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CAPÍTULO IV. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS

IV.1. Dados recolhidos através da observação participante

IV.1.3. Iniciativas e Respostas

Na análise desta categoria, tivemos em conta todas as situações de interação objeto de observação, excetuando as atividades de Acolhimento às turmas. Isto deveu-se ao facto de nesta atividade as iniciativas serem sempre estimuladas pelos adultos responsáveis.

Tal como para a categoria Características da interação, os dados desta categoria foram estruturados a partir das notas de terreno (anexo 2.6) e reorganizados em grelhas síntese (anexo 2.7). O quadro nº 10, daí resultante, pretende resumir o número de iniciativas e de respostas dadas pelas seis crianças com PEA e pelas restantes crianças com quem estabeleceram interações. Neste quadro é também possível contabilizar o número total de

iniciativas e respostas das crianças envolvidas.

Quadro nº 10: Distribuição das iniciativas e respostas por criança e no total

Criança Nº de observações CA inicia/ SA responde CA inicia/ SA não responde SA inicia/ CA responde SA inicia/ CA não responde Não observado

A 35 Com ajuda do adulto – 1 15 4 Com ajuda do adulto – 3 15 5 8

M 32 Com ajuda do adulto – 3 7 3 11 16 5

D 28 8 2 Com ajuda do adulto – 1 5 0 23

S 31 2 1 26 7 2

I 33 Com ajuda do adulto – 1 9 0 28 2 3

H 35 4 1 Com ajuda do adulto – 4 14 16 7

Total 50 11 107 46 48

CA – Criança com PEA SA – Criança(s) sem PEA

Numa análise geral, observando apenas os números totais, verificamos que, em 107 observações, o número de vezes em que as crianças sem PEA iniciam a interação e obtém uma resposta das crianças com PEA supera em larga escala os restantes números. O número de situações em que as crianças com PEA iniciam e as restantes respondem é semelhante ao número de vezes que as crianças sem PEA tomam a iniciativa mas não há

resposta das crianças com PEA (50 na primeira situação e 46 na segunda). As situações

menos observadas foram aquelas em que as crianças com PEA iniciam sem obter resposta da parte das restantes crianças, havendo apenas 11 ocorrências. É ainda de salientar o número elevado de observações (48) em que não foi possível verificar situações de iniciativa e/ou de resposta quer da parte das crianças com PEA quer da parte das outras crianças. Este facto parece compreensível tendo em conta a natureza do objeto de estudo e o método escolhido para a recolha de dados. Tendo sido realizada observação participante, em que a observadora assumiu, simultaneamente, o papel de investigadora e de técnica de intervenção educacional é natural que não fosse possível observar todas as interações realizadas desde o momento em que estas se iniciavam até ao seu final.

72 Fazendo uma análise mais individualizada das iniciativas e respostas de cada uma das seis crianças objeto de estudo, na sua relação com as demais crianças percebemos que para todas elas se mantem a tendência geral: maior número de iniciativas da parte das restantes crianças com resposta da criança com PEA.

Relativamente à criança A, foi possível observar um número de iniciativas (16) muito próximo do número de iniciativas das outras crianças (18). Da mesma forma, observamos que esta criança recusou e viu a sua iniciativa recusada sensivelmente o mesmo número de vezes (5 e 4 vezes respetivamente). Os excetos seguintes permitem essa leitura:

«A brincava às “caçadinhas” espontaneamente, iniciando e respondendo às interações das outras

crianças» (Nota de terreno nº 9, anexo 2.6).

«A, que tinha deambulado sozinho pelo recreio, olhando para as outras crianças, começou a brincar assim que lhe perguntei se queria brincar ao “bichinho”. Mostrou-se bastante competente nesta atividade, respeitando as suas regras. Por sua vez, as crianças interagiram com ele de igual para igual, chamando-o quando era necessário e ajudando-o a fingir que dormia quando era a sua vez de ser o bichinho» (Nota de terreno nº 18, anexo 2.6).

«Durante o almoço, o A. (…) iniciou várias vezes a interação (chamando a atenção oralmente e com

mímica), obtendo algumas vezes a atenção das outras crianças a quem se dirigia: rindo-se, brincando, fazendo comentários» (Nota de terreno nº 29, anexo 2.6).

