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4. A fumaça castelhana que paira sobre o pampa gaúcho: os impactos da legalização da

4.1. Da burocracia e institucionalização de fronteiras

4.1.1. O inimigo da fronteira entre Brasil e Uruguai: categorias teóricas convergentes para

Nas fronteiras entre Brasil e Uruguai, as quais se localizam nas cidades geminadas de Santana do Livramento/RS e Rivera/UY, Jaguarão/RS e Rio Branco/UY, Chuí/RS e Chuy/UY, ao menos em tese e institucionalmente, está bem marcada a questão da segurança. Em acordos regionais e legislações nacionais sobre fronteira, a segurança é sempre uma das primeiras questões elencadas. Tendo em vista a fronteira ser uma área muito importante e por isso muito visada para a economia, os Estados envolvidos desejam sempre salvaguardar a segurança de quaisquer ameaças ao bom andamento da livre circulação de mercadorias e transações comerciais. Por isso, situações que envolvam entorpecentes são sempre motivo de alerta para administrações fronteiriças. O tráfico de drogas é visto como um dos principais males nas relações de fronteiras e, por isso, classificado como crime. No caso do presente trabalho, a maconha, mesmo tendo atualmente o consumo e distribuição regulados pelo Estado no Uruguai, continua sendo proibida para estrangeiros não residentes. Por isso, o mercado paralelo ao oficial é uma das preocupações estatais, tanto do Uruguai quanto do Brasil nesse aspecto. No Uruguai, a Lei 19.172/2013 é taxativa ao permitir o consumo legal apenas para nacionais ou estrangeiros residentes no país, continuando a ser tratada como crime a conduta de estrangeiro não residente consumi-la. Do lado brasileiro, a Lei 11.343/2006, em seu art. 28 e art. 33 criminaliza o consumo e a distribuição de substâncias ilícitas, estando entre elas a maconha. No mesmo sentido, acordos bilaterais entre os Estados já preveem reforços quanto à segurança para combater o tráfico de drogas.

Diante de tais questões, o presente capítulo visa discutir quais estruturas edificam os valores do controle e da segurança nas fronteiras. O Estado nacional, por questões de

soberania, visa proteger ao máximo seu território interno às fronteiras, bem como a estrutura política de seu Estado, considerando ameaça quaisquer possíveis interferências externas, especialmente no que tange à entrada de mercadorias e, mais ainda, pessoas suspeitas. Em tal contexto, é construído um padrão de estrangeiro indesejável, como já trabalhado em capítulos anteriores, sendo o caso dos uruguaios para o Brasil após a legalização da maconha a visão de estrangeiros uruguaios como outsiders ou forasteiros por trazerem consigo o “perigo” da maconha e das drogas para o país vizinho que criminaliza condutas a ela relacionadas e atualmente possui um programa estatal bastante conservador47 no que se refere a drogas.

Portanto, em termos de entorpecentes, o Estado brasileiro percebe o estrangeiro uruguaio com preocupação em sua entrada no Brasil invocando, para mantê-los afastados, criminalizados e punidos os aspectos especialmente da segurança, da soberania e da cidadania.

A segurança, como um dos pilares do Estado moderno, edificado na base das leis, repressão e violência, é comumente invocada para justificar o cerceamento a direitos, especialmente o da livre circulação de pessoas. A partir disso, são impostas não apenas barreiras burocráticas fronteiriças, como também condutas criminosas que possam ameaçar o bom andamento da administração pública. Portanto, no que tange à seara das relações exteriores, a segurança se vale de institutos jurídicos e políticos de proteção ao território nacional. O primeiro deles é a soberania que permite aos Estados que suas decisões políticas e jurídicas no cenário interno com relação a outros países sejam as de maior relevância, não podendo nenhum outro Estado interferir em tais decisões. Existem os tratados internacionais em forma de acordos entre países com relação e regulações jurídicas e políticas de interesse dos países envolvidos, porém, em geral, eles não possuem a força cogente de interferir na soberania nacional de um Estado. No caso do Brasil, a soberania48 é um dos fundamentos da Constituição Federal. Portanto, tratados mesmo quando firmados internacionalmente, podem

47 Osmar Terra, atual ministro do Desenvolvimento Social, filiado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), possui uma agenda de combate às drogas como questão de segurança e saúde pública. É autor de projetos com a finalidade de conduzir a política de drogas no Brasil no sentido da abstinência, conforme a Resolução 01/2018 do CONAD. Segundo o texto que aprovou tal resolução, “orientação central da Política Nacional sobre Drogas deve considerar aspectos legais, culturais e científicos, em especial a posição majoritariamente contrária da população brasileira quanto a iniciativas de legalização de drogas”. .Além disso, Osmar Terra possui como objetivos, entre outros, aprovar a internação compulsória de consumidores de drogas e tornar a legislação penal de drogas mais rígida, especialmente com relação a prisões, acompanhado do atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes em sua cruzada de combate às drogas. 48 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Último acesso em 08 de janeiro de 2018.

sofrer exceções. O que é mais difícil, nesse sentido, é quando o tratado é sobre direitos humanos49 que, no caso do Brasil, possuem força de emenda constitucional, quando aprovados de forma regulamentar e, por esse motivo, no plano interno devem ser respeitados como leis superiores de Estado. Portanto, o Brasil enquanto Estado-nação é soberano50 com relação às suas decisões internas, mesmo que havendo firmado acordos ou tratados.

Tal estrutura é típica dos Estados nacionais, sendo a soberania argumento tanto para proteção das decisões quanto para abusos com relação ao sujeito internacional. No caso do estigma criado com relação ao estrangeiro uruguaio no Brasil após a legalização da maconha, vide a cruzada moral contra as drogas que possui apoio e total respaldo não só da mídia analisada bem como outras no mesmo sentido, inclusive televisiva por meio de emissoras, há um pensamento nacional institucionalizado não só de combater as drogas bem como a livre circulação ou residência estrangeiras no país. A partir do próximo tópico, analisa-se diretamente o Decreto 9.096/2017, que promulgou acordo bilateral entre Brasil e Uruguai acerca de segurança pública, especialmente nos aspectos que dizem respeito à construção da categoria da segurança no plano de Estados-nação e de que possíveis maneiras o citado acordo interfere na política de fronteiras, mormente no que diz respeito a entorpecentes.

4.1.2. A relevância do Decreto 9.096/2017 para a securitização na faixa de fronteira entre