• Nenhum resultado encontrado

O ingresso no estudo

No documento FRANCISCO ANTONIO MACHADO ARAUJO (páginas 196-200)

MOTIVAÇÕES DO PROFESSOR DO ENSINO SUPERIOR PARA O ESTUDO NA PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO:

SEÇÃO 6: MOTIVAÇÕES DO PROFESSOR DO ENSINO SUPERIOR PARA O ESTUDO NA PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: gênese da situação social de ESTUDO NA PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: gênese da situação social de

6.3 O ingresso no estudo

Conforme apreendemos, o movimento de constituição dos professores foi produzido pela superação das contradições que se desabrochavam ao longo da história de cada um deles, em particular, do ingresso na docência. Vimos também que essa superação se deu pelas vivências desses professores em seus processos formativos e profissionais. Essa é uma luta contínua, conforme explica Netto (2011, p. 333):

O movimento do ser não é um movimento qualquer: é na verdade um automovimento, ou seja, um movimento que tem a sua força motriz, a sua dinâmica, no próprio ser. E, além de não ser movimento qualquer, é um movimento que tem seu dinamismo fundado na contradição.

A superação de uma contradição não cessou o movimento constitutivo dos professores; preparou as condições determinantes para o surgimento de novas necessidades e, com elas, nova luta de contrários. Nesse contexto, o ingresso dos professores no estudo realizado na Pós-graduação em Educação foi mediado por uma nova luta de contrários. Foi a particularidade dessa luta que apresentamos, e nela, o momento da síntese analítica que evidenciou essas necessidades e o movimento que nos possibilitou apreender os sentidos do estudo para cada professor.

De antemão, recorremos a Afanasiev (1985, p. 151) para esclarecer que “(...) cada nova necessidade não surge de forma pronta e acabada, mas existe inicialmente apenas como possibilidade, que se transforma em realidade somente quando existem as condições favoráveis”. Para que essas condições favoráveis se materializem, faz-se necessário os meios determinantes. Seguindo esse raciocínio, o estudo na Pós-graduação em Educação foi um meio determinante para que os professores pudessem satisfazer suas necessidades naquele momento investigado.

Do que apreendemos, o estudo na Pós-graduação em Educação foi significado pelos professores como meio para satisfação de suas necessidades formativas à docência no ensino

superior. No aspecto singular, essas necessidades também estavam relacionadas às particularidades históricas de cada professor que agora eram parte da nova necessidade:

Então, assim, nesse momento, eu disse: “eu preciso fazer um aprofundamento, eu preciso fazer um doutorado, mas um doutorado tendo como objeto uma problemática (que sai da) educação básica. Então eu tive que fazer... me organizar, me reorganizar toda minha vida, eu pedi demissão de uma faculdade que eu ensinava à época, particular; eu estava aqui em estágio probatório na universidade. Então eu tive que fazer acordos e acordos aqui pra sair pro doutorado. Então, eu deixei tudo e fui fazer meu doutorado fora, dentro de um programa de Pós-graduação que estudava currículo e que me interessava a área que eu ia estudar (ORPHEU, Sessão de confrontação e síntese).

Nesse TNS significado por Orpheu, foi evidenciada a tomada de consciência do professor sobre suas necessidades para com o estudo. Essa tomada de consciência não apenas foi determinante para que o professor refletisse sobre essas necessidades, mas também identificasse as condições determinantes para sua satisfação. O estudo foi significado como um meio para que essas condições determinantes se materializassem.

Nas significações de Calíope, seu ingresso no estudo foi motivado por necessidade relativa à docência no ensino superior. Para a professora, os sentidos do estudo estavam relacionados às suas motivações para se desenvolver como professora do ensino superior. A luta de contrários, estabelecida pela necessidade da professora, foi representada pela realidade da professora alfabetizadora da educação básica e pela possibilidade da professora do ensino superior:

Até então estava muito focada mesmo com essa questão de ser professora na educação básica, sou professora alfabetizadora, então eu sempre trabalhei mais com esse público, de crianças, professora de crianças. Então comecei a pensar sobre essa questão de ser professora do ensino superior e pra isso também pensava na minha profissionalização no âmbito do mestrado, do doutorado. Então em 2007... (aliás), 2006 eu fiz a seleção do mestrado e passei. Coincidiu também 2006 eu fazer o primeiro concurso pra universidade, aqui fiz na minha cidade, só que eu fiquei em segundo lugar (CALÍOPE, Entrevista memorial).