Estes registos mostram algumas características a nível social (interesse em interagir com outras crianças e maior facilidade em seguir regras simples de um jogo de grupo) e comunicativo (nomeadamente uso da fala e gestos simples) que parecem ter possibilitado uma maior iniciativa por parte desta criança.

Verificamos, ainda, que esta criança necessitou de ajuda do adulto especialmente para dar continuidade à interação iniciada por outros. De salientar várias situações (não contempladas no quadro) em que houve aproximação mas em que não chegou a ocorrer interação, dado que, ainda que a criança com PEA tenha tentado iniciar uma interação, esta

iniciativa não foi percebida pelas outras crianças. Esta situação é ilustrada pela seguinte

nota de terreno:

«A tentou acompanhar a brincadeira das outras crianças da sua turma (corridas) mas pareceu sempre um

pouco de fora, dado que as outras crianças não percebiam que ele estava a brincar (…). Num

determinado momento, três crianças estavam a brincar com um carrinho e A teve a mesma atitude: andava atrás destas crianças mas não tinha nenhum comportamento para iniciar interação com elas» (Nota de terreno nº 27, anexo 2.6).

Pelo facto de não ter havido real interação, este tipo de situações não foi contabilizado nesta categoria.

No caso da criança M existem sobretudo iniciativas da parte de outras crianças, sendo que M respondeu em 11 situações observadas. É possível confirmar esta ideia a partir da nota de terreno seguinte:

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«Uma criança iniciou a interação com M., ao que este estabeleceu contacto ocular e se riu» (Nota de terreno nº 3, anexo 2.6).

Em 16 situações a criança M não respondeu à iniciativa das outras crianças, pelo que proporcionalmente foi observado um maior número de situações de recusas às iniciativas das restantes crianças (16 em 32 observações). Observámos ainda que M iniciou 13 interações (3 delas com ajuda do adulto), das quais 10 tiveram resposta das outras crianças e 3 não tiveram.

No caso da criança D as iniciativas e respostas foram muito difíceis de observar, uma vez que na maioria das situações quando a investigadora chegava ao contexto de observação (recreio, cantina, etc.) já ela se encontrava nesse espaço com os colegas, sendo impossível observar quem iniciou/respondeu à interação. Assim, foram poucas as situações observadas que possam ilustrar esta categoria de análise (5 em 28 observações). De qualquer forma, nas observações realizadas, esta criança teve maior número de

iniciativas (10) do que respostas (6), não tendo sido observada qualquer rejeição da sua

parte à iniciativa dos colegas.

Para a criança S foram apenas observadas 3 situações consideradas iniciativas das 31 situações observadas. Constata-se ainda que S respondeu a 26 iniciativas de outras crianças e recusou 7. Verificou-se que as iniciativas orais das restantes crianças obtiveram menor eficácia para estabelecer interação com esta criança, como mostram os seguintes excertos:

«outras meninas vieram juntar-se ao grupo, falando do seu Natal (…) resolveram perguntar a H e a S a mesma coisa, procurando inclui-los na atividade, apesar destas duas crianças não falarem. (…) S. manteve-se alheado das iniciativas das outras crianças» (Nota de terreno nº 23, anexo 2.6).

«Uma criança veio dar a mão a S: ele acedeu mas pouco depois manteve-se passivo, ignorando as iniciativas orais da outra criança» (Nota de terreno nº 31, anexo 2.6).

No caso da criança I, nas 33 observações houve 10 situações de iniciativa da parte da criança com PEA (sendo 1 delas com ajuda do adulto). Todas estas iniciativas foram seguidas de uma resposta da parte das outras crianças, ideia que pode ser ilustrada pelo seguinte excerto:

«I iniciou a interação para saltar. As outras meninas dão-lhe abraços e saltam com ela” (Nota de terreno nº 7, anexo 2.6).

Das 30 situações observadas uma maioria diz respeito a iniciativas por parte de outras crianças, sendo que apenas 2 delas foram recusadas por I.

