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Inibição e toxicidade à digestão anaeróbia

Capítulo 2 – Tratamento de chorume

2.5 Remoção biológica de nitrogênio

2.6.2 Inibição e toxicidade à digestão anaeróbia

Uma gama enorme de substâncias de natureza orgânica e inorgânica podem ser fatores de inibição e toxicidade aos microrganismos anaeróbios (McCARTY, 1964).

No item 2.1 deste capítulo, destacou-se a enorme diversidade de substâncias e compostos que comumente são encontradas no chorume. Muitas delas são extremamente tóxicas aos microrganismos anaeróbios como a amônia, os metais alcalinos e terrosos, os metais pesados, fenóis, HPAs e BTEX.

Deve-se destacar primeiramente que o termo “tóxico” é bastante relativo, dependendo diretamente da concentração da substância envolvida que pode passar de níveis estimulatórios para inibitórios, chegando até níveis propriamente de toxicidade aos microrganismos com o aumento da sua concentração no meio líquido (em solução).

Os microrganismos possuem uma grande habilidade de se adaptar a uma grande extensão de concentrações de várias substâncias inibitórias, mas a extensão desta adaptação é relativa (McCARTY, 1964).

Na literatura sobre a digestão anaeróbia, verifica-se muitas variações de níveis reportados de inibição e toxicidade para muitas substâncias.

Che et al. (2008) destacam que esta variabilidade está ligada à complexidade dos processos anaeróbios envolvendo antagonismo, sinergismo, aclimatação e complexação que afetam significativamente o fenômeno da inibição. McCarty (1964) destaca alguns métodos que podem ser utilizados para o controle da inibição por materiais tóxicos, tais como:

 Remoção prévia do material tóxico do efluente  Diluição até o limite de toxicidade

 Formação de complexos insolúveis ou precipitação  Utilização de antagonizantes ao material tóxico

Segundo esse autor, dentre os métodos apresentados, a diluição no limite da toxicidade é a mais óbvia dentre as soluções para a redução do efeito da toxicidade, entretanto, nem sempre é de fácil aplicação.

Neste item são destacados apenas alguns agentes que mais comumente afetam os sistemas anaeróbios em termos de toxicidade aos microrganismos, como os metais alcalinos e alcalinos terrosos, a amônia e os metais pesados.

As concentrações de metais alcalinos e alcalinos terrosos em especial sódio, potássio, cálcio e magnésio podem ser bastante elevadas em efluentes industriais (geralmente baixas em esgoto sanitário), podendo ser uma das causas de ineficiência e mesmo falência de sistemas anaeróbios (SOTO et al., 1993).

Kulgeman e Chin (1970) apud Speece (1986) apresentam outros limites, mais restritivos (Tabela 2.11), para os mesmos metais, em concentrações inibitórias para populações metanogênicas não adaptadas (IC50).

Tabela 2.10 – Concentrações estimulatórias e inibitórias de metais alcalinos e alcalinos terrosos a sistemas

anaeróbios

Cátion Concentrações (mg/L)

Estimulatória Moderadamente inibitória Fortemente inibitória

Sódio (Na+) 100-200 3500-5500 8000

Potássio (K+) 200-400 2000-4500 12000

Cálcio (Ca2+) 100-200 2500-4500 8000

Magnésio (Ca2+) 75-150 1000-1500 3000

Fonte: Adaptado de McCarty (1964)

Tabela 2.11 – Concentrações inibitórias de metais alcalinos e alcalinos terrosos a sistemas anaeróbios não

adaptados

Metais Concentração inibitória

Sódio (Na+) 7400 (0,08 M)

Potássio (K+) 4800 (0,12 M)

Cálcio (Ca2+) 4800 (0,12 M)

Magnésio (Ca2+) 1900 (0,32 M)

Fonte: Adaptado de Kulgeman e Chin apud Speece (1986)

McCarty (1964) também destaca que se, na solução afluente, uma mistura desses cátions se faz presente (como ocorre no caso do chorume), os efeitos de antagonismo e sinergismos podem potencializar ou amenizar os efeitos inibitórios apresentados. O sódio e o potássio são os melhores antagonizantes quando disponíveis em níveis estimulatórios no efluente.

