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Iniciativas em conjunto com os executivos federal, estadual e municipal

2.2 As redes

2.2.1 Iniciativas em conjunto com os executivos federal, estadual e municipal

A atuação de parlamentares em redes envolve uma ativa participação em atividades até pouco tempo controladas por agentes do Poder Executivo (SLAUGHTER, 2006, p. 106). Tanto em nível federal quanto em nível estadual, a maneira mais tradicional de legisladores influírem em questões externas se dá por meio de um estrito controle das ações do executivo (CÉSAR; MAIA, 2004). Os parlamentares, contudo, não se mostram satisfeitos em apenas manter sob rédeas curtas o outro poder. Autorizados por dispositivos constitucionais e regimentais, e contando com a anuência e apoio de outros setores de governo, representantes eleitos têm integrado redes transnacionais em conjunto com ministérios e secretarias governamentais.

No caso dos deputados estaduais catarinenses, este tipo de atuação é bastante comum. Ministérios do governo federal, secretarias do governo estadual e prefeituras, realizam, em conjunto com parlamentares, atividades de cooperação internacional. Esta atuação redunda em acordos comerciais e ações de intercâmbio científico, técnico e cultural, de modo que, são assim estabelecidos canais de comunicação com entes estrangeiros de natureza diversa (comunidades, cidades, regiões, entes subnacionais e países). Formam-se redes nas quais os parlamentares têm participação e voz ativa.

O executivo estadual é parceiro frequente da ALESC nesta seara. O governo de Santa Catarina tem reconhecida proatividade internacional, atuação esta apresentada pela literatura como uma expressão da paradiplomacia 61. De acordo com o secretário de relações institucionais da ALESC, a razão para integrar membros do legislativo em missões e iniciativas reside em uma busca por uma maior aproximação institucional entre ambos os poderes, bem como, em pedidos de apoio a determinadas ações governamentais. Por amiúde necessitar do suporte político e (ou) institucional da ALESC, o governo Estado tende a voltar- se aos legisladores, integrando-os em suas atividades (SCHAEFFER, 2016).

Estas iniciativas são orientadas por temas que abrangem diferentes setores da administração pública. No período analisado, o tema mais frequente foi o comércio exterior. Outros temas abordados foram preservação ambiental, redução de risco de desastres, agropecuária e cooperação entre cidades. Em alguns casos, uma mesma iniciativa conduzida por agentes do Executivo e do Legislativo lida com uma agenda composta por diferentes temas.

Primeiramente, cabe apresentar alguns dos casos de atuação conjunta dos deputados com entes governamentais em redes. Serão consideradas, respectivamente, as parcerias com o governo federal, com o governo estadual e, por fim, com prefeituras. Em seguida, será avaliado de que modo os processos históricos por trás da atuação internacional de parlamentares encontram ressonância nestas iniciativas.

Parcerias para a atuação em redes transnacionais junto ao governo federal podem ocorrer sob a égide tanto do Ministério das Relações Exteriores (MRE) quanto de outros ministérios da União. Representa o primeiro modo a participação da ALESC nas Sessões da Plataforma Global para Redução do Risco de Desastres, fóruns bienais coordenados pela Estratégia Internacional das Nações Unidas para a Redução de Desastres. Esta parceria teve início em 2011, na terceira edição do evento, e continuou em 2013, na quarta edição.

O fórum, realizado na Suíça, dedica-se ao intercâmbio de informações e conhecimento e à formação de parcerias intergovernamentais na seara da redução do risco de desastres. Nas ocasiões em que houve participação dos deputados catarinenses, uma grande comitiva coordenada pelo MRE integrou agentes do governo federal, de governos estaduais e parlamentares de diferentes estados.

61 Entende-se como paradiplomacia a atuação externa de Estados subnacionais. Este fenômeno, que ganhou força

na década de 1980, tem como marco no Brasil a ação de estados como o Rio Grande do Sul, protagonista no âmbito da cooperação regional e cenário da criação da primeira Secretaria de Assuntos Internacionais, em 1987 (KOTZIAS, 2010; SALOMÓN; NUNES, 2007).

A atuação ocorreu em momento em que o Estado de Santa Catarina havia passado a concentrar maiores esforços na área da Defesa Civil. Tal tendência foi desencadeada pelas grandes enchentes que acometeram o Estado no ano de 2008, tragédia que mobilizou o Legislativo catarinense e culminou, em 2011, na criação da Comissão Permanente de Defesa Civil (AGÊNCIA AL, 25/02/2011). Não por acaso, os deputados Kennedy Nunes e Jean Kuhlmann, presidentes desta mesma comissão em 2011 e 2013, foram os representantes da ALESC no fórum global (AGÊNCIA AL, 23/05/2013).