Já a criança H, nas 35 observações efetuadas apenas tomou a iniciativa em 5 momentos de interação. As interações iniciadas por outras crianças tiveram essencialmente o mesmo resultado em termos de respostas e não respostas da criança com PEA: 18 dessas iniciativas tiveram resposta desta criança, 16 não tiveram resposta. É de notar a intervenção do adulto em 4 situações para ajudar a criança H a responder às interações

74 iniciadas por outras crianças. Apesar da ligeira maioria de interações com resposta por parte desta criança, se retirarmos as situações em que o adulto a ajudou, o número de iniciativas de outras crianças recusadas pela criança com PEA passa a ser superior.

Síntese interpretativa

Observando o quadro nº 10 de uma forma genérica verificamos que a maioria das interações com crianças com PEA foi iniciada pelas outras crianças.

No âmbito das iniciativas de outras crianças, percebemos que a grande maioria obteve uma resposta por parte das crianças com PEA. Também dentro das iniciativas das crianças com PEA (ainda que em muito menor número), a maioria obteve uma resposta das outras crianças. Estes números parecem apontar para uma efetividade das interações estabelecidas entre as crianças com e sem PEA. Evidentemente que o número de interações efetivas não pode ser dissociado das formas de interação, abordadas no ponto anterior deste trabalho. No entanto, esta ideia revela que as restantes crianças, no âmbito da observação realizada, mostram um elevado grau de abertura no que respeita às crianças com PEA, por um lado procurando a interação com estas (iniciando-a), por outro dando

respostas assertivas às suas iniciativas.

Importa, no entanto, não descurar as situações em que havendo tentativa de interação da parte da criança com PEA, esta não foi compreendida pelas outras crianças, pelo que não chegou a iniciar-se uma interação efetiva. Estas situações de eventual desatenção ou ignorância parecem demonstrar que nem sempre as restantes crianças se apercebem das

iniciativas de interação das crianças com PEA, podendo assim impedir que se estabeleça

uma interação. Estes dados parecem ir ao encontro do estudo de Ochs e colaboradores (2001) que referem que a falta de compreensão das restantes crianças relativamente aos comportamentos das crianças com Autismo provoca muitas vezes um entrave à interação entre as crianças. As referidas situações chamam também a atenção para a importância dos comportamentos básicos de interação que, não sendo por vezes considerados como tal, se revestem de bastante importância no caso de crianças com PEA.

Um outro facto interessante, e que vai também ao encontro do estudo realizado por Ochs e colaboradores (2001), diz respeito ao desempenho social das crianças com autismo. Tal como referem os autores no seu trabalho, também no nosso estudo as crianças com PEA apresentaram um desempenho social maioritariamente associado a comportamentos sociais não-verbais. Verificámos ainda que as próprias iniciativas verbais das crianças sem PEA se revelaram de menor eficácia na iniciação da interação com algumas crianças com PEA, provavelmente pelas dificuldades de compreensão verbal oral apresentadas por várias destas crianças. Isto parece mostrar a importância da compreensão por parte das outras crianças dos comportamentos não-verbais utilizados pelas crianças com PEA na interação.

75 Numa outra vertente de análise, percebemos que as diferenças entre as crianças com PEA relativamente ao número de iniciativas/respostas próprias e das outras crianças parecem estar relacionadas sobretudo com características das crianças e das próprias turmas. Verificámos que as crianças com PEA que apresentam maior número de recusas face à iniciativa de outras crianças e que têm maior número de ajudas da parte do adulto (M e H), seja para iniciar, seja para responder à interação, são aquelas que apresentam uma maior agitação motora. Por sua vez, crianças mais passivas em termos de comportamento motor (S e I) revelam um maior número de respostas face à iniciativa das outras crianças, o que dá a entender que o nível de agitação das crianças com PEA influencia a forma como estas crianças respondem às restantes.

Por outro lado, e como já referimos na análise das categorias anteriores, a familiaridade da criança com PEA com as crianças da sua turma poderá facilitar da parte da primeira a tomada de iniciativas de interação. Além disso, poder-se-á inferir também que uma maior atenção e assertividade das crianças da turma perante a criança com PEA poderá determinar um menor número de recusas da parte desta.

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