A amônia é usualmente gerada no tratamento anaeróbio devido à degradação de efluentes contendo proteínas e uréia (McCARTY, 1964). Diversos mecanismos de inibição são propostos envolvendo alterações no pH intracelular, alterações de requerimentos energéticos celulares e inibição por reações enzimáticas específicas (CHEN et al., 2008). O íon amônio (NH4+) e a amônia livre (NH3 ) são as duas principais formas do nitrogênio

Essas formas encontram-se em equilíbrio em função do pH da solução de acordo com a Equação 2.1 (McCARTY, 1964). Sendo o equilíbrio deslocado para direita, as concentrações do gás amônia podem se tornar fortemente inibitórias, mesmo a baixas concentrações. Na Tabela 2.12 são apresentados as faixas de concentrações de nitrogênio amoniacal em soluções e os efeitos ao tratamento anaeróbio.

Tabela 2.12 – Efeitos do nitrogênio amoniacal no tratamento anaeróbio

Concentração N-NH3 (mg/L) Efeito no tratamento anaeróbio

50-200 Benéfico

200-1000 Sem efeito adverso

1500-3000 Inibitório em pH elevado

Acima de 3.000 Tóxico

Fonte: McCarty (1964)

O deslocamento do equilíbrio para esquerda pode ser compensado pela produção de ácidos graxos voláteis no reator que aumentam o pH do meio, tendendo assim a manter o pH em torno de 7,0 e reduzindo o efeito tóxico.

Calli et al. (2005) destacam que o efeito inibidor e tóxico da amônia é bastante conhecido, sendo sua maior influência observada para os microrganismos metanogênicos (Archeas). Dois diferentes mecanismos são atribuídos à inibição da metanogênese pela amônia. No primeiro, as enzimas da síntese do metano são diretamente inibidas pela amônia livre. No segundo mecanismo, as moléculas de amônia livre hidrofóbicas difundem passivamente através da célula e rapidamente são convertidas a amônio sob as condições de pH intracelulares. Essa acumulação intracelular pode causar efeito tóxico por alteração do pH intracelular (SPROTT e JARREL, 1984 apud CALLI et al., 2005).

Os metais pesados também interferem no processo anaeróbio sendo que concentrações baixas de sais de cobre, zinco e níquel os principais responsáveis pelos efeitos de toxicidade aos microrganismos anaeróbios (McCARTY, 1964). Chen (2008) destaca que os metais pesados podem causar inibição de 50 % da metanogênese indicando que o efeito tóxico decresce na ordem Cu > Zn > Ni.

O cromo hexavalente também apresenta elevada toxicidade aos microrganismos anaróbios, entretanto, é reduzido rapidamente a cromo trivalente sob as condições

Diferentemente de outros agentes tóxicos, os metais pesados não são biodegradáveis e são acumulativos nas células, o que pode potencializar efeitos tóxicos, com o tempo (STERRITT e LESTES, 1980 apud CHEN et al., 2008). Os efeitos tóxicos, entretanto, variam de acordo com as espécies envolvidas, as condições operacionais e ambientais; dessa forma, níveis determinados de faixas de toxicidade não são ainda padronizados e variam grandemente.

Nos lixos urbanos os teores de metais pesados estimados por Castilho Jr. (1988), indicaram que a fração orgânica aparece como depositário principal dos metais pesados nos resíduos sólidos: Cu (80 a 70%), Ni (54 a 56%), Zn (26 a 42%), Cr (21 a 26%), Hg (17 a 70%), Cd (6 a 15%) e Pb (19 a 48%); os plásticos aparecem com principal fonte de Cd (67 a 77%). O Pb e o Cu se manifestam em quantidades importantes nos metais ferrosos (29 a 50% de Pb e 14 a 50% de Cu). O autor destacou que o couro contribui com cerca de 35% do Cr e a borracha com 32 a 37% do Zn.

O papel aparece como notável fonte de Pb (10 a 14%), devido principalmente às tintas e pigmentos utilizados nos impressos. A contaminação direta inicia-se no ato da mistura do material compostável com o resto do lixo. Oliveira (1999), indica que os teores de metais pesados como o chumbo, o cádmio, cromo, ferro e alumínio, entre outros, nos lixiviados, são devidos principalmente à disposição inadequada de pilhas, baterias e impressos em geral, entre outros. A quantidade de metais que chega ao chorume depende de inúmeros fatores autóctones, alóctones e varia em relação à idade do aterro.

Em aterros mais antigos, a quantidade remanescente é geralmente muito baixa em virtude destes já terem sido lixiviados, ou terem sido complexados na massa remanescente do lixo.