O projetar-se no futuro a partir de dada realidade, foi, na verdade, a representação na consciência da professora, da luta de contrários. Essa compreensão é, segundo Politzer (1970, p. 71), “(...) toda realidade é movimento, já o vimos. Não há movimento que não seja consequência de sua contradição, de uma luta de contrários”. Assim, em seu movimento constitutivo, a professora é ela própria como realidade e outra coisa como possibilidade. Se não houvesse contradições não haveria transformações. Seríamos eternas cópias de nós mesmos!

Como as transformações acontecem e são consequências da luta de contrários, sobretudo da superação das contradições internas ao desenvolvimento, explicamos que, antes, as necessidades formativas de Calíope estavam relacionadas ao seu desenvolvimento enquanto professora da educação básica. Com as experiências sendo Coordenadora de Pós-graduação em universidade privada, suas motivações com a docência, se transformaram e novas necessidade formativas se originaram dessa transformação. Em Leontiev (1978), a nova necessidade é consequência da transformação sobre os sentidos da atividade que o indivíduo desenvolve. A necessidade formativa que se originou desse processo foi desenvolver-se como pesquisadora e professora do ensino superior fazendo o estudo na Pós-graduação em Educação.

As vivências da professora na educação básica e as suas relações afetivas com a área de alfabetização e letramento também foram orientadoras do conteúdo das ações desenvolvidas durante o estudo. Calíope também significava o estudo como processo formativo que lhe possibilitaria desenvolver-se como pesquisadora e formadora de professores alfabetizadores:

Então, na primeira seleção eu fui aprovada e o meu projeto de pesquisa ele versava sobre a questão da alfabetização. [...] E no ano seguinte, em 2010, antes de completar um ano ali que eu tinha saído do mestrado, eu fui aprovada no doutorado. Então eu fiz a seleção pro doutorado em Educação e fui estudar avaliação na interface com a alfabetização (CALÍOPE, Entrevista memorial).

No movimento de luta de contrários, fica que claro que, também para Morpheu, o estudo na Pós-graduação em Educação significava um meio de desenvolver-se como pesquisador. Recordemos do menino curioso do passado e vamos identificar a relação afetiva dessa necessidade com a história pessoal do professor. Entretanto, como sabemos, o sentido dessa necessidade não se estabeleceu naquela época, sob a maneira de pensar, sentir e agir daquele menino curioso. Mas sobre uma nova base, mais desenvolvida e complexa, representada pelo professor do ensino superior, que via o estudo como possibilidade de compreensão dos seus questionamentos feitos à realidade educacional e a produção de conhecimentos que pudessem contribuir com à educação básica e o ensino superior:

Então a curiosidade minha sempre foi uma coisa muito aguçada, sempre foi muito aguçada. E enquanto aluno da educação básica... enquanto estudante da educação básica eu continuei com essa curiosidade. E assim, toda a minha vida de estudante foi eu sendo muito curioso, eu era um aluno que perguntava muito, que questionava muito, era um aluno que pegava no pé do professor. Pegava no pé por quê? Porque eu questionava, eu duvidava, às vezes chegava ao ponto de o professor fazer algumas afirmações e eu discordar porque eu já tinha lido mais do que ele sobre um determinado assunto e eu chegava a discordar, eu questionava se aquilo era verdade ou não, sei lá. Então, isso foi criando em mim, foi fazendo desenvolver em mim o

pesquisador, né? O pesquisador. E a escolha pela Pós-graduação, ela não veio à toa, né? Enquanto professor, imagina aí, eu tinha um campo muito vasto pra mim, porque um professor que estava na educação básica e um professor que estava no ensino superior. Eu tinha dois mundos, dois mundos... eu vivia em dois mundos ao mesmo tempo, e isso favorecia também os questionamentos. Favorecia as curiosidades, favorecia as dúvidas, favorecia tudo isso. Então isso fez com que eu fosse... com que eu ingressasse na Pós-graduação, na pesquisa (MORPHEU, Entrevista memorial).

Nas significações desse professor, as vivências na educação básica e no ensino superior contribuíram para que sua relação com o estudo fosse constituída sob a orientação de uma necessidade relacionada à formação do professor e do pesquisador: fazer a Pós-graduação em Educação.

