esta obra tem notas a mais, cordas dobradas a mais. E eu disse: Eu sou capaz de tocar isto, mas fica tudo mais arranhado [...]”55.

A maioria dos músicos partilha da opinião de que a música de Lopes-Graça é difícil e muitos até se recusam a tocá-la. Em relação à escrita para violino, sabe-se que Fernando Lopes- Graça compunha ao piano, sendo ele próprio, por formação, pianista, e talvez por isso o grau de dificuldade técnica para o violino seja acrescido.

Segundo os violinistas Luís Pacheco Cunha, Evandra de Brito Gonçalves e Bruno Monteiro, Lopes-Graça não se preocupava muito com as dificuldades dos violinistas relacionadas com o tipo de escrita implícito nas suas peças, mas sim com as sonoridades e tipos de ambiência que poderia obter. No entanto, apesar dos desafios técnicos que exigem da parte do intérprete muito estudo e “uma mestria fantástica”56, estas obras oferecem ao executante uma certa liberdade de interpretação, tornando-se estimulantes em termos de descoberta. Passo a citar algumas palavras dos violinistas entrevistados, que corroboram esta opinião:

“[...] Violinisticamente, fico muitas vezes com dúvidas, e é engraçado que nós andamos a tocar o programa do Lopes-Graça há anos e ainda surgem dúvidas; olho para aquilo de outra maneira; passo seis meses sem tocar a obra e ainda surgem dúvidas de arcadas, dedilhações e articulações. O que acaba por ser interessante; nunca é a mesma coisa [...]”57.

“[...] Lopes-Graça é um compositor que escrevia para músicos e não simplesmente para instrumentistas. [...] a escrita dele, no que diz respeito à técnica, é uma escrita que não é nada violinística. Não “cai nos dedos”. Portanto, ele não queria saber se a pessoa... Ele importava-se mais com a música do que com a parte técnica [...]”58.

“[...] Muitos compositores de grande referência trabalharam com violinistas; eu acho que com o Graça isso nunca aconteceu. Eu não sei qual foi o tipo de relação que ele teve com o Blaise Calame, que é um dedicatário; mas dá-me a sensação que ele nunca trabalhou intimamente com violinistas [...]”59.

“[...] Em relação ao violino, o que noto e aquilo que encontrei de dificuldades são deste nível, ou seja, às vezes tem que se procurar muito; e procurar dedilhações pouco convencionais; tudo para resolver problemas do tipo, por exemplo, sucessões de quintas, acordes com duas quintas,etc [...]”60.

Documentos relacionados