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INFLUÊNCIAS DA AVALIAÇÃO INDIVIDUAL DE DESEMPENHO

Outro importante aspecto que está diretamente relacionado ao controle interno da atividade policial, mas ainda é pouco discutido pela maioria dos pesquisadores em todos os países com tradição de pesquisa sobre polícia, é quanto à influência da avaliação do desempenho policial individual no controle interno das corporações. De acordo com Reiner (2002), a avaliação de desempenho policial enfrenta problemas fundamentais e interligados, como sugere a literatura de pesquisa anglo-ameriacana, como os percalços do trabalho policial de rotina, dispersos e discricionários, e a baixa visibilidade do policiamento cotidiano, que não é claramente definido.

Levando em consideração tais dificuldades, as avaliações de qualidade, nas conclusões de Reiner (2002), deveriam basear-se em avaliações do processo, na maneira como um confronto é tratado, mais do que em seu produto ou resultado. Nos termos desse pesquisador, policiar a polícia e o próprio policiamento é mais um exercício de poder do que de razões objetivas, visto que a maior parte do trabalho policial é de caráter político, o que torna o critério de avaliação um conceito contestado.

Com base nesses questionamentos e no intuito de averiguar se as avaliações individuais de desempenho utilizadas pela PF estão cumprindo com sua função de tornar mais eficiente o trabalho policial e diminuir as ocorrências de má conduta policial, perguntou-se aos policiais federais como analisam esse método de averiguação de produtividade individual implementado pela instituição, sendo que tal método é amplamente criticado.

Dentre as críticas mais apontadas pelos policiais entrevistados, pertencentes a todos os cargos da carreira policial, temos os critérios genéricos do formulário de avaliação, os

quais, inclusive, se configuram em infração disciplinar; a falta de espaço para justificativas mais fundamentadas dos critérios apresentados de avaliação e as relações de amizade ou inimizade entre o avaliado e o avaliador, fatores que comprometem a imparcialidade das análises. Dentre as vozes entrevistadas que apresentaram as circunstâncias acima descritas, podemos destacar:

A falha está no modelo do questionário, ele é muito ruim [...]. Você não podia diminuir a nota porque muitos daqueles critérios são infrações disciplinares. Eu vejo chefias tirando ponto do cara e não instaurou sindicância. Se ele não instaurou procedimento disciplinar, não tem como tirar ponto. [...]. Aquilo não mede muita coisa, talvez meça para tirar as aberrações. E aí os chefes também não têm coragem de tirar.91 (Grifos nossos).

Acho que, infelizmente, algum sistema tem que haver, nunca vi um bom ou perfeito, sempre vai haver falhas, por que nem sempre a pessoa que vai avaliar vai fazer uma avaliação correta, não vai ser totalmente isenta por questão de amizade, de desavença. E a pessoa mal avaliada, mesmo sabendo que falhou, não aceita a avaliação. Acho que não tem como agradar todo mundo, não tem um método totalmente bom ou totalmente ruim.92 (Grifos nossos).

Com relação à ausência de imparcialidade dessas avaliações de desempenho que são aferidas, em algumas oportunidades, de acordo com as relações pessoais estabelecidas entre avaliados e avaliadores, alguns entrevistados revelam que, em muitas ocasiões, essas avaliações são utilizadas como forma de punição e perseguição dos servidores, sendo, a partir daí, apresentada uma outra subcultura:

Não. Pra mim não faz efeito nenhum. Aquilo só serve para uma coisa: quando você quer punir alguém ou perseguir alguém, tem um instrumento a mais. Mas servir para melhorar, não, zero. Até porque o relacionamento que você tem com o servidor não é tão próximo. Por exemplo, em uma delegacia como Altamira, lá tinha trinta pessoas, não tem como você saber se o cara chegou, se é pontual, não tem como tomar conta, ninguém é babá.93 (Grifos nossos).

Acho positivo, pois motiva o servidor. Melhora o relacionamento com seu colega de delegacia. Acho válida essa avaliação interna, até para que o colega saiba que aquilo será um fator de decisão para ele progredir na carreira. Só acho o seguinte: a gente percebe que alguns servidores que comandam as delegacias pegam um servidor que não tem um bom relacionamento, e por não ter esse fator de aproximação, esse servidor é penalizado. Fazemos recurso para mudarmos isso.94 (Grifos

nossos).