Os sentidos do estudo para Orpheu se relacionaram às suas preocupações com a qualidade da educação básica do seu município. Como ex-aluno da escola pública, professor formador e professor do ensino superior, ele significava que tinha compromissos com a qualidade da educação básica. Para ele, o ensino superior deveria ter compromisso com a educação básica, e o estudo na Pós-graduação em Educação era um processo formativo que lhe possibilitaria contribuir com a formação dos professores da educação básica do seu município:

Como o meu foco e como a minha inserção na Pós-graduação ela foi motivada por uma causa bem concreta, que foi exatamente sempre na perspectiva de melhorar o trabalho pedagógico, elevar a qualidade do trabalho pedagógico desenvolvido na educação básica (ORPHEU, Entrevista memorial).

Um dos primeiros resultados dessa motivação do professor Orpheu com o estudo que era melhorar a qualidade da educação básica foi a criação de um núcleo de formação de professores alfabetizadores logo após a conclusão do mestrado. Mas, ao vivenciar processo de formação no estudo realizado na Pós-graduação em Educação, Orpheu identificou desafios em relação ao currículo da educação básica do seu município, o que se transformou em nova motivação para ingressar novamente no estudo, agora no curso de doutorado. Nele, o objetivo do estudo foi produzir investigação que pudesse lhe dar condições de contribuir com o desenvolvimento da formação dos professores e das questões referente ao currículo da educação básica:

Ao criar esse núcleo de formação de professores, nós criamos, sistematicamente, um programa de formação de professores alfabetizadores e, à medida que nós fomos trabalhando, compartilhando esse processo, outros problemas foram surgindo. E aí eu me defrontei com uma problemática muito maior que eu não tinha a dimensão do que era... do que ela representava e do que era significativa, que era exatamente a questão do currículo! O currículo fragmentado, o currículo desarticulado na

educação básica. Então, nesse sentido, ali eu comecei a me dar conta de que a problemática da educação básica no município era muito maior. E aí foram surgindo diferentes problemas e, a partir dali, outra questão foi emergindo que foi: compreender esse processo curricular, que... em torno do qual toda escola se organiza e em torno do qual os professores não davam conta. Então, eu passei dois anos, e à medida que eu fui aprofundando formação de professores, eu fui me dando conta dessa questão do currículo. Então ali vai surgindo, de fato, a necessidade de voltar para a formação, eu diria, mais qualificada ainda a nível de doutorado, para compreender, aprofundar...de forma aprofundada essas questões que até então agora não foram resolvidas ainda no município, nós continuamos discutindo essa questão do currículo (ORPHEU, Sessão de confrontação e síntese).

As fontes das motivações do estudo para Orpheu revelaram suas primeiras necessidades e, assim, o ingresso no estudo. No TNS seguinte, o professor Orpheu nos auxilia na compreensão de que suas vivências na formação inicial, e sendo professor na educação básica e no ensino superior, foram mediadoras de seu ingresso no estudo. No entanto, o aspecto mais importante dessa narrativa é a compreensão do professor sobre o seu movimento constitutivo. Isto é, a tomada de consciência184 em relação ao seu desenvolvimento e ao surgimento de novas necessidades nesse processo:

Á medida que você vai estudando, à medida que você vai entrando em contato com a literatura científica, que te dá possibilidade de compreender o que é ser um professor no âmbito inicial e que você, ali naquele momento, você vai demarcando, por exemplo, possibilidades de um dia você voltar, e depois quando você se insere na educação básica e você, de fato, vai identificando lacunas, você vai se deparando com experiências significativas que vai observando a partir de lá, seja da tua atuação, seja da atuação dos pares, lacunas que a formação inicial deixou, esse movimento, como eu havia dito, ele foi fundamental pra que a gente pudesse repensar o que é ser um professor do ensino superior. E hoje eu te digo, feito esse percurso da formação inicial, depois a inserção na educação básica, a partir de lá o surgimento de situações que me fez... que me motivou para ir para o mestrado, na sequência ir para o doutorado, e depois, claro, nesse intervalo entre mestrado e doutorado consegui entrar aqui na universidade, e feito essa experiência aqui na universidade, eu poderia te dizer assim que esse movimento, ele foi um movimento, eu diria assim, dialético, porque foi um contato significativo entre formação inicial, inserção na educação básica, da inserção da educação básica volta para o aprofundamento no mestrado das lacunas, das dificuldades que a própria educação básica foi... que na educação básica foi surgindo. Depois o encaminhamento para um doutorado que também teve como motivo principal as situações da educação básica, toda a realidade da educação básica, que é uma realidade perene que a gente lida hoje (ORPHEU, Sessão de confrontação e síntese).

No documento FRANCISCO ANTONIO MACHADO ARAUJO (páginas 196-200)