Outras iniciativas da ONU contaram com a atuação de deputados catarinenses por meio de comitiva chefiada pelo governo federal. Em 2011, o engajamento do deputado Volnei Morastoni junto ao Ministério da Saúde para que o Brasil promovesse a inclusão de enfermidades não-transmissíveis na Agenda do Milênio encetou, ainda no mesmo ano, a participação do parlamentar na Reunião de Alto Nível da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre Prevenção e Controle de Doenças Não-Transmissíveis (AGÊNCIA AL, 16/06/2011).

Como presidente da Comissão de Saúde da ALESC durante a 17ª legislatura, Morastoni manifestou o pleito de entidades ligadas ao combate de doenças não-transmissíveis em reunião com o ministro da Saúde Alexandre Padilha que, logo, convidou o deputado para integrar comitiva do ministério na reunião da ONU acerca do tema, em Nova Iorque. A participação no evento rendeu ainda novas colaborações entre Morastoni e o Ministério da Saúde62, dando continuidade ao canal comunicação estabelecido (AGÊNCIA AL, 02/12/2011).

Nesta categoria, das iniciativas internacionais estabelecidas através do contato entre entes governamentais e a ALESC, o parceiro mais frequente dos parlamentares catarinense é o Executivo estadual. Através da interação entre secretarias de Estado e parlamentares, diferentes canais de comunicação com o exterior foram abertos, gerando resultados diversos.

Em missões lideradas pela Secretaria de Estado da Agricultura e da Pesca, a inclusão de deputados ligados à pauta agrícola é comum. Realizam-se visitas técnicas em países com culturas semelhantes às de Santa Catarina, com o intuito de promover trocas de conhecimento acerca de novas tecnologias e de experiências em políticas públicas para a área. Em diferentes ocasiões durante o período estudado, Nova Zelândia e Austrália foram destinos deste tipo de

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O deputado Morastoni integrou a 14ª Conferência Nacional de Saúde como debatedor em mesa redonda sobre doenças crônicas não-transmissíveis e apresentou um relatório sobre a Reunião de Alto Nível da ONU sobre o tema na XVI Conferência Nacional da UNALE. (ALESC, 02/12/2011)

missão 63. Segundo o deputado José Milton Scheffer, parlamentar integrante da Comissão de Agricultura da ALESC, as experiências destes dois países na produção de leite e bovinos são fundamentais para o desenvolvimento destas culturas em Santa Catarina (AGÊNCIA AL, 24/11/2011). Assim, por meio destas redes transnacionais orientadas à pauta agrícola, experiências externas foram trazidas para o Estado a partir da cooperação entre o parlamento de o executivo.

Em 2011, após realizar missão em conjunto com o governo do Estado e associações empresariais, Scheffer destacou características da bovinocultura neozelandesa e australiana no plenário da ALESC e fez um paralelo com a realidade do setor agropecuário catarinense. O deputado apontou práticas como a presença massiva do Estado no financiamento da pesquisa e investimentos na área e a terceirização do manejo animal como uma referência no combate dos problemas que a produção local apresentava naquele ano, com destaque para a escassez de mão de obra no campo.

Muitas destas missões técnicas surgem do ativismo de deputados em nome de pleitos da agroindústria catarinense. Estas missões, por sua vez, geram como contrapartida a vinda de autoridades e comitivas dos países visitados à Santa Catarina, ocasiões em que se dá continuidade ao diálogo estabelecido e são realizadas visitas ao Palácio Barriga Verde e a fábricas e fazendas do Estado. Em missão à Santa Catarina em 2012, ano seguinte à missão integrada por Scheffer a Nova Zelândia e Austrália, o embaixador australiano Brett Hackett reuniu-se com deputados na ALESC, oportunidade em que foram discutidas oportunidades de comércio e investimento e a confiança do empresariado estrangeiro em investir no mercado catarinense (AGÊNCIA AL, 19/12/2012).

Outras iniciativas do governo do Estado buscaram, junto a parlamentares, selar parcerias comerciais que favorecessem o potencial de Santa Catarina como exportador de produtos agrícolas. A assinatura da liberação da importação de suínos de Santa Catarina para países asiáticos foi um marco neste sentido, envolvendo articulações entre deputados, empresários e o Executivo.