91

Delegado(a) de Polícia Federal, 1ª Classe, 07 anos de atividade policial no DPF, acusado(a) em PAD.

92

Papiloscopista de Polícia Federal, 1ª Classe, 08 anos de atividade policial no DPF, não respondeu a PAD.

93

Delegado(a) de Polícia Federal, 1ª classe, 09 anos de atividade policial no DPF, não respondeu a PAD.

94

Outra crítica unânime apresentada pelos policiais entrevistados foi a existência da subcultura, dentro do DPF, de deferir pontuações máximas a todos os policiais federais avaliados, não havendo uma verdadeira avaliação individual de desempenho do policial. Eis que “todo mundo ganha 100% nas notas. Todo mundo é bom mesmo? Basta qualquer pessoa olhar [as avaliações individuais de desempenho] no nosso boletim de serviço, que é público”95. Outro policial entrevistado afirmou que concorda com as avaliações de

desempenho, apesar de acreditar que não funcionam de fato: “acho que ela [a avaliação de desempenho] não é efetiva, pelo menos aqui. Acho que todo mundo tira a nota máxima sem levar em conta o merecimento. É apenas uma formalidade”96.

O único policial que afirmou não conhecer a fundo as avaliações, só citando as informações captadas por outros colegas, foi um agente de Polícia Federal, posicionado na classe especial e com mais de trinta anos de atividade policial, o qual alegou desconhecer tais critérios de avaliação individual de desempenho porque há muito tempo não era submetido a elas, que só existem até o policial atingir a classe especial na carreira, que, no período da presente pesquisa, ocorria com dez anos de efetiva atividade policial. Assim, o referido servidor entrevistado, há mais de vinte anos não era submetido a nenhuma avaliação individual de desempenho e, por esse motivo, apenas testificou: “Não conheço a fundo, mas ouço conversas de que são feitas pelas chefias e muitas vezes não chegam a agradar a todos”97.

Ao se indagar aos policiais entrevistados como essas avaliações individuais de desempenho poderiam ser aprimoradas, no intuito de trazer maior eficiência na atividade policial da SR/DPF/PA e sua Corregedoria Regional, para promover a diminuição dos casos de má conduta policial, um policial sugeriu que “um sistema melhor seria por metas, matematicamente não tem como contestar, mas uma avaliação subjetiva é fácil contestar.”98, e

outro destacou a iniciativa do servidor, conforme relato abaixo transcrito:

Eu acho que a avaliação tinha que ser pela proatividade do servidor, que conta muito mais para o nosso serviço do que se o servidor está vindo todo dia. Pontualidade, assiduidade, se conversa, se corrige. Uma vez, com um colega, ele falou ‘chefe, quando tiver aquela missão, me avisa’, e eu perguntei: que missão? E ele falou ‘aquela pro inferno, que eu vou junto’. Que dizer, esse era um cara que eu podia contar, eu sabia que qualquer situação que tivesse, eu podia contar com ele,

95

Escrivão(ã) de Polícia Federal, 1ª classe, 07 anos de atividade policial, não respondeu a PAD.

96

Perito criminal federal, 1ª classe, 07 anos de atividade policial no DPF, punido(a) em PAD.

97 Agente de Polícia Federal, classe especial, 33 anos de atividade policial, não respondeu a PAD. 98

então isso é que é interessante na nossa atividade policial, você saber que tem um cara que pode contar para tudo que for necessário ao trabalho.99 (Grifos nossos).

O Corregedor Regional entrevistado, ao ser questionado sobre essas avaliações, também ponderou as limitações e a efetividade somente para avaliar aqueles policiais que se mostram muito ruins, todavia ressaltou que, apesar de elas partirem de 100% e haver a cultura de avaliações máximas para evitar aborrecimentos com os avaliados (que ficam indignados quando há um desconto na pontuação), elas tinham a força de gerar reflexos na atuação do servidor, podendo até mesmo ser utilizadas como forma de incentivar o policial a corrigir suas deficiências, sob pena de ser um dos poucos policiais do Brasil a ter nota menor que o máximo.