Ainda em 2010, a grave crise que acometia a suinocultura do Estado era debatida no plenário da ALESC. Em audiência convocada pelo deputado Moacir Sopelsa, alternativas de escoamento da produção e novas políticas de subsídio ao setor eram discutidas com entidades de produtores. A busca por soluções no mercado internacional estava em pauta (AGÊNCIA AL, 22/06/2011). Destarte, no ano seguinte, os deputados Sopelsa e Caramori, em conjunto

com cooperativas agropecuárias, realizaram visita à Ásia com o objetivo de aventar interesses comerciais que favorecessem o setor no Estado. Em plenário, Sopelsa apresentou os resultados da missão e destacou o início de tratativas entre o governo estadual e autoridades japonesas e sul-coreanas para a exportação de produtos catarinenses de proteína animal (AGÊNCIA AL, 18/10/2011).

Deste modo, no ano de 2013, em missão encabeçada pelo governador Raimundo Colombo ao Japão, foi selada junto ao ministério da agricultura japonês a liberação da entrada da carne suína catarinense no país 64. O deputado Sopelsa, integrante da referida missão, destacou a conquista em plenário e sublinhou que novos compradores seriam atraídos ao mercado catarinense a partir de então, o que ocorreu apenas em 2016, quando um novo acordo para liberação do suíno catarinense foi assinado, desta vez com a Coreia do Sul (G1, 05/01/2016).

Além dos governos estadual e federal, prefeituras de cidades catarinenses também foram parceiras ocasionais da ALESC em iniciativas internacionais. O objeto costumeiro destas missões foram tratativas de irmanamento de cidades, envolvendo articulações entre deputados, prefeitos, servidores e comunidades estrangeiras. Entende-se a irmandade de cidades como um instrumento legal que enseja o aprofundamento do intercâmbio científico, tecnológico, cultural e comercial entre as localidades envolvidas (ARAÚJO, 2011).

O Leste Asiático é fonte constante deste tipo de cooperação. A Província de Henan, uma das regiões mais populosas da China, desenvolveu junto a ALESC e entidades municipais uma duradoura rede trasngovernamental. Os acordos de irmanamento entre cidades da província e o Estado tiveram início em 2002, quando foi formalizada a irmandade entre as cidades de Joinville e Zhangzou, e prosseguiram em 2003, com acordo entre Itajaí e Xinxiang (GOV. SANTA CATARINA, 2016).

No início do período coberto pela pesquisa (2011-2016), em 2011, os deputados catarinenses intermediaram um acordo entre o Hospital Popular da Província de Henan e o Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina. A partir da tratativa, assinada na ALESC, deu-se início à troca de experiências profissionais na área de serviços, envolvendo médicos e estudantes (AGÊNCIA AL, 21/10/2011).

O fator econômico é que mais aproxima localidades catarinenses e chinesas. Neste sentido, o perfil da economia da província de Henan é semelhante ao de Santa Catarina. Tanto

64 O Japão, maior comprador de carne suína do mundo, importa 1,2 milhão de toneladas ao ano. O país, que

costumava importar carne suína apenas de países em que todo território era atestado como zona livre de febre aftosa, deu o aval para a importação do produto catarinense, uma vez que o Estado é a única unidade federativa que detém este título desde 2007 (GOV. SANTA CATARINA, 2013).

a província chinesa quanto o Estado destacam-se em seus países pela produção mineral e pela indústria metal-mecânica65, afinidades que geraram uma oportuna convergência de interesses entre empresários e autoridades de ambas as localidades, culminando em atividades de intercâmbio técnico-científico encetadas pelo engajamento de parlamentares no tema (Agência AL, 24/11/2011; 02/07/2013; 04/07/2013).

No final de 2011, em missão liderada pelo deputado Valmir Comin à fábrica de mineradoras em Zhengzhou, capital de Henan, foram constatados os triunfos da produção chinesa sobre a catarinense, como a maior eficiência no reaproveitamento de subprodutos do carvão. Na mesma ocasião, temas como eficiência energética e sustentabilidade na produção mineral foram pauta de reuniões entre os deputados e autoridades locais (Agência AL, 21/12/2011). Como contrapartida, no ano seguinte à missão de Comin, uma comitiva de autoridades chinesas realizou visitas ao Palácio Barriga Verde e às minas de carvão no sul do Estado. Na ocasião, revelou-se o interesse chinês em investir na produção mineral local (AGÊNCIA AL, 09/03/2012).

Um novo acordo de irmanamento foi concluído em 2013, desta vez entre as cidades de Xanxerê e de Anyang. Com o suporte dos deputados Gilmar Knaesel e Marcos Vieira e a coordenação da SERI, foram realizadas missões integradas por empresários de diversos ramos da região Oeste do Estado e representantes das cidades. A concretização do acordo, na perspectiva de um dos vereadores responsáveis pela missão, favoreceu a produção local, especialmente de carnes, grãos e lacticínios, dada a elevada demanda da cidade de chinesa por alimentos 66 (AGÊNCIA AL, 07/11/2013).