[...] elas são para atingir quem se mostra muito ruim, na realidade, aí sim, mas no geral nós temos partido do 100% e, na medida que o servidor vai trabalhando, vai mostrando seu serviço, a gente tira se realmente mostrar que não tem condições, mas eu digo que elas não se prestam para uma avaliação perfeita, vamos dizer assim [...] Eu vou explicar até pelo tempo que eu tenho de serviço, essa questão do por que se procura dar todos os pontos, os 140. Uma boa parte é para não arrumar incomodação, porque realmente quando se tira ponto, a irresignação é grande, o servidor fica em estado de choque, então a gente procura com aquilo ali [avaliação], muitas vezes, chamar o servidor, e dizer, olha eu vou te dar estes pontos aqui, não vou te tirar, mas tu tens que melhorar, ou seja, dá os 140, dizendo que não é 140. Isso ocorre, eu já tive que fazer dessa forma, dizer que na realidade não seria tudo isso, mas vamos melhorar isso aqui. É aquela questão de tentar resgatar o servidor na pessoalidade. Quando se tira, o servidor fica nervoso, se sente injustiçado, então aquela avaliação influencia. Então efetivamente tem essa cultura de dar os 140, porque tirar ponto, no outro dia, o servidor está na porta do chefe querendo explicações do por que tirou ponto, e recorre, e, muitas vezes, vai até para tirar um laudo psicológico, e eu não estou exagerando, mas realmente é o que ocorre [...], é a cultura de evitar aborrecimentos. É interessante para chamar o servidor e perguntar se ele quer que tire ponto agora ou ele vai melhorar, essa seria uma melhor forma, na prática.100 (Grifos nossos).

Um caso muito interessante, apontado por um dos entrevistados, que também foi lotado na Delegacia de Polícia Federal de Santarém-PA, foi a estratégia utilizada pela então gestora da unidade para avaliar de forma individual os policiais federais daquela delegacia, sem adentrar nas subculturas de pontuações máximas, sendo mais justa e estimulando os servidor à autorreflexão:

Teve um ano que a chefa de Santarém fez algo muito interessante: ela pediu para cada um se avaliar, aí ela alterou muito pouco das autoavaliações. Se por um lado eu achei fantástico, por outro, quando publicou, a delegacia de Santarém foi a única, em todo o Brasil, que não teve as notas máximas. Aí eu acho que serve para a pessoa

99

Delegado(a) de Polícia Federal, 1ª classe, 09 anos de atividade policial no DPF, não respondeu a PAD.

100

pensar: será que eu estou trabalhando direito? Nesse ano, eu pensei: nossa, estou deixando a desejar.101

A iniciativa da gestora demonstrou que mesmo com as limitações formais do formulário de avaliação, as quais foram citadas pelos diversos entrevistados, é possível a realização de avaliações de desempenho na PF de forma mais verdadeira, se houver um efetivo comprometimento e imparcialidade por parte dos avaliadores, que são fundamentais para modificar essa subcultura de avaliações fictícias máximas, as quais não correspondem à realidade.

Todavia, conforme bem destacou um entrevistado, na Polícia Federal, assim como em diversas outras instituições policiais e públicas, há uma grande dificuldade em implantar inovações, em alterar as fórmulas já adotadas, conforme ponderado pelo policial:

Tem muita coisa que merece ser repensada dentro da polícia, mas poucas pessoas querem mexer no que já tá sendo feito há muito tempo. No nosso setor, temos ideias, sugestões, a gente liga pra Brasília, mas não querem mexer no que já se faz há muito tempo. Ninguém quer ter dor de cabeça. Com o tempo, você bate, reclama, mas fica cansado, e olha que só tenho oito anos [de atividade policial].102

(Grifos nossos).

Segundo Reiner (2004), a atividade policial, como exemplo de instituição pública, também costuma investir em ideias “seguras”, em uma burocracia clássica, em que, na visão de Bretas (1997), há uma enorme dificuldade de se pensar alternativas, já que a ideia genérica de polícia continua e a regra geral tem sido “mais do mesmo”, com resistência a inovações, o que também ficou evidente na Corregedoria do Pará, considerando-se a fala do entrevistado.