Após a apresentação destes casos, convém analisar de que modo os três processos históricos associados pela literatura à atuação internacional de parlamentares (democratização, globalização e regionalização) se encontram implicados nos casos aqui apresentados.

A existência de cooperação entre a ALESC e outros entes do Poder Público evoca a ideia de governança multinível. Tal conceito, surgido a partir da globalização, decorre de um processo de dispersão da autoridade estatal que, por sua vez, acarreta no surgimento de novos atores internacionais no seio do Estado (HOOGHE; MARKS, 2001). Deste modo, governos e parlamentos de Estados da federação podem emergir como níveis de articulação em meio às estruturas de governança global (WUNDERLICH, 2007).

65 Santa Catarina e Rio Grande do Sul apresentam a maior concentração de carvão do Brasil, com reservas

estimadas em 32 bilhões de toneladas (Agência AL, 09/03/2012).

66 A população da cidade de Anyang, na província de Henan, é superior à população de todo o Estado de Santa

É neste sentido que se insere, por exemplo, a atuação de deputados e agentes de governo do Estado de Santa Catarina em um fórum das Nações Unidas. A articulação entre a organização internacional de grande monta e entes subnacionais constitui uma expressão da governança multinível. Somam-se a esse exemplo os casos em que a ALESC atuou como nível de articulação intermediário entre cidades catarinenses e cidades chinesas nos acordos de irmanamento. Aqui, novamente, nota-se o Legislativo como um ator internacional capaz de intermediar o contato entre comunidades distantes, gerando, com isso, trocas comerciais, culturais e científicas.

Na literatura sobre regionalismo, conceituam-se os legisladores como “cintos de transmissão” entre a sociedade civil e as elites governantes (STAVRIDIS et al., 2012). Este padrão pode ser observado no trabalho do deputado Volnei Morastoni junto ao Ministério da Saúde para a consecução das demandas de entidades ligadas ao combate de Doenças Não- Trasmissíveis. Naquele caso, o parlamentar buscou orientar a posição brasileira na Reunião da AGNU sobre Prevenção e Controle de Doenças Não-Transmissíveis. Com a transmissão de um pleito da sociedade civil às instâncias mais elevadas do Executivo, cumpriu-se uma perspectiva importante do “novo regionalismo”.

O papel assumido pelos deputados catarinenses na promoção comercial do Estado permite uma outra conexão. Conforme coloca Nesadurai (2005), entre as situações em que os processos de regionalização e globalização podem estar associados está a inserção de atores regionais na economia global. Isto posto, a demonstrada atuação da ALESC em iniciativas que levaram ao contato entre empresários e autoridades catarinenses com seus pares em países asiáticos encetou transformação semelhante, uma vez que, a partir das tratativas, novos mercados abriram-se à agropecuária catarinense, marcando avanços na inserção do Estado na economia global.

Por fim, a atuação dos parlamentares nas redes observadas nesta categoria pode ser definida por uma mesma função: a busca por uma voz própria no cenário internacional. Neste modo de atuação, Slaughter (2006) aponta que deputados procuram atribuir a si mesmos um papel relevante em questões tradicionalmente legadas à competência do Executivo, o que constitui um desafio à concepção tradicional da presença do legislativo em questões externas. Frente aos casos aqui avaliados, percebe-se que a atuação dos deputados nas redes transnacionais lidou com temas comumente vinculados aos governos estadual e (ou) federal. Com isso, pode-se aventar que a função exercida por estas iniciativas consiste em abrir novos espaços para a atuação de legisladores.

A presença dos deputados catarinenses em fóruns das Nações Unidas reafirma este argumento. Organizações internacionais ocupam-se da harmonização e convergência de legislações e políticas entre Estados-membros, o que faz com que decisões tomadas no âmbito destas instituições envolvam de modo direto a ação dos parlamentos, que agem na consecução de determinadas mudanças e assumem maior responsabilidade frente a estes foros e ao resto da sociedade (SLAUGHTER, 2006). A atuação em organizações internacionais, portanto, é típica de parlamentares à procura de um papel para si mesmos nas estruturas de governança global.

A atuação internacional de deputados da ALESC em conjunto com entes públicos é uma expressão da governança multinível. A inserção da ALESC e do governo estadual em redes transnacionais sinaliza a dispersão da autoridade estatal em um contexto em que novos níveis de governança emergem nas unidades subnacionais dos Estados. O objetivo desta atuação é, fundamentalmente, a de busca por uma voz própria no cenário externo, pois, nestas iniciativas, os legisladores assumem para si funções que fogem das competências tradicionais de representantes eleitos, como a busca de soluções internacionais para problemas locais e a promoção da economia local em um ambiente externo.

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